Phoebe Bridgers
Descobrir apenas esse ano Phoebe Bridgers ao analisar o primeiro single do álbum, Garden Song, após ler em um site especializado uma resenha sobre a mesma. Sem muitas expectativas, descobri uma artista surpreendente inspirada, humana e de uma delicadeza artística tocante. Apesar de criar ótimas expectativas em torno do lançamento da cantora não acreditei de verdade que Punisher poderia ser um trabalho tão marcante como o que tive o prazer de me aventurar. Entrar no mundo de Phoebe é como ter um convite sem restrições para entrar nos pensamentos mais profundos, íntimos e secretos que uma pessoa pode possuir. A jovem de vinte e seis anos abre o seu coração como uma dobradura de papel sendo desfeita para que o público tenha acesso ao seu eu mais cru, vulnerável e desprotegido. Suas paredes construídas para proteção estão demolidas. As armadilhas que são construídas para afastar o mal estão desarmadas. Nua e exposta como um recém nascido, Phoebe Bridgers entrega composição devastadoramente reais ao expor a quem quer vê os pensamentos que qualquer um gostaria de enterrar o mais profundo para nunca ser exposta aos olhos de curiosos. Começa pela beleza triste da canção já citada, pois Garden Song "é sobre a dor de crescer e deixar o que já conhecemos na nossa juventude para trás, sendo as coisas boas e as ruins. É um processo natural que todos passam, mas é visto de uma maneira adulta, crua e desconcertantemente honesta por Phoebe que exprime de maneira única todos esse sentimento tão comum e, ao mesmo tempo, tão complicado." . Em uma canção com menos de quatro minutos, a cantora é responsável em destrinchar e dar um sentido que consegue falar com qualquer um de forma poética, única e honesta. Depois de ouvir novamente a canção acreditei que a cantora não poderia ultrapassar a imensa qualidade, mas é aí que a minha viagem ao mundo de Punisher dá uma guinada de 180° em uma direção completamente inesperada.
Ao continuar a sua jornada pessoal e reveladora sobre si mesma, Phoebe Bridgers entrega momentos de pura catarse emocional. Exatamente dois momentos de pura e indiscutível genialidade que ajuda a entender com perfeição o deslumbramento que o álbum causa. Chinese Satellite é uma devastadora crônica sobre o poder de se sentir um ponto na multidão de bilhões sem acreditar realmente que exista um ser superior para ditar nossas vidas ou/e nos socorrer em momentos de necessidade. Esbarrando em sentimentos como solidão e esperança, a faixa é um trabalho que entra por debaixo da nossa pela e vai crescendo aos poucos a cada nova apreciação. É prazeroso e, ao mesmo tempo, espantoso ouvir uma artista em tom tão confessional como a Phoebe se mostra ao longo do álbum, mas aqui o nível é aumentado em um tema que não é tão comum. Sem levantar polêmicas desnecessárias, mas sendo fiel ao esquema de se abrir como um livro aberto, a cantora entrega um dos refrões mais poderosos de 2020:
But they weren't out tonight
So I wished hard on a Chinese satellite
I want to believe
Instead, I look at the sky and I feel nothing
You know I hate to be alone
I want to be wrong
E quando parece que não é possível surgir outro momento tão avassalador, eis que surge Moon Song. As primeiras e sonhadoras notas da canção parecem indicar uma simples balada. Na verdade, a faixa alcança essa expectativa dentro de alguns parâmetros, mas para aqueles que olham com mais cuidado terão os seus corações arrancados com apenas a força da genial composição de Phoebe. Narrando os pequenos atritos de um casal ao longo de um relacionamento que vai se transformando em uma bola de neve de rancor e amargura, a cantora entre um trabalho lírico de uma beleza devastadoramente real ao ser emocional sem ter uma grama de clichê e de uma complexidade tímida e nada pretensiosa que a transforma em uma daquelas canções inesquecíveis na nossa vida. Citar os melhores momentos da composição de destaque é praticamente impossível, mas é preciso ressaltar uma passagem icônica quando a cantora diz: "We hate Tears In Heaven/ But it's sad that his baby died". Os versos conseguem unir ao mesmo tempo o sentimento que faz um casal se sentir ligado uma ao outro como também um critica feroz ao Eric Clapton e as visões preconceituosas expostas na mídia nos últimos tempos. Mesmo que as outras canções não tenham esse nível, Punisher é recheado de momentos de pura inspiração como é o caso do segundo single Kyoto que "ao falar sobre se decepcionar com alguém que gosta, Phoebe entrega uma composição descolada, mais profunda que as aparências e cheias de ótimas passagens". Outro momento de destaque é a faixa que dá nome ao álbum: Punisher é uma conversa imaginária com o falecido cantor Elliott Smith que a cantora mostrada toda a sua admiração de uma maneira tão tocante que é capaz de levar lágrimas aos olhos. Após ouvir todas as canções é possível afirmar que se a produção tomasse outro caminho, o resultado final do álbum poderia resultar em algo totalmente diferente e, provavelmente, menos impactante.
Produzido pela própria Phoebe Bridgers ao lado de Tony Berg e Ethan Gruska, Punisher se mostra um delicado, contido e dreamy indie rock com pinceladas marcantes de folk, emo, indie pop e indie folk que não se aventurar no lado experimental, mas longe de qualquer construção obvia e massificada. Não existe arrombos sonoros e, sim, construções de uma beleza contemplativa que parecem canções de ninar em melodias ternas, simples e tocantes. Com um trabalho instrumental rico em pequenos detalhes, a produção entrega canções feitas para acompanhar a maneira que a cantora escreve suas composições e como a mesmas as entoas. Dona de uma voz tão suave um sussurrar ao pé do ouvido sem, porém, seguir uma linha estilo Billie Eilish ao lembrar uma lembrar cantoras de country/folk, Phoebe entrega performances devastadoras que até podem parecem repetidas, mas que se relevam a base principal para a construção do álbum nas pequenas nuances. A delicada melodia de Savior Complex e a performance melancólica de Phoebe ajudam a expressar as dificuldades de um relacionamento complicado e os seus altos e baixos. Ao mudar para um indie folk com forte influência de country na preciosa Graceland Too, a cantora coloca a sua marca de forma madura e delicada ao mesmo tempo que mostra certa versatilidade. Por fim, a dramática e triste I Know the End mostra uma Phoebe ainda mais madura, contida e contemplativa. Em um pouco mais de quarenta minutos, a jovem cantora nos guia em uma viagem inesquecível em emoções que parecem tocar em sentimentos tão primários, universais e poderosos. Dessa maneira, Punisher entra com louvor no disputado hall de melhores de 2020.
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