Chappell Roan
Apesar de tentar abranger o máximo que posso nem sempre consigo acompanhar todos os principais lançamentos, especialmente se for de uma artista em começo de carreira. E assim que escapou a resenha de The Rise and Fall of a Midwest Princess da então semidesconhecida Chappell Roan que parecia destinada a ser uma artista nichada e cult, mesmo com boas criticas da impressa especializada e do seu público. Então, tudo mudou com o sucesso imenso de Good Luck, Babe! depois da campanha de divulgação do seu debut. E com isso, Roan foi catapultada para o estrelato e a glória com as canções do seu álbum sendo “ressuscitadas” e virando sucesso comerciais. Para entender esse fenômeno e, também, sanar a lacuna deixada pela minha não avaliação resolvi escutar o álbum agora, pois antes tarde do que nunca.
Ao final da minha primeira escuta de The Rise and Fall of a Midwest Princess já entendi perfeitamente o motivo do público geral ter descoberto e transformado o álbum e suas canções em sucessos comercias. E essa é a razão entre o arroz com feijão normal e o arroz com feijão inspirado. Claro, o interesse depois de ouvir Good Luck, Babe! ajudou, mas o principal motivo é que aqui temos é um verdadeiro e inspirado arroz com feijão. E qual é esse arroz com feijão inspirado? O álbum é essencialmente um trabalho pop/dance-pop/pop rock/synth-pop que é produzido perfeitamente a essência básica do pop, mas que é adicionado temperos e sabores que o eleva para um estágio inspirado que sai do lugar do comum. Você não vai encontrar nada de novo ou essencialmente diferente, pois toda a produção comanda predominante pelo Dan Nigro é basicamente seguir certas cartilhas do pop a risca perfeitamente aliando com um trabalho instrumental vigoroso e refinado. O que faz o tempero do álbum pulsar nas nossas papilas gustativas sonoras é o elemento da presença única da Chappell Roan.
The Rise and Fall of a Midwest Princess não teria o mesmo impacto sem a presença marcante, única e efervescente de personalidade da cantora. E não é apenas a persona artística de Chappell, mas também quem é a mesma, especialmente e principalmente a sua sexualidade. Assumidamente lésbica, Kayleigh Rose Amstutz, nome de batismo da cantora, faz do álbum uma coleção de crônicas com forte e transparente teor queer ao mostrar as várias facetas da vida de uma pessoa da comunidade em relação a temas como, por exemplo, amor, sexo, coração partido, descoberta da sexualidade, entre outros assuntos. E tudo isso é trabalhado de uma forma que, mudando alguns contextos, poderia facilmente ser vindo de um homem gay ou de uma mulher hetero, pois a lírica da cantora tem essa qualidade de ser de fácil assimilação para qualquer pessoa que passou por esses sentimentos. Entretanto, existe um traço importante e especial da maneira que as canções são escritas que as tornam trabalhos que não se dá para tirar o fator queer sem perder parte da diversão, criatividade e esse je ne sais quoi tão impregnado no sucesso da cantora. E um dos momentos que dá para perceber em dos melhores momentos do álbum: Red Wine Supernova.
Sexto single do álbum, a canção é uma irresistível e contagiante de verdade fusão de pop/pop rock/synth-pop que gruda na nossa cabeça de maneira quase impossível de tirar. Todavia, Red Wine Supernova ganha ares de trabalho completamente único devido a presença da Chappell e a sua marca indiscutível. Logo no primeiro verso é lançada a seguinte perola: “She was a playboy, Brigitte Bardot”. Parece algo até não tão chamativo, mas, sinceramente, a maneira como a canção introdução o desejo sexual da cantora de maneira tão icônica, divertida e subvertendo expectativas é profundo e marcante, dando claramente toda a essência da cantora. E isso é algo muito raro de acontecer para uma artística em começo de carreira. Além disso, a cantora deixa bem claro o tamanho da sua capacidade de criatividade estética ao entregar uma letra com fortíssimo e preciso fator técnico, especialmente no seu ótimo refrão. Não gosto de comparar muito artistas, especialmente entre mulheres, mas Chappell Roan tem esse mesmo refinamento lírico pop que a Lady GaGa apresentou desde o começo da sua carreira. Diferentes estilos, mas a mesma capacidade de lapidar letras com a sua personalidade em trabalhos pop impressionantes. Tudo isso é entregue da melhor maneira na brilhante Super Graphic Ultra Modern Girl.
Canção mais diferentona do álbum, a faixa é uma excêntrica, vibrante, explosiva e magnética mistura de eletropop, house, EDM, Hi-NRG e electroclash que tem como ponto genial a sua construção climática e crescente entre os versos e o refrão, especialmente devido a dinâmica na primeira metade da canção. A batida contida enquanto a cantora narra de maneira falada sobre uma experiência de um primeiro encontro com um homem até estourar grandiosamente no insano refrão é um daqueles momentos impares na carreira de uma cantora pop assim como, por exemplo, o clímax final de Bad Romance. E é preciso apontar outro fator importante que faz The Rise and Fall of a Midwest Princess um trabalho realmente inspirado é a presença vocal de Chappell Roan. Versátil ao extremo e com uma presença carismática, a cantora entrega em cada canções novas possibilidades vocais interessantes e muito bem conduzidas, especialmente quando a sua voz é o grande chamariz da canção como em Casual.
Uma balada pop rock mid-tempo, a canção demonstra toda a vulnerabilidade tocante da cantora aliando com o doce e melancólico timbre da sua voz para entoar uma letra poderosa e atemporal sobre a gente não saber sobre se o amor que a gente dá para uma pessoa é o mesmo que a gente recebe, especialmente quando essa pessoa não parece saber responder a altura. E, novamente, a maneira como a mesma escreve sobre esse tema é peso necessária para a canção se sobressair devido a sua personalidade ao declamar no refrão: “Knee-deep in the passenger seat and you're eating me out/Is it casual now?”. Como escrevi antes, apesar de ter referencias de outras artistas, a produção dá para a cantora personalidade suficiente para tirar a mesma de uma comparação de imitação barata como mostra My Kink Is Karma. Sonoramente, a canção parece ter saído de alguma sessão de gravação da Taylor Swift até mesmo alguns detalhes como as quebras na melodia antes do refrão. Com a força da sua persona, vocais com mais alcance e, por fim, uma letra tão ácida de verdade que a torna quase um anti-Taylor. Outros grandes momentos do álbum ficam por conta da esquisita e deliciosa Femininomenon que abre o álbum e dá o tom perfeito e a doçura sincera de Pink Pony Club. The Rise and Fall of a Midwest Princess é um álbum que se não fosse um sobre de sorte poderia ter sido destinado aos fundos das prateleiras da história do pop. Felizmente, o talento da Chappell Roan vem sido merecidamente louvado e reconhecido e espero que seja apenas o começo.


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