Joni Mitchell
Cada geração tem em seus ídolos musicais a representação em forma de canções as suas vozes. Não importa qual geração, qual o público alvo, quais são as ideias e as reflexões que precisam ser expressas ou qual é o tamanho do alcance dessas vozes em relação ao público que não faz parte dessa multidão de jovens em busca do seu lugar no mundo. O que importa é, repetidamente ao longo de décadas, é fácil apontar alguns nomes que carregaram nas costas o peso de algum forma ser a via de expressão de uma geração quase que por completo. E mais importante é saber quais desses ídolos conseguiram ultrapassar a barreira do tempo para que as suas vozes pudessem ser ouvidas e entendidas após muitos anos depois de serem consideradas como as novas, inovadores e excitantes vozes de uma nova geração. Por isso, o Antes Tarde do Que Nunca irá falar sobre um desses nomes que vem ultrapassado gerações com a sua mensagem e que hoje é considerada como uma das melhores de todos os tempos: a lendária Joni Mitchell. E para mergulharmos um pouco na sua música escolhi o que é denominado por muitos como o melhor álbum feminino de todos os tempos: o transcendental Blue.
Nascida Roberta Joan Anderson no Canadá em 1943, Joni Mitchell não teve exatamente um vida muito fácil durante ao crescer. Sempre se mudando devido o pai ser de exército, enfrentou uma grave doença aos nove anos de idade e não conseguia se adaptar a escola, principalmente devido ao fato de estar voltada em outros como a música e a pintura. Muito cedo, a cantora decidiu começar a se dedicar a carreira de cantora, mas com muitas dificuldades devido as criticas que recebia devido a distinta forma de enxergar a música e ao pouco dinheiro que recebia em suas apresentações. Tudo começou a mudar quando a cantora decidiu se mudar para Toronto e, depois, começar a viajar para os Estados Unidos que começou a ganhar notoriedade entre contemporâneos e o público. Em 1967, após a vê-la em um club na Flórida, que o cantor David Crosby a levou para uma gravadora e gerenciada pelo empresário Elliot Roberts que Joni realmente começou realmente a sua carreira com o lançamento do seu primeiro álbum, Song to a Seagull. Apesar do reconhecimento e o bom desempenho que o álbum e os seus dois sucessores obtiveram (Clouds de 1969 e Ladies of the Canyon de 1970) a sua consagração apenas veio em 1971 com o lançamento do seu quarto álbum: Blue não foi apenas o resultado da situação em que o mundo estava, mas, também, o resultado das experiências pessoais de Joni, ajudando o álbum a ter uma importância única para a representação da juventude daquela época.
O final dos anos sessenta e começo dos anos setenta foram um verdadeiro turbilhão para a história moderna. O mundo estava assistindo o ápice da guerra do Vietnã, a escalada da Guerra Fria, a sombra de uma guerra atômica, o movimento feminista e pelos direitos dos negros lutavam por direitos iguais e a evolução tecnológica começa a caminhar a passos nunca vistos antes. E isso é para dizer apenas os fatos mais marcantes, pois, queridos leitores, a época foi uma verdadeira loucura de acontecimentos. Obviamente, tudo isso refletia em uma artista que seria identificada como parte do movimento chamado contracultura que, por definição, são aqueles que tem a "mentalidade dos que rejeitam e questionam valores e práticas da cultura dominante da qual fazem parte." Todavia, ao contrário de muitos contemporâneos que tinham um pensamento bem mais político como, por exemplo, Bob Dylan, Joni Mitchell refletia o seu tempo de forma bem mais sutil e reflexiva como mostra Blue. E um dos recursos utilizado foi se valer das suas experiências pessoas.
Depois do sucesso inicial, a cantora resolveu dar uma pausa na carreira e foi viajar pela Europa. Durante essa viagem, a mesma pode escrever várias canções que compõem o álbum e, claro, refletir sobre as suas experiências passadas, especialmente aquelas que envolviam os seus relacionamentos amorosos. E é aqui que entra uma das maneiras que ajudam a cantora ia contra a corrente: até recentemente na história, mulheres eram vistas como seres naturalmente românticos que deveriam se comprometer com apenas um homem para o resto da vida e, principalmente, sofrer por amor. Joni quebra totalmente esse estigma ao contar várias das suas histórias de amor que, por algum motivo, não deram certo. E vai muito mais além: Joni mostra que, ao contrário de um senso comum conservador, mulheres têm muito mais camadas que aquela concebida por muitos anos pela sociedade. Em um dos melhores momentos do álbum, a cantora canta I'm so hard to handle,/ I'm selfish and I'm sad. Tirado do já clássico River que, apesar de ter virado um hino natalino devido a sua ambientação, é uma avassaladora balada sobre um término de um relacionamento bastante doloroso que a mesma precisa encontrar uma forma de escapar dos seus sentimentos, os dois versos mostram a vontade de Joni de estabelecer a si própria como um ser capaz de emoções complexas, profundas e de uma riqueza avassaladora. Para alcançar isso, porém, a cantora passa a anos luz de escrever composições rebuscadas semanticamente. O gigantesco trunfo da composição Joni é saber escrever letras com imagens de uma beleza impressionante, mas sempre se utilizando da simplicidade em sua escrita única.
