1 de maio de 2024

Antes Tarde do Que Nunca

Like a Prayer
Madonna





Em 21 de Março de 1989, Madonna lançou o seu último álbum da década de oitenta depois de cerca de seis anos de carreira em que se transformou em um dos maiores nomes daquela época da indústria fonográfica. Todavia, Like a Prayer, o seu quarto álbum, não veio para apenas continuar a sua dominância comercial ou estabelecer ainda mais a sua imagem, mas o que houve na verdade foi a sua elevação triunfal, épica e definitiva para o panteão que apenas um titulo seria capaz de descrever: Rainha do Pop. E esse momento que irei tentar analisar nessa resenha, mas antes é necessário contextualizar em qual estado estava a carreira da cantora e entender o motivo que o álbum anterior (True Blue) foi um trabalho importante de transição.

Depois de lançar Like a Virgin, Madonna foi catapultada com todo força para o estrelato e a exposição de uma mega star. E isso a cantora aproveitou e sofreu de todas as maneiras possíveis. Durante esses cinco anos até o lançamento do de Like a Prayer foram duas turnês que hoje são consideras lendárias para a música: The Virgin Tour em 1985 e Who's That Girl World Tour em 1987. Foram dois álbuns “especiais”: o de remixes You Can Dance e a trilha sonora/compilação para o filme Who's That Girl. Todos os projetos foram sucessos imensos, mas a cantora também enfrentou os primeiros flops e todos na área da atuação, especialmente o que dá nome a turnê e ao álbum: Quem é Essa Garota? de 1987. O filme foi a segunda oportunidade fracassada como atriz da Madonna como protagonista, pois em 1986 foi lançado o outro fracasso Surpresa de Shanghai que estrelou ao lado do então marido Seann Penn. E isso foi agravado devido ao fato que a mesma teve a sua primeira chance no sucesso de critica e público em Procura-se Susan Desesperadamente em co-estrelou ao lado de Rosanna Arquette. Além disso, a vida pessoal foi extremamente exposta devido principalmente o seu casamento com o citado Penn. Não irei entrar em detalhes, mas o polemico relacionamento terminou com Madonna divorciando do ator devido a agressões sofridas e outros problemas. É necessário saber dessa parte pois existem reflexos pesados disso no álbum de 1989. No meio de tudo isso, a cantora ainda lançou True Blue.

Em 19 de fevereiro de 2023 publiquei a minha resenha sobre True Blue: “lançado em 1986, o terceiro álbum da Rainha do Pop está literalmente situado entre o momento do seu estouro inicial com os sucessos monumental de Like a Virgin de 1984 para a sua consolidação do panteão com o lendário Like a Prayer de 1989. Apesar de ter um sido imenso sucesso na época e ainda conter canções clássicas da discografia da cantora, True Blue tem claras características de ser o álbum que possibilitou a Madonna se torna a maior força feminina do pop de todos os tempos. Em primeiro lugar, a sonoridade do álbum parece ser a mistura do pop mais despretensioso de singles como Holiday e Material Girl e para a significação estética e lírica de singles como Like a Prayer e Express Yourself”. Como esse marco de transição que na época foi a solidificação sonora e amadurecimento da estético da Madonna é que realmente começa a história de uma das suas magnum opus.

Obviamente, Madonna já tinha total controle da sua carreira e de como seria os próximos passos e, por isso, a mesma decidiu mudar o foco para Like a Prayer. E a principal foi a decisão de se mostrar mais madura ao revelar um lado mais sombrio, espiritual e pessoal da sua vida, refletindo suas experiências recentes e mais antigas. Além disso, a cantora resolveu a voltar a trabalhar Stephen Bray e Patrick Leonard que tinham produzido True Blue. Dos produtores, a decisão foi elaborar e refinar a sonoridade da cantora ao explorar novas sonoridades e aprofundar o que tinha já sido mostrado. E é que começa a importância de Like a Prayer. Até o momento, a sonoridade da cantora era única devido ao fato dela ser única, mas a sua base era basicamente o que está sendo feito no pop daquela década com as explorações de synth-pop/dance-pop. É claro que hoje em dia ao olharmos com cuidado é possível sentir a influencia clara da Madonna nos anos iniciais sob o resto da sonoridade pop da década, mas na época era mais complicado devido a mesma estar mergulhada dentro desse momento de transformação e evolução do pop. Todavia, tudo mudou completamente com o que foi feito em Like a Prayer, pois Madonna e sua equipe decidiram explorar as possibilidades da sonoridade da cantora ao abrir novos horizontes.

Acredito que essa seja a principal palavra para começar a entender a importância do álbum é experimentação. Diferente dos trabalhos anteriores que seguia uma linha direta de pensamento criativo, Like a Prayer é uma jornada entre o conhecido misturado com o novo para a Madonna. Não é exatamente algo que se aprofunda nas catacumbas do undergroud ou que tenha o mesmo peso inovador de um trabalho da Kate Bush na época, mas é tão poderoso e que começou uma nova era para a carreira da Madonna que irei discutir melhor nas próximas resenhas. O fato importante aqui é entender que o álbum é o ponto que a Madonna sai de ser apenas uma grande pop star para ser uma grande artista. E a pergunta que não cala: qual é essa experimentação?

Like a Prayer é adornado e injetado por doses de estilos e gêneros que até então não tinham sido usadas tão intensamente na sonoridade da cantora ou que nem tinham passado perto. Se fosse definir mais exatamente qual é a sonoridade do álbum seria art pop/dance-pop/pop rock que vai sendo misturado com R&B, soul, gospel, contemporâneo, funk e, claro, synth-pop. Essa mistura é apresentada de uma maneira que não apenas faz a sonoridade da cantora se aprofundar e amadurecer, mas, também e principalmente, a transformar em algo grandioso e épico. Essa sensação é tão presente em cada momento que chega a ser quase impossível de não ficar maravilhado em toda a força criativa que foi colocada para a construção do álbum. E é aqui que podemos ouvir a Madonna que não segue tendência, mas, sim, as criam para quem os outros possam copiar sonoramente. E tudo isso começa com que considero a maior canção pop de todos os tempos.

Na verdade, Like a Prayer pode ser considerada uma das maiores canções de todos os tempos em qualquer gênero e ponto final. Existem vários motivos para o primeiro single do álbum ser tão importante, mas há um caminho que preciso tomar já que o considero o mais importante: a sua grandiosidade sonora. A canção é uma das maiores mudanças rítmicas que a carreira da Madonna teve na sua história. Um ano de lançar a canção, a Madonna tinha lançado como single Spotlight para promover o álbum de remixes You Can Dance. Rejeita para integrar True Blue, a canção é uma inofensiva, segura, divertida e dançante dance-pop/ synth-pop com leves toques de música latina. Meio que esquecida na discografia da cantora e sem ter feito sucesso comercial, a canção é o que podemos chamar de calma antes da tempestade. A sua diferença primal com o que seria o próximo single é tão grande que nem parecem serem da mesma artista.

Logo nos primeiros segundos da canção escutamos um solo denso e enigmático de guitarra que termina abruptamente em um estampido. Então, um suave órgão surge para adornar a doce voz da Madonna acompanhada de um coro gospel. O primeiro verso é cantado como uma oração/clamor para depois estoura em um refrão gigantesco, criando uma dualidade texturizada entre os dois momentos que apenas aumenta a sensação de estarmos ouvido algo completamente único e de uma imensidade sonora fora do normal. A imensidão sonora da canção é algo que até aquele momento não tinha sido ouvido na sonoridade da cantora. E isso é devido a essa exploração da produção ao buscar novos horizontes ao misturar gospel, pop, funk, dance e rock. Existe uma clara busca em não apenas refinar, mas, também, diferenciar o atual momento da cantora em relação ao que já tinha feito e o que outros estavam fazendo. Acredito que aqui é o momento que a cantora entende todo o seu potencial em plenitude que a fez realizar que hora de mostrar toda a sua força artística, indo de apenas uma cantora pop de imenso para A cantora pop. Preciso apontar outro motivo que faz a Madonna tão impar e que aqui encontra o seu apogeu: a sua voz. Na verdade, o truque que a mesma dá na sua voz.

Todos sabem que a Madonna nunca foi dona de uma voz potente, especialmente comparada com nomes importantes da época como Whitney e Mariah. Sempre teve uma voz sólida e um timbre facilmente reconhecido, mas potencia é algo que não podemos associar exatamente com ela. Todavia, o que é feito na produção sonora é disfarçar perfeitamente essa característica ao criar uma atmosfera que maquiam ao saber usar o seu timbre e modulações para disfarçar de maneira a gente perceber que a mesma carrega só no gogo. Ao ter diferentes níveis de tom em Like a Prayer é o exemplo perfeito, pois dá essa impressão que a Madonna carrega plenamente a canção. E o coral gospel não ofusca e, sim, eleva essa técnica. Se a canção fosse o único marco do álbum, Madonna já entraria para a história, mas o álbum logo em seguida continua o brilhantismo com a extraordinária Express Yourself.

