9 de agosto de 2020

Primeira Impressão

What's Your Pleasure?
Jessie Ware


Em um ano tão difícil como o de 2020 era esperado que os lançamentos musicais seriam de alguma forma prejudicados em questão de quantidade e, principalmente, qualidade. Ao chegar a metade do ano em que ainda vivemos em um verdadeiro pesadelo, a indústria da música parece superar as expectativas no que tange a qualidade dos lançamentos. Apesar de vários álbuns terem sido gravados em um período anterior da pandemia, o cenário é extremamente promissor e inspirado em que vários álbuns de nomes conhecidos ou não se qualificam com louvor para levar a alcunha de Álbum do Ano. O mais novo nessa seleção é o quarto álbum da carreira da britânica Jessie Ware, o sensacional What's Your Pleasure?.

Ao menos para mim não há muita surpresa em constatar a grande qualidade de What's Your Pleasure?, pois, além de já conhecer o trabalho da cantora, acompanhei com expectativas nas alturas os lançamentos dos singles do álbum. Por isso, acreditava que o trabalho seria algo realmente marcante, mas isso não foi suficiente para preparar o terreno em relação ao magistral resultado ouvido aqui. Como já era esperado, Jessie escolheu por seguir um caminho bem diferente dos seus trabalhos ao fazer de What's Your Pleasure? uma verdadeira ode a disco music e, também, ao pop do começo dos anos oitenta. O álbum não apenas traz referências sobre o período e os gêneros, mas é na verdade um trabalho que parece ter sido feito na época. Isso poderia ser um tiro no pé ao soar ultrapassado, datado e/ou forçado apenas para seguir a onda atual. Entretanto, a produção quase inteiramente pelo também britânico James Ford consegue reverter esse resultado ao não apenas temperar o álbum com os sabores da disco e, sim, fazer um álbum disco em pleno 2020 envernizado com uma camada de modernidade e pinceladas de R&B e soul. Essa decisão é a melhor coisa que poderia ser feita para um álbum com tanta personalidade artista, pois não compromete a visão inicial e, ao mesmo tempo, consegue alinhar a sonoridade com o público atual de forma inteligente e orgânica. Além disso, a produção conserva a personalidade já muito bem estabelecida da Jessie Ware intacta em um álbum elegante, maduro e de um refinamento precioso que apenas eleva ainda mais o resultado final. 

Logo do começo do álbum já é fácil perceber exatamente o seu caminho e, principalmente, o motivo da sua grande qualidade: Spotlight, primeira canção lançada como single, é "uma elegante, refinada, sensual, suave e dançante nu-disco/pop que parece nos abraçar em um toque de veludo". Abrir o álbum com a canção é uma declaração de amor a disco music e, também, uma constatação de todas as qualidades que o álbum e a Jessie Ware possuem e apresentam impecavelmente durante todo o trabalho. Ouvir What's Your Pleasure? é uma experiência deliciosa ao parecer que estamos em estamos flutuando em uma nuvem que funciona como pista de dança voadora. Parece estranho a imagem, mas acredite que essa foi a minha impressão ao ouvir todo o álbum. Leve, melódico e envolvente do começo ao fim sem nunca perdendo a sua força artista ou o foco sonoro, o álbum apresenta uma coleção de canções que, mesmo tendo uma coluna vertebral forte, faz um passeio pelos estilos que pipocavam nos anos setenta e oitenta devido a disco music. Logo em seguida a Spotlight, a canção seguinte apresenta outra vertente da época: What’s Your Pleasure?, faixa que dá nome ao trabalho, é uma dançante disco/eletrônica/soul que remete claramente ao começo da música eletrônica e, claro, a sua madrinha Donna Summer. Outro exemplo primoroso de mudança sonora sem sair do eixo central é a gloriosa Soul Control em que fica claro a influência de sintetizadores e da new wave em uma divertidíssima faixa que poderia muito bem ter saído do catálogo da Kylie Minougue. Entretanto, a qualidade do álbum só é firmada devido ao imenso talento da Jessie Ware.

Na voz aveludada e encorpada da Jessie Ware, todas as faixas de What's Your Pleasure? ganham uma dimensão diferentes que poderia se esperar da maioria das cantoras ao serem elevadas de apenas ótimas canções pop para um nível bem mais complexo e com uma atmosfera atemporal. Derretendo asfalto no inverno, as performances carregam uma carga emocional gloriosa em que toda a aurea soul das influências da cantora são despesadas com perfeição. Ouvir Jessie cantar é como ouvir os sussurros dos anjos bem de perto. Ouvir Jessie é como se envolto pela mais pura seda egípcia. Ouvir Jessie é como sentir na pele os primeiros raios de Sol depois de um inverno de cem anos. Preenchendo cada lacuna que poderia existir desprotegida, Jessie transforma Save A Kiss em um espetacular encontro da disco/electropop com a a delicadeza do R&B que remete ao trabalho da banda Sade. E é dessa influência que as composições em What's Your Pleasure? parecem remeter bem diretamente.  Fica fácil notar que Jessie Ware não quer guerra com ninguém já que o álbum é praticamente um esplendor em homenagem ao amor, o romance, a paixão e o se apaixonar. Dessa maneira, a produção consegue criar um híbrido ideal para dançar coladinho na pista de dança ou/e dançar para conquistar na pista de dança como deixa bem claro a sensual In Your Eyes. Se o álbum começou em grande estilo era necessário terminar em grande estilo com a grandiosa Remember Where You Are que parece ter saído diretamente de um álbum soul/disco dos anos setenta, sustentado pela presença carismática e elegante da Jessie. E assim termina um álbum para ser colocado no panteão de grandes momentos de 2020. 

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