Stromae
Ouvir o terceiro álbum do rapper/cantor belga Stromae é um trabalho que é necessário ter uma atenção bem maior que a média, pois, além de ser em francês, existe uma intrigada construção que eleva o material para outro parâmetro. Isso pode até dificultar novos ouvinte, mas faz de Multitude um dos trabalhos mais interessantes dos últimos tempos.
Depois de um hiato de nove anos, Stromae retorna com um álbum que faz uma gloriosa, edificante e suntuosa viagem pelos mais diversos gêneros mundiais para criar um álbum extremamente rico sonoramente. Sem soar pretencioso, mas, sim, curioso em entrar em novas terras, o artista busca inspiração nos mais diversos lugares como, por exemplo, sonoridades africanas, chinesas, portuguesas, brasileiras, francesas e do oriente médio para criar uma sonoridade única que vai se desenrolando com parte de um tapete sendo costurado com os mais diferentes tecidos. No final, entretanto, o resultado é apenas uma coesa e fluida peça que começa de uma forma e termina de outra sem nunca parece uma coleção de retalhos sem base ou forma. Com uma produção excecionalmente inteligente, Multitude é um trabalho marcante que deixa claro a vontade de Stromae de ser bem mais que apenas um hitmaker inusitado para ser um observador da música e da alma humana. E é nesse segundo ponto que o álbum encontra a sua força emocional.
Apesar da imensa qualidade sonora que faz do trabalho algo que já merece ser escutado, o grande trunfo e a estrela aqui é a língua de chicote de Stromae. Em suas composições, o rapper decide fazer uma exploração de vários cantos da humanidade que normalmente artistas mainstream passam longe. Com um humor ácido, uma visão de uma sinceridade desconcertante e uma escrita limpa e concisa, o artista toca nos mais diversos assuntos com a mesma força, indo das maravilhas e nojeiras de ser pai de uma criança pequena, passando por problemas com o seu próprio pai, feminismo e problemas mentais sem ter medo de apontar o dedo para si ou para quem está escutando. Stromae não tem o menor medo de criar um desconforte pela sua honestidade ou por expor sua visão de maneira nua e crua. E esse desconforto é algo realmente impressionante, pois tira o público para pensar mesmo que seja para realmente refutar o que está ouvindo. E o ápice do álbum é quando surge a genial L’enfer: “uma devastadora crônica sobre depressão e pensamentos suicidas. Lindamente escrita e de uma sensibilidade ímpar, a composição adiciona uma carga emocional que encontra nos outros elementos da canção a base perfeita para construir uma forte concorrente a canção de 2022”.
Em Santé e a sua forte influencia com o samba, o rapper celebra aqueles trabalhadores que tiveram que continuar o seu oficio mesmo com a pandemia. Não é apenas um agradecimento, mas, sim, um tapa na cara daqueles que usam os serviços dessas pessoas sobre como tratam esses trabalhadores como pessoas invisíveis. Fils de joie é uma crônica sobre um filho que exige respeito com a sua mãe devido ao fato dela ser prostituta. A canção é uma alegoria para falar da hipocrisia da sociedade em tratas pessoas “diferentes”, mas que os que apontam o dedo são os verdadeiros mal da sociedade. A canção também ajuda a mostrar outra qualidade do Stromae: a sua mistura perfeita entre rap e cantar. Ao contrário de outros tentam fazer essa artificio, o artista apresenta uma voz única com um timbre lindo que consegue transitar entre os dois estilos em um único verso de maneira impressionante. Outros momentos de destaque do álbum ficam por conta da delicada La solassitude sobre os problemas em estar sozinho e os problemas de estar em um relacionamento, as armadilhas da fama em Riez e, por fim, Déclaration sobre o lugar mulher na sociedade visto pelo lugar de um homem. Multitude não é um álbum perfeito, especialmente devido a se perder um pouco na sua segunda metade, mas Stromae cria uma obra tão marcante que fica difícil não deixar os problemas de lado e embarcar nessa jornada.
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