26 de maio de 2019

Antes Tarde do Que Nunca - Grandes Álbuns Esquecidos

Impossible Princess
Kylie Minogue


O obrigatório álbum experimental da Kylie Minogue é muito mais que o resultado de uma crise existencial ou/e iluminação criativa e, sim, uma confirmação inegável da genialidade de uma das maiores divas pop da história.


Existe uma quase constância na careira de qualquer diva pop dizendo que em algum momento na sua carreira será lançado um álbum que deverá levar a alcunha de experimental por algum motivo. Nomes como Madonna (Ray of Light), Cher (not.com.mercial), Mariah Carey (Daydream), Beyoncé (Lemonade), Rihanna (Anti), Christinha Aguilera (Bionic), Britney Spears (Britney Jean), Barbra Streisand (Guilty), Lady GaGa (Joanne) e outros mais que não lembro agora. Apesar de diferentes estilos, gêneros e épocas, os trabalhos tem em comum as motivações que trazem por trás, transitando entre a necessidade de fazer uma reinvenção/renascimento da carreira, o resultado de uma inquietação pessoal e/ou profissional, o desejo de se provar como uma verdadeira artista e, muitas das vezes, todos esses motivos ao mesmo tempo. Claro, como vocês podem perceber pela lista, os resultados obtidos comercialmente e artisticamente foram completamente diferentes um do outro, mas, de alguma forma, o álbum citado para cada uma é um marco importante em suas carreiras. E assim como todas citadas, a Kylie Minogue entregou o seu álbum experimental no final da década de noventa com o lançamento do extraordinário Impossible Princess.

Quando lançou Impossible PrincessKylie Minogue estava prestes a fazer trinta anos de idade e já tinha quase dez de carreira musical, cinco álbuns lançados, grandes sucessos e alguns fracassos e, principalmente, já tinha estabelecido a sua imagem como uma das grandes divas da música pop dos anos noventa na Austrália e Europa. Na época, Kylie já tinha passado pelo famoso e tradicional período de amadurecimento em frentes as câmeras que toda estrela que começa muito jovem passa de forma exemplar. Entretanto, o período de dois anos de gestação do álbum foi o resultado de uma verdadeira revolução na vida artista e pessoal de Kylie que começou mais ou menos quando a mesma participou em 1995 da canção clássica Where the Wild Roses Grow do roqueiro Nick Cave. A canção era uma mudança considerável para a então novata, pois o trabalho era um indie rock sombrio e bem mais complexo liricamente que as canções que a cantora estava acostumada a entoar. Além disso, um anos antes, o lançamento do seu quarto álbum (intitulado apenas Kylie Minogue) mostrava certa mudança ao mostrar a sonoridade da cantora flertando com gêneros como house, jazz e new wave sem sair, porém, do campo do bom e velho pop. Isso mudaria completamente em 1997 com o lançamento de Impossible Princes. E a primeira mudança foi que a cantora assumiu parcialmente o controle criativo do álbum.

Ao contrario da maioria dos trabalhos anteriores, Kylie escreveu todas as canção, sendo que apenas uma com co-autoria. Primeiramente, para uma cantora pop assumir as rédeas de um álbum dessa maneira ainda é algo raro. Em segundo, a cantora partiu para um caminho totalmente pessoal, intimo e, a maioria das vezes, completamente não comercial. Impossible Princess é recheado com composições líricas relativamente simples, mas que possuem uma profundidade bem maior que o esperado para um álbum pop. Devido a isso, o álbum se tornar uma experiência única que a artista nos leva para um passeio dentro da sua mente. O público é, na verdade, empurrada em uma jornada nos pensamentos de uma jovem em eferverscência que não quer revolucionar o mundo, mas, sim, apenas ser ouvida e compreendida. 