Uma verdadeira maestra como contadora de história, Joni Mitchell se coloca em Blue como aqueles que transformam as banalidades da vida em poesia. Algo parecido com o que a escritora Clarice Lispetor é para a para a nossa literaturara, mas se utilizando de uma poética bem mais acessível. Escrevendo e produzindo sozinha todas as dez faixas do álbum, a cantora é capaz de narrar a sua viagem Europa com todos os seus detalhes que passam desapercebido pelos simples mortais, os tipos de pessoas que se encontram e a saudade que a gente sente de casa em uma jornada épica sobre auto conhecimento em California:
When you're walking
And the streets are full of strangers
All the news of home you read
Just gives you the blues
Just gives you the blues
Além desses temas, os versos acima também toque sobre o sentimento de não conseguir fazer parte de nenhum lugar, sentimento em ascensão na geração em que o álbum foi lançado e, também, sobre a situação política dos Estados Unidos naquela época. Dá para perceber que a cantora não precisou de muita complexidade para descrever esses sentimentos. E é assim que a cantora constrói todo o seu álbum ao usar o simples para descrever o complexo. O prosaico para querer falar sobre épico. O delicado para revelar o áspero. Em The Last Time I Saw Richard, a cantora faz uma desconcertante e melancólica reflexão sobre o seu primeiro casamento e como a vida pode mudar as nossa concepções sobre o amor ao começar a narrar por um encontro em uma café. Características essas que ajudaram a cantora a se transformar em um verdadeiro mito. Entretanto, esses são apenas alguns dos motivos que transformou Blue em um dos melhores álbuns de todos os tempos.
Conhecida como uma das lendas que impulsionaram e o modularam o folk durante o final dos anos sessenta, Joni entrega curiosamente o seu álbum sonoramente "puro". Logo em seguida, a cantora começou a explorar gêneros diversos como, por exemplo, o jazz e avant-pop. Assim sendo, Blue é um álbum basicamente folk rock/pop que demonstra a grandiosidade do talento de Joni como produtora/instrumentalista. Como dito anteriormente, o álbum é produzido inteiramente pela artista que também toca vários instrumentos ouvidos durante a duração do álbum, ajudando a criar ainda mais a sensação de estarmos ouvindo um trabalho de uma verdadeira mente genial. E não para por aí: Blue não tem o mesmo problema que álbuns do tipo apresentam ao ter uma sonoridade relativamente "massificada", mas, sim, apresenta uma coleção dinâmica e de personalidades completamente diferentes. Cada faixa é uma obra única, dona de seu próprio poder, distinta e de uma grandiosidade sonora impressionante. Transitando entre baladas mais sentimentais, canções com toques animados e atmosferas melancólicas, reflexivas ou despretensiosas, o álbum não é, porém, um tiroteio para todos os lados sem ter um foco. Existe um fio condutor sólido que ajuda o público a navegar entre todas as águas de Blue. O começo do álbum é um ótimo exemplo de como a cantora constrói a história que quer contar com o trabalho: primeiramente, o público é apresentado à Joni Mitchell em toda a sua complexidade de forma falsamente descontraída na empolgante All I Want para em seguida termos uma ideia de como a mesma encara o amor para, por fim, dar um tapa na cara de forma avassaladora com a magistral Little Green que por muitos anos foi acreditada que era sobre um ex-namorado, mas, na verdade, revelou-se que era sobre a filha que Joni precisou colocar para adoção quando muito jovem devido a ter condição de criar a menina. E Blue também marca o começo do fim da forma que a cantora usava a sua voz. E, queridos leitores, Joni estrega uma das melhores performances vocais de todos os tempos em uma das faixa que entra facilmente na lista de melhores da história.
No auge da sua voz que mudaria ao longo dos anos, passando para um timbre mais sensual e grave, Joni Mitchell apresenta em Blue performances de uma força emocional avassaladora e de uma beleza técnica incomparável. Normalmente, a cantora mostra aqui tons altos que combinam perfeitamente com o timbre agudo e melódico. O mais notável é perceber que apesar de agudo, a voz da cantora no álbum está bem longe de ser irritante, pois existe uma beleza rara e pura que transforma cada performance em algo inesquecível. E mais: Joni apresenta uma forma de pronunciar as palavras que parecem que não irão se encaixar dentro da melodia da canção, mas que no final resultam em algo primoroso que dá apenas mais carga emocional para as canções. Acredito que o ápice de todo o que estou falando até agora recai em apenas uma canção: A Case Of You. Em toda a sua glória, Joni relata um relacionamento que nos melancólicos finais momentos de existência, mas ainda gurda um turbilhão de sentimentos. Transformando metáforas que poderiam soar bregas em pura poesia, criando uma instrumentalização que apesar de simples apresenta uma quantidade de nuances impressionante e com uma performance de derreter até mesmo o mais congelado dos corações, Joni entrega uma dos momentos mais inspirados da música na história. Ouvir Blue quase cinquenta anos depois de seu lançamento é comprovar que, apesar de ter sido um marco para uma geração, a canção estava certa ao dizer que "ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais", pois tudo o que é ouvido em Blue ainda ecoa nos dias atuais de alguma forma. E, principalmente, existe algo que transcende o tempo: o talento. E isso é algo que deveria estar no dicionário ilustrado com a foto da Joni Mitchell.
Um comentário:
Quando ouvi esse clássico pela primeira vez fiquei encantado pela beleza poética e pela forma única de canto da Joni. Cada música é um soco no estômago mas é preciso destacar a beleza descomunal de River e little Green que sempre me levam às lágrimas. Apenas perfeito.
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