19 de fevereiro de 2023

Antes Tarde do Que Nunca

True Blue
Madonna




Para quem acompanha o blog sabe que já usei algumas vezes a expressão “álbum de transição”. Esse tipo de trabalho é quando um artista entrega um álbum que em retrospectiva se mostra o ponto de passagem entre uma fase na carreira para outra fase que, normalmente, se torna a sua consagração. E, na minha opinião, um dos maiores e mais importante álbuns de transição da história do pop é True Blue da Madonna.

Lançado em 1986, o terceiro álbum da Rainha do Pop está literalmente situado entre o momento do seu estouro inicial com os sucessos monumental de Like a Virgin de 1984 para a sua consolidação do panteão com o lendário Like a Prayer de 1989. Apesar de ter um sido imenso sucesso na época e ainda conter canções clássicas da discografia da cantora, True Blue tem claras características de ser o álbum que possibilitou a Madonna se torna a maior força feminina do pop de todos os tempos. Em primeiro lugar, a sonoridade do álbum parece ser a mistura do pop mais despretensioso de singles como Holiday e Material Girl e para a significação estética e lírica de singles como Like a Prayer e Express Yourself. E isso tudo tem o seu ápice em uma das minhas canções favoritas da cantora: Papa Don't Preach.

A canção que foi lançada como segundo single e se tornou sucesso quase imediato alcançando o primeiro lugar da Billboard. A canção e o vídeo narra a história de uma jovem que se descobre gravida e que revela ao seu pai que irá continuar a gravidez, pedindo a sua compressão e carinho nesse momento. A grande virada da canção para a carreira de Madonna e que a mesma não gerou uma polêmica apenas de um lado, mas, sim, gerou uma discussão sobre direitos reprodutivos das mulheres. De um lado, parte da sociedade mais conservadora que viu a canção como uma boa influência contra o aborto. Do outro, a parte mais liberal apontando que a canção poderia ajudar a atrapalhar a luta por direitos contraceptivos das mulheres. E teve até aqueles que falaram que a música iria fomentar a gravidez na adolescência. Dessa maneira, uma das principais razões do sucesso da cantora estava criada: a sua forma de se introduzir na sociedade que vai além do seu envolvimento com a música. Na minha opinião, Papa Don't Preach é, na verdade, sobre o direito de escolher de uma mulher e a importância dessa decisão na sua vida. Aqui, a narradora escolha continuar a sua gravidez, sabendo das consequências dessa escolha. Não afirma que isso ou aquilo é certo ou errado, mas, sim, que o poder deveria recair sobre e apenas na mulher. E isso foi na pratica o começo da trajetória da Madonna como ícone feminista. Entretanto, True Blue não se destaca pela mudança lírica, mas também pela clara evolução sonora da cantora.

Para começar, o álbum foi o primeiro que a Madonna assinou a produção de todas as faixas ao lado de Patrick Leonard e Stephen Bray, criando uma maior liberdade e comando sobre a sua carreira. E o resultado é um amadurecimento bastante claro, mesmo que ainda tenha momentos que ainda soem como os trabalhos anteriores. A principal adição na sonoridade foi uma orquestração dos instrumentais das canções aliado a adição de influencias de canções latinas, guitarras acústicas, sintetizadores e uma acentuada adição de instrumentos de percussão. Isso foi capaz de dar uma solidez que os outros trabalhos da cantora não tinha perfeitamente até aquele momento sem fazer a mesma perder o apelo pop que tinha construído. E um ótimo exemplo disso é que o álbum tem uma das melhores baladas da carreira da Madonna: Live to Tell. Tema do filme Caminhos Violentos estrelado pelo então namorado da cantora Sean Penn, a canção é uma linda, madura e tocante balada romântica classuda que infelizmente não se fazem mais atualmente. Entretanto, outro momento que é preciso apontar como uma das canções que ajudou a Madonna a realmente evoluir é a espetacular Open Your Heart.

Originalmente pensada para a Cyndi Lauper, Open Your Heart é um dance-pop que tem todas as características do gênero na época ao mesmo tempo que dava as pistas para o futuro do pop e, principalmente, a carreira da Madonna. Sonoramente, a canção ainda parece com trabalhos anteriores, mas incrementado pela incorporação de uma instrumentação orquestral e uma profundidade rítmica. Entretanto, o momento mais importante é o seu clipe que continuo o amadurecimento estético da cantora, especialmente no uso das suas referências pop. Utilizando referencias de nomes das atrizes Liza Minnelli, Marlene Dietrich e Rita Hayworth e dos diretores Bob Fosse e Federico Fellini, Madonna “interpreta” uma dançarina exótica em um palco inspirado no expressionismo alemão. Icônico, atemporal e polêmico, o clipe Open Your Heart é um dos catalizadores da transformação da até então sensação pop para uma artista de verdade e com uma visão única. Outro grande e lendário momento é La Isla Bonita. Pesadamente influenciada pela música latina, a canção não está tão conecta em questão de sonoridade com o resto do álbum, mas, devido a sua produção icônica e a sua atmosfera exuberante, a canção se parece com um experimento para Madonna expandir seus horizontes e público na época. Assim também soa a fofa True Blue em que tem sentida inspiração em doo-wop dos anos sessenta que dá para a cantora um ar de “menina comportada e apaixonada” que combina bem devido ao fator camaleônico que a mesma começou a explorar nessa época. Nem todas as faixas do álbum funciona perfeitamente, pois terminam como sendo fillers bem intencionados apenas. Entretanto, True Blue tem um lugar importante na história do pop e que sem a sua realização não teríamos a Madonna como Rainha do Pop.


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