Transitando entre o estranho, o confessional, o grandioso, o intimista e o inquietante, Impossible Princess é uma coleção primorosa de crônicas de um ser humano que estava na procura de um olhar sobre sim que fosse além do verniz de grande diva. Completamente livre de amarras da gravadora, Kylie não tem nenhum medo de falar abertamente sobre assuntos que normalmente não entram na pauta do pop como, por exemplo, depressão, busca de auto conhecimento, contemplação do grande desconhecido, entre outros assuntos com a mesma complexidade. E, queridos leitores, são esses assuntos que povoam do começo ao fim do álbum.  O mais interessante, porém, é o fato da cantora conseguir alcançar tamanho feito sem precisar de se utilizar de composições complicadas e cheias de floreios líricos. As composições são relativamente simples semanticamente, mas que apresenta maturidade em suas construções, inteligência na escolha das palavras/versos e tem um toque pop na medida para criar um verniz brilhante sem perder a sua profundidade. Quem conhece a cantora de trabalhos mais recentes ou aqueles mais comerciais irá sentir o impacto da mudança de tom, pois desde o primeiro momento já é possível sentir que não estamos diante de um tradicional álbum da Kylie Minogue.

Impossible Princess começa com que deve ser a melhor canção da carreira da artista: Too Far é uma avassaladora e de tirar o fôlego drum and bass/eletrônica que quebra qualquer expectativa com a sua produção acelerada, mas cheia de camadas e nuances sonoras que a faz ser uma jornada de deixar qualquer um tonto se sair do lugar. A faixa pode ser considerada uma das melhores de abertura de um álbum pop da história, mesmo que Impossible Princess não necessariamente possa ser chamado de álbum pop. Obviamente, a cantora também resolveu explorar a sua sonoridade em Impossible Princess, resultando em um trabalho espetacularmente inusitado, revigorante, original e com a mesma classe que meio que virou a sua marca. Entretanto, ao ouvir o álbum fica meio difícil encontrar o pop puro aqui, pois a produção transforma o álbum em uma fusão de gêneros como o eletrônico, tri hop e techno. Além disso, a cantora flerta fortemente com gêneros diferentes como britpop, pop rock, dream pop, indie rock e até mesmo música céltica. Esse caldeirão poderia explodir se não tivesse sido preparado da forma ideal, mas, contando com vários excepcionais produtores, Impossible Princess é um orgânico, fluido e extremamente bem costurando trabalho que deixa de lado qualquer estranheza inicial para se tornar um trabalho vibrante, envolvente, memorável, divertido, ousado, inovador, único e inspirador. E a delicada, brilhante e suculenta cereja por cima de todo é presença vocal da carismática de Kylie Minogue que demonstra em todas as formas que uma cantora pop não precisa ter uma grande voz para entregar grandes performances, mas, sim, saber como lidar com o seu instrumento e o utilizar da maneira que o melhor valoriza. Além da canção já citada, apontar outros momentos de destaque é bem difícil, pois Impossible Princess é o tipo de álbum que precisa ser escutado em sua totalidade. Entretanto, gostaria de citar alguns momentos que forma os mais marcante na minha opinião: a pop rock/céltica Cowboy Style e a sua sensualidade sutil e elegante, a sombria Drunk com a sua batida puramente EDM de raiz, Limbo e a sua estética a lá Björk e as inusitada britpop/pop rock Some Kind of Bliss Did it Again. Apesar de receber criticas fracas na época do lançamento, vendas bem abaixo do esperado e a própria Kylie afirmando que nunca mais fará um álbum dessa maneira, Impossible Princess é um trabalho que já tem seu lugar guardado na história da música e que merece ser melhor (re)descoberto pelo público.

Um comentário:

lucas lopes disse...

Preciso ouvir. Conheci Kylie na época de Fever e tenho acompanhado seu trabalho desde então, adoro sua arte, mas confesso que tenho preguiça de ouvir seus álbuns mais antigos. Muito embora uma de suas canções favoritas minhas seja Finner Feelings, dos anos 90.