A canção marca a volta da cantora para o pop dançante, mas de uma maneira totalmente repaginada. O dance-pop aqui é injetado com uma dose cavalar e espetacular de funk e soul que enriquece a batida de maneira a canção se tornar tão marcante, pungente e completamente atemporal. A canção também demonstra a evolução lírica da cantora. Apesar de continuar a ser controversa ao tratar de assuntos polêmicos de maneira bem honesta, mesmo usando metáforas e deixando certas coisas nas entrelinhas, Madonna mostra um claro amadurecimento técnico e criativo ao ser capaz de continuar entregar letras com a sua personalidade com maior apuro e profundidade. Aqui, por exemplo, a canção trata sobre empoderamento feminino muito antes desse tema virar pauta. É interessante notar que a composição aqui vai de encontro com a de Material Girl, sendo duas faces da mesma moeda. E é claro que não dá para falar dessa era sem nem ao menos citar a construção da imagem da cantora que encontra aqui o seu auge, especialmente devido aos clipes históricos das duas canções já citadas e a histórica turnê Blond Ambition World Tour em 1990. Irei focar apenas no álbum, pois se fosse falar mais detalhadamente sobre esses tópicos iria fazer quase uma tese.

Mesmo sem alcançar os mesmos parâmetros das duas canções que iniciam o trabalho, Like a Prayer continua a entregar momentos inesquecíveis que continuam a mostram o motivo para o mesmo ser tão importante. Em Oh Father, a cantora entrega uma emocionante crônica/desabafo sobre o seu relacionamento complicado com o seu pai. Uma das letras mais intimas e tocante de todo o álbum, a faixa não apenas aponta duas dores, mas também faz a Madonna refletir sobre o motivo de como seu a tratava. E isso é visto em um dos versos mais tocantes da canção:

Maybe someday
When I look back, I'll be able to say
You didn't mean to be cruel
Somebody hurt you too

Sonoramente, a canção é uma balada intimista, mas carregada força e sentimentalismo, que transita em o pop, art/baroque pop e o pop rock, criando uma atmosfera completamente única. Spanish Eyes, ou Pray for Spanish Eyes, é uma balada pop com influencia de música latina e pop rock que traz a sonoridade para um patamar menos experimental para algo mais direto. O que a faz ser um imenso destaque é a sua devastadora composição que a cantora expressa seu luto, revolta e tristeza pelas vidas daqueles que morreram pela epidemia de AIDS nos anos oitenta. É um tributo e ao mesmo tempo uma carta de amor a comunidade queer já que a cantora sempre foi um dos mais importantes defensora. Sem contar nas pessoas em volta da cantora que morreram na época. Madonna reflete em Till Death Do Us Part sobre o seu relacionamento com Sean Penn. Apesar de ter uma batida synth-pop que facilmente poderia ser dançante, a canção é adicionada uma vibe que mistura pop rock, eletro-funk e dance que a deixa completamente distinta do que poderia ser esperado para uma canção que trata de assunto tão pessoal. Possivelmente, a canção que mais ousa ritmicamente é a faixa Dear Jessie em que somos convidados a entrar em viagem psicodélica que mistura canção de ninar, conto de fadas e baroque pop. É estranha, mas funciona quando a gente entende todo o contexto do álbum. Existem uma mudança na batida no meio da canção que faz a canção ainda mais esquisita e realmente cativante. Embarcando de vez na influência funk aparece a divertidíssima Keep It Together que tem também toques de soul, R&B e, claro, pop. A canção mais Madonna do começo da careira aqui é a delicinha atemporal Cherish que fica claro a evolução da cantora ao se mostrar uma canção synth-pop refinadíssima. É bom apontar que o álbum contem a única parceria da Madonna com o Prince em Love Song, mas infelizmente a canção é a mais fraca do álbum devido ao fato que alto não parece se encaixar perfeitamente no final. E mesmo assim é um momento realmente interessante. Escutar Like a Prayer é presenciar o registro histórico de uma das maiores artistas em toda a sua gloria, magnitude e genialidade que continua a influenciar toda a cultura pop até hoje depois de trinta e cinco anos do seu lançamento. Na próxima resenha irei começar a falar da nova era da Madonna: os anos noventa. E o primeiro álbum é aquele que fez a Madonna ser tornar a “pessoa mais controversa do mundo”.




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