22 de fevereiro de 2021

Antes Tarde do Que Nunca

Confessions on a Dance Floor
Madonna



Vencedor da enquete para decidir qual álbum seria resenhado, Confessions on a Dance Floor é o tipo de trabalho mais importante que o senso comum pode imaginar. Além de ser um dos maiores sucessos comerciais da década de dois mil, o décimo álbum da carreira da Madonna é um atestado da magnitude do talento e inteligência da cantora mesmo depois de trinta anos sob os holofotes. Também foi o seu maior comeback/reinvenção até hoje, pois, ao contrário de outros lançamentos que substituíram trabalhos de qualidade, Confessions foi a volta por cima depois do imenso tropeço de American Life. E, principalmente, a cantora adicionou um novo cânone ao livro do pop redigido por Madonna, influenciado diretamente nomes como Lady GaGa e Dua Lipa. Entretanto, queridos leitores, caso você não tenha escutado o álbum na sua totalidade é necessário um aviso: Confessions on a Dance Floor não é o hitmaker frenético que as suas canções mais famosas fazem a gente acreditar e, sim, um complexo estudo sobre os mais diversos ramos do pop dos anos setenta e oitenta.

Depois de dar com a cara na porta com o tom politico e repetitivo de American Life, Madonna decidiu não continuar o trabalho com o produtor Mirwais Ahmadzaï para dar espaço a Stuart Price. Essa mudança foi o que salvou o álbum e, principalmente, ajudou a dar a sua personalidade e direção. Para Confessions on a Dance Floor, Madonna queria algo que remetesse aos principais nomes do pop dos anos setenta e da música eletrônica dos anos oitenta. E é por isso que o álbum é um caldeirão de dance-pop, EDM e post-/nu-disco que pega elementos preciosos de sonoridades alternativas e experimentais que tem ligação direta com nomes como, por exemplo, Pet Shop Boys e Depeche Mode. Claro, o próprio começo da cantora também é referenciado aqui e ali, mas, predominante, Confessions on a Dance Floor é a visão moderna de Madonna sobre o pop das décadas referenciadas. E, queridos leitores, acreditem que o resultado é algo tão primoroso que a melhore definição seria dada anos depois por uma outra diva do pop.

“Talented, brilliant, incredible, amazing, show stopping, spectacular, never the same, totally unique, completely not ever been done before, unafraid to reference or not reference, put it in a blender, shit on it, vomit on it, eat it, give birth to it”, disse Lady GaGa em uma entrevista em 2015. Obviamente, a mother monster não se referia a Madonna, mas, sim, ao produtor/roteirista/diretor Ryan Murphy. Todavia, essa união única de elogios pode ser colocada para elogiar Confessions on a Dance Floor na questão da sua sonoridade. Ouvir o álbum completo é uma experiência e tanto para qualquer um que conhece a sonoridade de Madonna superficialmente, pois a produção parece mais interessada em entregar um estudo de caso sobre o pop que uma metralhadora de hits. E, por isso, que o álbum ganha uma força impressionante no instante que o nível artístico que é colocado em casa decisão. Apesar de ter obras primas, Confessions on a Dance Floor é provavelmente o trabalho que deixa Madonna mais perto da perfeição pop ao não querer ser apenas pop. O álbum quer ser como um testamento da cantora em relação ao pop que a moldou e o que ela mesmo moldou. E tudo começa de forma icônica e explosiva.

