4 de agosto de 2024

Antes Tarde do Que Nunca

Erotica
Madonna






Apesar de atualmente ser considerado por muitos com um dos grandes álbuns da carreira da Madonna, Erotica ainda ocupa um lugar estranho na discografia da Rainha do Pop. Lançado no período do auge do auge da carreira da cantora depois do estrondoso sucesso de critica e comercial de Like a Prayer, o álbum foi e ainda é meio ofuscado pela imagem da cantora daquele período em que a mesma apertou com toda força o pé no acelerador para se transformar na “Artista Mais Controversa de Todos os Tempos”. E isso meio que atrapalha o legado de Erotica, pois ao analisarmos longe desse véu é possível notar que estamos diante de um dos melhores momentos artísticos na carreira da Madonna. Primeiramente, porém, é necessário fazer uma rápida contextualização sobre o momento que a mesma viveu antes do lançamento do álbum e, também, o que faz o álbum ter seu foco desviado.

Do lançamento em 1989 de Like a Prayer até o lançamento de Erotica em 1992, Madonna teve os anos mais memoráveis em uma carreira de anos memoráveis. Colhendo os frutos do seu grande trunfo, Madonna emplacou o papel de Breathless Mahoney no filme Dick Tracy de Warren Beatty, participando da trilha sonora chamada I'm Breathless. Do álbum foram tirados os singles primeiro lugares da Billboard Hanky Panky e, claro, a genial e histórica Vogue (que merece uma postagem apenas sobre a canção). Outra canção famosa, mas não escrita pela cantora, foi Sooner or Later que deu o Oscar para o lendário compositor Stephen Sondheim. Ela embarcou na lendária turnê Blond Ambition World Tour que é basicamente um dos shows musicais mais importantes para a música de todos os tempos, sendo que a sua gravação ganhou o Grammy de Best Long Form Music Video. No mesmo ano, a cantora lançou o single Justify My Love para divulgar a sua primeira compilação de grandes hits The Immaculate Collection que veio a se tornar outro marco na sua carreira. A canção em si já mostrava traços do que estava por vim. Antes, porém, Madonna lançou o sobre o documentário sobre a sua vida e os bastidores da turnê chamada Madonna: Truth or Dare (conhecido aqui no Brasil como Na Cama com Madonna) e participou do hoje clássico A League of Their Own em gravou o tema This Used to Be My Playground que veio se tornar o seu décimo primeiro lugar na Billboard (e que na minha opinião deveria ter sido indicada ao Oscar naquele ano). Com essa sucessão de trunfos, Madonna começou a preparar o que preparar o seu quinto álbum.

Como já apontado anteriormente, a canção marcou uma mudança significativa na sonoridade da cantora que já tinha começado a ser mostrada em Like PrayerErotica (canção e álbum) é uma incrível e atemporal mistura de pop, dance-pop, hip hop e eletrônica com influencia de sons do oriente médio que soa completamente diferente da sonoridade que a gente tem em mente para o pop comercial dos anos oitenta e, claro, da Madonna. É só comparar, por exemplo, a canção com Cherish ou Open Your Heart, lançadas alguns anos antes. É uma diferença gritante entre não apenas os estilos, mas a construção e atmosferas das canções. Em Erotica, o tom é, claro, bem mais sexual, mas também sombrio, maduro e complexo. E, queridos leitores, se em 2024 a gente continua a se espantar pela grandiosidade rítmica da canção isso deve ter sido explosivo quando foi lançada para aqueles que passaram a polemica envolta. A canção é tão a frente do seu tempo que poderia facilmente ter sido lançada atualmente para encontrar a mesma aprovação da crítica e do público. Sucesso comercial? Acho difícil, pois o desempenho da canção na época é fortemente ligado ao fato de ser um primeiro single da Madonna e devido ao hype prévio que a mesma tinha devido a sucessão de sucessos. Outro fator que a atmosfera das controvérsias ajudou a criar é que, tirando o single, as outras canções do álbum meio que passam desapercebida para quem não é fã da cantora e/ou entusiasta/crítico de música. E, infelizmente, eu tenho que admitir que estava nessa categoria de conhecer melhor o álbum.

Ao ouvir todo o trabalho, a impressão é o tamanho da ousadia da Madonna em seguir para esse caminho, pois é fácil notar que essa sonoridade escolhida ainda não tinha sido introduzida com sucesso dentro do mainstream. Havia artistas fazendo coisas parecida e até mais experimentais, mas não havia ninguém no mesmo nível que a Madonna. E isso fica ainda mais claro em outro momento importante do álbum em Deeper and Deeper. Um pouco menos ousada que a canção que dá nome ao trabalho, o também single é magnética e madura mistura de dance-pop com deep house que incorpora elemento latinos em algumas passagens que tem o seu momento de puro brilhantismo a frente do seu tempo ao samplear Vogue na sua parte final. O ato de samplear já não era exatamente novidade na época, apesar de ser algo pouquíssimo usado, e ainda mais usar uma própria canção dá para Deeper and Deeper uma profundidade ainda maior. E essa vontade de fazer algo completamente seu é o impulsiona o a regravação do clássico Fever em que a transforma em uma sensual e dançante house/deep house em que a sua composição ganha novos contornos ao se alinhar com a temática do álbum. Liricamente, o álbum ainda não é o melhor da cantora com as canções de sua autoria, mas é visível que o amadurecimento da sua escrita. E isso é visto na sensacional balada Rain.

Sonoramente, a canção é mais “tradicional” de Erotica ao ser uma power balada pop/synth-pop/R&B com uma atmosfera solar e pomposa. Um trabalho incrível que apesar de destoar do resto do álbum se mostra como um dos seus melhores momentos. E um dos motivos é a sua ótima composição da faixa. A primeira vista, Rain é sobre lavar a dor e as magoas de relacionamentos passados para dar espaço para um novo amor quando a mesma entoar no seu lindo refrão que diz “Rain, wash away my sorrow/Take away my pain/Your love's coming down like rain”. Entretanto, a canção também pode ser uma metáfora para o prazer feminino e sobre a descoberta do prazer. E o mais incrível é que ambas funcionam lindamente, pois a direta e polida composição é fácil ter essa capacidade única. E é importante notar que o álbum também é encontro final da habilidade vocal da cantora que consegue aqui descobrir perfeitamente como trabalhar o seu timbre para dar vida para qualquer canção, transitando entre vários estilos sempre encontrando o equilíbrio certo para cada canção. Acredito que é nesse momento que a sua voz encontrou a “aparência” que é mais familiar com a sua persona. Outros momentos importantes do álbum ficam por conta da batida envolvente de trip hop, pop, new jacck swing de Where Life Begins, a jazz fusion/trip hop Waiting e, por fim, Thief of Hearts que tem a alcunha de ser a primeira a utilizar a palavra “bitch”. Não acredito que Erotica tenha sido esquecida, mas, sim deixada de lado para dar a espaço para momentos bem maiores da carreira da Madonna. E isso é algo bastante ruim, pois o álbum é um dos melhores momentos da sua carreira e um marco definitivo para o pop. No próximo Antes Tarde do Que Nunca é chegada a hora de falarmos sobre o momento que a Madonna alcança o seu nirvana musical em um dos álbuns mais incríveis da sua carreira.


Nenhum comentário: