Laufey
Terceiro álbum da carreira da islandesa Laufey, A Matter of Time é um atestado da capacidade da música de ser atemporal quando está nas mãos corretas. Entretanto, o trabalho é também um atestado da evolução da artista, que aqui entrega seu álbum mais maduro, sabendo dosar o que a fez estourar com injeções experimentais.
Apesar de continuar com uma sonoridade embebida no reino do pop tradicional, jazz, bossa nova e big band, a cantora começa também a adicionar novas camadas sonoras ao flertar delicadamente, mas substancialmente, com gêneros como indie pop, folk e chamber pop. E isso se deve especialmente ao trabalho de coprodução de Aaron Dessner, que traz essa ousadia ao álbum. Entretanto, essas novas camadas não mudam a essência básica da sonoridade que fez a cantora se tornar uma sensação, mas, sim, a incrementam consideravelmente, dando a A Matter of Time a clara sensação de evolução sonora que é natural, fluida e madura.
O single Tough Luck “deixa de lado o jazz para mergulhar em uma cativante, sólida e criativa mistura de chamber pop e pop rock, que consegue dar uma nova cara à cantora sem que ela perca sua essência”. E basicamente é assim todo o álbum, pois uma das maiores qualidades do trabalho é manter o nível praticamente igual em todas as faixas, aliando-se a uma coesão sublime que cria o tipo de obra que a gente ouve do começo ao fim, várias e várias vezes, sem pular nenhuma faixa. Isso também pode ser atribuído à sensacional capacidade lírica de Laufey.
Escrevendo todo o álbum ao lado de Spencer Stewart ou sozinha, a artista deixa novamente clara sua especial e deslumbrante capacidade de criar letras que são diretas e simples, mas com um verniz brilhante que mistura emoção, acidez, humor, sensibilidade, melancolia, felicidade e amadurecimento. É preciso apontar que algumas canções poderiam ter mais um verso para explorar plenamente suas temáticas e as sempre firmes construções já presentes, o que daria ainda mais profundidade aos trabalhos. Todavia, esse “problema” não afeta de verdade o álbum, especialmente quando entrega momentos como a magistral Snow White.
Falando sobre seus problemas de autoestima ao lidar com o peso da sociedade em relação à imagem das mulheres, Laufey entrega uma das composições mais emocionantes de sua carreira sem em nenhum momento recorrer ao sentimentalismo barato ou coisa parecida. Em um dos versos mais devastadores, a cantora declama no começo do refrão: “They try to tell me, tell me I'm wrong / But mirrors tell lies to me, my mind just plays along”. E a entrega vocal da cantora é algo extraordinário, pois dá para sentir toda a tristeza em sua voz e uma “vontade” de explodir, mas ela se segura de maneira impressionante, entregando uma performance contida e de uma melancolia tocante. Todavia, a artista encontra seu ápice vocal e performático na impressionante Too Little, Too Late. Juntando a devastadora composição sobre descobrir que o amor da sua vida seguiu em frente com outra pessoa e a produção controladamente grandiosa, a faixa se torna o grande momento do álbum, em que todos os elementos culminam de maneira praticamente perfeita.
Outros momentos inspirados do álbum ficam por conta de Silver Lining, que, sendo “um pop tradicional infundido de jazz, não entrega nada de novo na sonoridade da cantora, mas mostra a contínua refinação do seu estilo, que consegue ter elementos vintage sem soar datado e, ao mesmo tempo, soar contemporâneo sem perder esse toque bem-vindo de nostalgia”; da ousadia sonora e controlada de Sabotage; da descontração romântica de Clockwork; e da melodia mais pop da balada A Cautionary Tale.
A Matter of Time termina como o trabalho mais maduro da carreira de Laufey, que apenas está no começo de sua trajetória. E isso é algo que poucas podem dizer, especialmente alguém que poderia facilmente ter ficado presa a uma cartilha pré-fabricada.


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