Hung Up, primeiro single do álbum, é um daqueles trabalhos que uma artista faz apenas uma vez na vida, mas que no caso de um talento da Madonna foi feito algumas vezes. Mesmo assim, o resultado é impressionante, pois consegue unir em apenas uma música a nostalgia de tempos que não vão voltar, a força moderna da produção de Stuart Price, o carisma lendário de Madonna e a atemporalidade reservada apenas para a genialidade. Uma mistura de um refinamento raro de nu-disco com dance-pop com uma instrumentalização complexa, grandiosa e avassaladora. Sem ter medo de dar corpo instrumental para a canção ser robusta sem soar pretenciosa demais, Hung Up é o tipo de canção que desde os primeiros acordes a gente sabe que está diante de algo maior que qualquer expectativa. E, obviamente, o grande toque de gênio é o uso pesado do sample de Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight) do ABBA, sendo a ponte que une dois mundos distantes em uma das melhores canções de todos os tempos. E apesar de ser a canção mais comercial de Confessions on a Dance Floor, Hung Up mostra com clareza monstruosa toda as mil camadas que o álbum vai se desenrolando.

Logo em seguida surge a deliciosa Get Together, o álbum dá uma guinada para uma batida electropop retirada diretamente das pistas de danças comandadas por DJs alternativos que flertam pesadamente com o undergroud e, ao mesmo tempo, com o pop maistream. Em Sorry, voltamos para a batida dance-pop/nu-disco que é coloca em cadencia levemente mais lenta em uma atmosfera climática para dar base as camadas preciosas, grossas e ousadas da produção. Com forte influência do Pet Shop Boys, a canção começa de verdade a imposição do tom confessional que o nome do álbum sugere. Como único trabalho produzido por Mirwais Ahmadzaï a entrar no álbum, Future Lovers é um acerto no instante que faz o álbum dá uma quinada de 180° para chegar em uma batida completamente eletrônica com toques de EDM que soa como uma versão sob os efeitos de ácido de algumas das faixas de Ray of Light. Sem nenhum pingo de medo de se aventurar novamente nesse mundo, Madonna volta as suas atenções para uma sonoridade mais contemplativa do que o pop mais prático que o começo do álbum sugere. Felizmente, existe uma transição suave, fluida e de fácil assimilação que ajuda Confessions on a Dance Floor a ter essa alcunha de ser um estudo de caso em capítulos sobre o pop.

Mesmo continuando apoteótico sonoramente, pois o álbum é dono de um trabalho instrumental substancial, a atmosfera do álbum se torna contemplativa, sendo influenciada pesadamente pelas crenças pessoais da cantora e, como já citada, a sonoridade de Ray of Light. Infelizmente, a forte sensação de já ter ouvido isso antes atrapalha o resultado final de Confessions on a Dance Floor em alguma instancia. Felizmente, a qualidade é tão grande que dá para passar um pano, pois Madonna ainda entrega momentos de pura inspiração. O melhor momento da metade para frente no álbum é a eletrizante Jump, uma syhth-pop/house/pop que se beneficia da sensualidade da Madonna de maneira elegante e refinada. Forbidden Love é uma bela versão de uma balada romântica transmutada em uma peça claramente inspirada pelo Daft Punk com toques de música oriental. Pesadamente influenciada pela cultura judaica e a cabala, Isaac é uma meditativa EDM/house que consegue colocar toda a estranheza da cantora sem soar pretenciosa. Apesar de alcançar um resultado extraordinário, Confessions on a Dance Floor começou a mostrar sinais de uma característica que veio dominando as suas músicas ao longo dos últimos tempos: a qualidade questionável das composições. Longe de ter nenhum momento ruins, algumas das confissões sobre amor, sucesso, fama e perdão quase ficam no nível de “o que?”. Um exemplo disso é a declaração de amor da cantora a cidade de New York em I Love New York que tem essa pérola nos versos que abre a canção: “I don't like cities, but I like New York/ Other places make me feel like a dork”. Felizmente, apenas esse pequeno detalhe aparece como uma mancha no resultado final. Confessions on a Dance Floor é um álbum com uma dezenas de camadas para serem descobertas ao embargar em um dos momentos mais altos da carreira da Rainha do Pop.


Um comentário:

Anônimo disse...

Esse album é maravilhoso mesmo, sempre que pego pra ouvir esqueço de tudo e viajo...

Meu top 3 : Hung Up, Jump, Get Togheter