Mitski
Vocês já foram em um restaurante que a comida era, digamos tecnicamente, ótima e tudo era muito bem feito, mas mesmo assim não era exatamente o tipo de comida que conquista o seu paladar? Então, o sexto álbum da cantora Mitski é exatamente assim: Laurel Hell é lindamente feito, mas não despertou as minhas papilas sonoras como deveria.
Não há nada que possa apontar como sendo exatamente um defeito técnico no álbum. O problema é que o resultado parece não ter o sabor que para mim seria necessário para fazer da ideia geral do álbum funcionar. Laurel Hell é um trabalho synth-pop/electro-rock/new wave que busca emoldurar a atmosfera dos anos oitentas. Teoricamente, o trabalho consegue esse feito devido a ótima e sólida produção, mas pareceu faltar coragem para que pudesse colocar os dois pés no acelerador para realmente sair do local de vontade para o local de realização. Parece que a produção tem a noção básica, faltando o tino pop para envernizar o resultado final. É como se a gente olhasse uma pintura que claramente deveria ser com cores vibrantes e quentes, mas que foram usadas cores pasteis e mornas. O resultado é bonito? Sim e bastante acima da média. Entretanto, não tem o impacto que poderia ter se as cores estivem “certas”. Acredito que por causa desse erro, Laurel Hell termina soado sem foco definido e com uma dose de estranhamento desnecessária. Isso não quer dizer que o álbum não tenha pontos realmente positivos e momentos de inspiração genuína.
O trabalho tem como uma das suas principais qualidades o sensacional trabalho vocal da Mitski. Invocando uma melancolia misturada com contemplação, a cantora usa da sua poderosa, límpida e atemporal voz a tabua de escoramento para dar vida as melodias de uma maneira tão elegante e pungente que até podemos esquecer brevemente dos problemas de produção. O seu melhor momento encontra-se logo de cara com o abre-alas Valentine, Texas: a atmosfera sombria dessa indie pop é complementado pela quase fantasmagórica performance de Mitski em uma entrega contida, densa e hipnotizante. Outro detalhe importante é o talento de compositora da artista ao ser dona de uma lírica simples, eficiente e nada verborrágica, conseguindo expressar uma variedade de sentimentos de maneira por ética e bastante direta. Existe um coração em Laurel Hell que consegue não apenas elevar o álbum como um todo, mas, também, mostrar como poderia ser o resultado geral com um pouco mais de apuração pop: começa com a dramática folk/synth-pop Heat Lightning e a sua construção slow burn, passa pela batida leve e carismática de The Only Heartbreaker que soa como uma prima distante de Take on Me e, por fim, a misteriosa e sensual performance de Mitski para a deliciosa Love Me More. Essas três canções realmente mostram um álbum que poderia ter sido uma perola pop, mas que prefere não se entrar nas suas próprias ideias. Mesmo assim, Mitski faz de Laurel Hell se digno de ser escutado pelo menos uma vez. E isso é chamado de talento.
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