Janet Jackson
Vencedor incontestável da enquete feita sobre qual seria o próximo álbum aqui resenha, The Velvet Rope da Janet Jackson é um caso curioso dentro do cenário musical. Apesar de ser uma das principais obras dos anos noventa e ter influenciado dezenas de artistas que vieram depois, o sexto álbum da cantora parece perdido quando se fala sobre a discografia da Janet e, também, quando tentamos lembrar quais são os maiores e melhores momentos da música pop contemporânea. Tentar descobrir o motivo central é complicado, pois existem vários fatores que giram em torno sem explicar de fato o motivo. Seria devido ao fato do álbum ter sido o penúltimo dentro do ciclo de imenso sucesso comercial e de critica que a cantora recebeu desde o lançamento de Control dez anos antes? Seria o fato do álbum não ser ter de longe aquele apelo pop comercial que os anteriores obtiveram, apesar das vendagens serem em torno de 10 milhões de cópias? Seria o fato de o álbum ter poucos singles de sucesso, mesmo com um número um na Billboard? Seriam os temas controversos como sexo, violência domestica e homofobia, mesmo todos esses assuntos já terem sido tratados por outras estrelas pop? É tudo isso e também aparenta não ser nada disso, pois The Velvet Rope pega todos esses contras e distorce ao seu favor. Então, invés de ficar tentando descobrir o motivo do álbum não ter o seu devido e merecido reconhecimento do público é melhor descobrir plenamente esse clássico moderno que cimentou Janet Jackson não apenas como a estrela pop que sempre foi, mas, principalmente, como uma das melhores artistas da sua era.
O lançamento de The Velvet Rope foi em uma época turbulenta na carreira e vida de Janet, sendo depois de uma disputa entre gravadoras para ter a cantora em que terminou com ela assinando um contrato de 80 milhões de dólares, o maior até então, o lançamento da sua primeira coletânea de sucessos (Design of a Decade: 1986–1996 vendeu em 1995 aproximadamente 10 milhões), o fim de uma longuíssima turnê mundial e, principalmente, um colapso nervoso que a levou a ter depressão profunda em que precisou lidar com baixa auto-estima, anorexia, traumas de infância e transtorno dismórfico corporal (TDC). Usando toda essa experiência, Janet começou a trabalhar no novo álbum ao lado dos antigos colaboradores Jimmy Jam e Terry Lewis, desenvolvendo um álbum conceitual feito para explorar assuntos tabus envolvendo a sexualidade humana. A explorar novos caminhos temáticos, a cantora também decidiu abrir espaço para aventurar-se em novas sonoridades, deixando de lado a persona pop que a mesma desenvolveu ao longos dos anos anteriores. Na época, tudo isso gerou uma polêmica tão grande que parece que apagou certo brilho do trabalho para parte do público, soando como se fosse um CD "difícil" e profundo demais. Após vinte anos do seu lançamento, The Velvet Rope vai envelhecendo de maneira perfeita e demonstra que todas as percepções da época eram completamente errôneas, pois o álbum é o mais refinado biscoito R&B/pop do final daquela década e vai ser firmando como um dos melhores de todos os tempos.
Como dito anteriormente, The Velvet Rope tem uma falsa aparência de ser complexo e pouco atrativo em uma primeira ouvida. O grande charme da produção é desconstruir a imagem de Janet para, depois, reconstruí-la com peças modernosas, experimentais, ousadas, ricas e pioneiras, porém, de maneira muito sábia, ainda consegue manter quase intacto várias características que fizeram da cantora a imensa diva pop que foi durantes os anos anteriores. Buscando claramente refúgio e inspiração no então recém criado neo soul, The Velvet Rope desenvolve uma sonoridade sólida e bem coesa, agregando gêneros como pop, R&B, folk, indie, eletrônico, experimental, hip hop, jazz e até mesmo música clássica. Essa mistura poderia sair de controle e se tornar algo desconexo e pretensioso. Felizmente, o resultado final é bem longe disso, pois o que podemos ouvir aqui é uma obra revigorante, muito bem amarrada, fluida e com um senso estético deslumbrante. Ao saber dosar até onde ir nas suas inovações, puxando o freio em vários momentos, a produção também ajuda a criar uma obra que termina como atemporal já que não correu o perigo de erguer um muro que impede o grande público de não se envolver com o álbum. Pode até demorar para ouvintes mais descuidados de gostarem, mas com o tempo o álbum vai crescendo na nossa "cabeça". O melhor exemplo disso é a genial primeiro single do álbum Got 'Til It's Gone: essa R&B/hip hop alternativo não obteve sucesso comercial, mas é um clássico com a sua batida cadenciada e bem demarcada, a melodia swingada, a instrumentalização lowprofile, a composição simples e cativante, a presença sexy e, ao mesmo tempo, delicada de Janet, a ótima utilização do rapper Q-Tip e a surpreendente e antológica da lendária cantora Joni Mitchell, entoando o sample de uma das suas canções. Talvez o erro do álbum é o seu terço final quando aparecem canções com uma produção redondinha demais e com uma atmosfera um pouco conservadora, mesmo assim ainda é possível encontrar faixas inspiradas como a explosão sexual de Rope Burn, melhor canção do álbum, que fala sobre BDSM de forma elegante. É nesse momento que pode-se observar outras grande característica que faz de The Velvet Rope um marco indiscutível.
Madonna virou Madonna explorando a sexualidade e assuntos tabus durante os primeiros anos da sua carreira. Mariah Carey nunca foi de falar sobre assuntos desse quilate até os dias de hoje. Britney e Christina tiveram que falar e exalar sexualidade para solidificarem o status de suas carreiras como divas pop. Quando Janet lançou The Velvet Rope, a mesma já era um dos maiores símbolos sexuais da década e, também, era um ícone de empoderamento feminino, principalmente para a mulher negra, O que mudou aqui é o fato da Janet mostrar que era muito mais que apenas uma imagem forte e, sim, uma mente forte, mesmo com os seus traumas sendo parcialmente exorcizados no álbum. Atacando de frente assuntos com uma proibição moral naquela época como, por exemplo, violência doméstica (What About), preconceito por pessoas LGBTQ (Free Xone), depressão (I Get Lonely), sexo à três (ao mudar a intenção da letra em Tonight's the Night, regravação do Rod Steart(, entre outros assuntos, Janet entregou um dos álbuns socialmente mais importantes na história recente do pop, conseguindo aliar ao senso de como construir letras com apelo radiofônico impressionantes. Dona de uma voz tão marcante e ao mesmo tempo com uma tão aparente fragilidade, a cantora sempre teve esse carisma natural que faz a gente esquecer certas limitações vocais assim como tinha o seu irmão Michael. Além dos momentos já citados, o álbum ainda conta com momentos precisos como é a dançante e sensual faixa que dá nome ao álbum Velvet Rope, a funk/pop Go Deep e, o maior sucesso dessa era, Together Again e a sua batida com influência eletrônica e disco, lembrando nomes como Diana Ross e Donna Summer. The Velvet Rope precisa ser (re)descoberto por todos aqueles que realmente gostam de boa música, edificando plenamente o seu lugar no panteão de grandes álbuns de todos os tempos. E Janet Jackson precisa ser glorificada de pé por todo o seu poder visionário como uma das maiores.
Um comentário:
"You" tbm é sensacional ! Grande álbum
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