Kanye West
Muito antes de Kanye West se tornar essa figura que está acima da sua própria música existiu a grande promessa de um rapper que era capaz de deixar a sua música brilhar acima de qualquer coisa. É desse Kanye que vem uma das grandes canções de hip hop da última década: a épica Jesus Walks.
Entender a importância de Jesus Walks na história recente do hip hop e, também, da discografia de Kanye é importante voltar um pouco no tempo e relembrarmos de uma das principais revoluções musicais da história quando o lendário Ray Charles "decidiu" misturar o gospel com música secular, into é, música de apelo popular como R&B, jazz, soul, country e blues. Eram os anos cinquenta e os Estados Unidos ainda vivam os tempos em que se separavam legalmente negros de brancos e, obviamente, o país ainda vivem sobre uma fortíssima influencia conservadora. Isso se estendia para a música. Além de existiram paradas para artistas brancos e artistas negros, boa parte do público ainda rejeitava qualquer mistura que fosse entre gêneros tão distintos, principalmente envolvendo o gospel já que era "obra de Deus". Ray enfrentou muita resistência de vários lados, mas como a genialidade sempre vence, o cantor conseguiu ajudar a reconfigurar a música como se conhecia naquele tempo, virando a lenda que é reconhecida nos dias de hoje. No fundo dessa revolução, o que Ray Charles realizou na música foi subverter toda a ordem considerada normal para os padrões da época. Apesar de ter sido o primeiro a fazer isso na sua época, Kanye West subverteu regras em Jesus Walks em fundir pesadamente hip hop com gospel e, principalmente, não ter medo de expressar a sua fé em um cenário que não parecia se dar a oportunidade de fazer o mesmo.
Lançado como single em 2004 como quarto single do debut de West (The College Dropout), Jesus Walks subverteu aquele cenário do rap/hip hop, pois naquela época o principal nome dos gêneros era o 50 Cent e o seu gangsta rap, exaltando mulheres, dinheiro e drogas. Então, ouvir um novato falar sobre fé no grande mainstream foi um verdadeiro tapa na cara, lembrando que o rap/hip hop continua com a sua relevância em falar sobre assuntos que vão além da superficialidade instituída naquela época. A composição é dividida em dois momentos: o primeiro verso reflete como a fé afeta a vida do rapper e as suas dúvidas e medos sobre o tema e, o segundo verso, West reflete sobre com os outros veem a fé e a religião, principalmente criticando a indústria por parece rejeitar o tema em músicas consideradas seculares ao preferir tocar canções com temas bem mais mundanos. Essa consciência e as reflexões que o rapper coloca em Jesus Walks, aliado com a sua excelência na construção lírica com imenso destaque para o refrão, ajuda a canção a ganhar uma importância cultural atemporal ao explicitar e, simultaneamente, criticar o status quo daquela época. Se isso não fosse o suficiente, Kanye West ainda tem a capacidade de criar uma sonoridade quase revolucionária para os padrões da época ao construir artesanalmente um arranjo impressionante, juntando a grandiosidade dos coros e órgãos, a imponência das batidas de uma banda marcial e a batida eletrizante do rap. Tudo isso junto poderia facilmente resultar em algo fora do tom e completamente esquizofrênica, mas nas mãos hábeis do rapper/produtor, Jesus Walks torna-se uma pérola do gênero tão rica e complexa como uma obra de música clássica. Em um performance a altura do material que ele mesmo produziu, West começou a construir aqui o que seria uma das maiores carreiras modernas do cenário musical contemporâneo em uma música com um pouco mais de três minutos. E quem disse que precisa de mais para subverter todas as regras?
nota: 9
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