When I Get Home
Solange
Três anos atrás, Solange decidiu pegar para si as rédeas da sua carreira ao lançar o incrível A Seat at the Table, mostrando-se um grito de liberdade artística e de empoderamento feminino. Sem nenhuma amarra a restringindo mais, a cantora lança When I Get Home com a vontade de explorar a sua própria sonoridade. O resultado não é um passeio no parque para uma parte do público, mas para aqueles que estão dispostos a entrar nessa jornada irão se maravilhar com uma verdadeira joia rara musical.
A primeira coisa que quem for ouvir When I Get Home pela primeira vez e que ainda tem em mente o álbum anterior é que todas as expectativas serão quebradas em pouco tempo. Não que Solange tenha decidido fazer um álbum de rock pesado, mas a direção sonora aqui é bem diferente do que R&B contemporâneo que era a base antes. Mesmo salpicando o gênero em vários momentos, a produção constrói um alicerce completamente experimental para a sonoridade do álbum. Desafiando e testando os limites que estabeleceu previamente, Solange parece bem mais disposta em criar sem se preocupar se as canções irão ter algum apelo fácil com o público. Se o álbum anterior tinha uma coesão enorme, mas que havia várias faixas que funcionavam plenamente fora do contexto do álbum, When I Get Home tem uma estrutura estritamente dependente do contexto geral, isto é, o álbum é o tipo que precisa ser ouvido como um todo para que possa se ter uma noção exata da sua sonoridade. Não é exatamente um álbum conceitual ou mesmo que tenha uma continuidade tão restrita que parece que o mesmo tenha apenas uma grande música dividida em faixas diferentes. O álbum é, na verdade, um grande campo de experimentações sonoras que ao ser colocado juntos soam bem melhor do que sozinhas. Provavelmente, parte dessa impressão é devido ao fato que a artista tenha incluído várias faixas interludes e outras com durações bem abaixo da média. Todavia, essa impressão é principalmente vindo do time escolhido como produtores.
Apesar de trabalhar com alguns nomes que contribuíram no álbum anterior, o time em When I Get Home é menor e foca primordialmente em nomes que tenham longa experiência na produção experimental de vários gêneros diferentes. Co-produzindo ao lado de alguns nomes "fixos" todas as faixas, Solange conta com a colaboração de expoentes conhecidos e desconhecidos como a banda de jazz experimental Standing on the Corner, o DJ Metro Boomin, os rappers Earl Sweatshirt e Tyler, the Creator, o músico Panda Bear e, claro, o onipresente Pharrell. Com esse time e a sensação clara que a cantora está no comando final, When I Get Home vai construindo sonoramente uma teia complexa, refinada, ousada e, por algumas vezes, genial de pequenos núcleos de música que são imediatamente costurados ao próximo que, por sua vez, é costurado ao seguinte e assim por diante. Enquanto isso, a presença dos nomes citados vai trabalhando como os coloristas dessa teia ao adicionar nuances, texturas e, claro, cores ao trabalho ao navegarem por diversos caminhos de gêneros e estilos. O R&B é o cento de tudo, mas o álbum flerta fortemente com o neo soul, hip hop, trip hop, jazz, funk, eletrônico e indie pop. Essa miscelânea pode até soar um pouco difícil de ser conduzida sem perder o foco, mas, felizmente, a dinâmica e experiência dos nomes envolvidos não faz o barco virar em nenhum momento. Digo e repito: When I Get Home não é um álbum para ouvintes casuais ou para aqueles que querem algo mais popular. E, por isso, o álbum pode gerar um sensação de decepção para aqueles que procurar algo mais definido. Todavia, para aqueles que querem "sentir" a música, Solange entrega um trabalho realmente empolgante. E é sobre "sentir" que a cantora decidiu falar dessa vez.
A Seat at the Table era, como explicado antes, sobre Solange expressar os seus sentimentos sobre a atual situação das coisas ao seu redor, evocando o empoderamento da mulher negra como base principal. Com a sua mensagem espalhada ao setes ventos, a cantora decidiu em When I Get Home se voltar para o seu intimo e deixar o mundo saber sobre como se sente. Logo na primeira faixa já dá para perceber que o álbum é uma pequena viagem nos sentimentos mais internos da cantora: "I saw things I imagined" (eu vi coisas que imaginei) funciona como um mantra em Things I Imagined. Então, o público é convidado a partir daí a entrar na mente de Solange em que é possível visualizar o que a mesma pensa sobre amor, paixão, passagem do tempo, desejo e ambição. Não espere, porém, que tudo isso será entregue de bandeja, pois, assim como a sonoridade, as composições em When I Get Home são trabalhos experimentais que, por várias vezes, beiram o minimalismo lírico e uma coleção de "resmungos" com frágeis fios condutores. Preciso admitir que isso é um ponto que realmente deixa a experiência de ouvir o trabalho um pouco menos impactante caso tivesse composições com uma estrutura tradicional. Passando esse problema, ao analisar com mais calma é fácil notar a qualidade impressionante de compositora de Solange que consegue expressar muito com tal pouco. Apesar de ser uma unidade como explica, o álbum tem alguns momentos de destaque que valem a pena ser mencionados: a batida indie/jazz/ R&B da elegante Down with the Clique, Stay Flo e a sua batida descoladamente dançante, a delicada e profunda Dreams, Almeda com a presença do rapper Playboi Carti e a sua produção que a transforma em uma edificante indie hip hop, a etérea Time (Is) e, por fim, a ousada e inusitada My Skin My Logo com a presença do rapper Gucci Mane. O lançamento de When I Get Home é um outro marco na carreira da Solange, confirmando com nenhum sombra de dúvida que a cantora é uma verdadeira força que deve ser respeitada como uma das melhores artistas da atualidade.
Um comentário:
Adoro. Fui sedento na espera de um a seat at the table 2.0 e quebrei a cara. Confesso que ainda estou digerindo o álbum que me agradou, mas não de maneira avassaladora de uma primeira audição como no álbum anterior. É um disco a ser descoberto. Salve, Solange.
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