15 de maio de 2022

Primeira Impressão

Chloë and the Next 20th Century
Father John Misty





Se a imitação é a melhor forma de elogio, o álbum Chloë and the Next 20th Century uma verdadeira carta de amor aos principais gêneros do século vinte. Quinto álbum de Josh Tillman sob a alcunha de Father John Misty, o trabalho é uma viagem épica e cinematográfica por uma coleção imponente de gêneros que vai do jazz até o mesmo a bossa nova que nunca se perde devido ao imenso respeito que o artista trata cada canção.

Chloë and the Next 20th Century é como se fosse uma jukebox que tem a função de explicar sobre as principais eras da música, começando dos anos vinte/trinta até o anos oitenta/noventa. Não necessariamente em ordem cronológica, mas com uma fluidez impecável que as mudanças drásticas de estilos não interferem no andar no álbum. E apesar de querer simular vários nomes que se destacaram nos gêneros escolhidos para cada canção, a produção do próprio Father ao lado de Jonathan Wilson não parece querer apenas imitar as referências. Na verdade, Chloë and the Next 20th Century é uma carta de amor a música do começo ao fim, adicionando uma dose cavalar da sua personalidade. Esse toque de originalidade vem de uma mistura inusitada de uma certa aspereza adicionada na finalização do álbum que contrasta com a sua atmosfera cinematográfica e orquestrada.

Instrumentalmente, Chloë and the Next 20th Century é um trabalho simplesmente soberbo e de uma beleza encantadora. Trabalhar com uma orquestra de base clássica dá para o álbum uma completude sonora impecável que dialoga perfeitamente com a intenção do álbum. E é devido a esse alcance que uma orquestra dá se mostra possível a produção mudar de maneira tão fluida de gêneros de uma faixa para outra. Tudo começa na delicada Chloë, A faixa que é abre o álbum é uma humorosa, leve e elegante Jazz standard que procura emolduras as canções dos anos vinte/trinta/quarenta, especialmente de nomes como Oscar Hammerstein II, Cole Poter e Ira Gershwin. Acredito que a canção é a suma perfeita da capacidade de Father John Misty por todo o álbum: a capacidade de recriar todo um gênero sem nunca soar como algo datado, uma pastiche ou uma versão de baixo orçamento. A primeira grande razão para isso é o fato do artista vim de um lugar de respeito verdadeiro pelo material que se propõem a reconstruir. Logo após esse começo extremamente auspicioso, Chloë and the Next 20th Century entrega o seu ponto mais alto com a genial Goodbye Mr. Blue.

A canção é “uma melódica, tocante, atemporal e classuda mistura de country e folk que ganha pela simplicidade da ideia e pela genial realização. O resultado soa natural e completamente fluido, mostrando claramente o alcance do Father John Misty como artista e, principalmente, como cantor. A sua performance vocal é de uma beleza precisa e rara ao conseguir se adequar ao estilo da canção como se sempre tivesse cantado exatamente esse tipo de canção sem esquecer, porém, a magnitude da sua personalidade”. A presença de Father John Misty é um dos responsáveis por conseguir todas as arestas e unir os pontos em linha reta, pois a sua capacidade vocal vai além apenas de ter uma versatilidade imensa. O cantor é um verdadeiro crooner, ou seja, um cantor ou cantora de música popular que canta com orquestra ou conjunto instrumental. Mesmo que a sua base sonora até o momento tenha vindo do indie rock/base, Father se mostra muito mais capaz ao carregar gêneros totalmente diferentes com a mesma elegância, personalidade e inspiração. Outro momento de genialidade que mostra a sua capacidade vocal é belíssima Funny Girl que o cantor entrega uma “intima e melancólica performance que é ancora perfeita para dar vida necessária a linda composição que narra a visão de um apaixonado pela mulher amada”. Essa delicadeza é deixada de lado quando, por exemplo, surge o fechamento do álbum em The Next 20th Century em que o artista entrega uma canção rock progressivo soturna em uma performance grandiosa e magnética. E apesar de seguir vários gêneros, Chloë and the Next 20th Century consegue dar originalidade para todo o álbum devido a certa refinação áspera em suas composições.

A lírica de Father John Misty é melancólica, inteligente, nostálgica e contemplativa ao discorrer sobre amores brutos, belas mulheres encantadoras e misteriosas, corações quebrados e nunca remendados, casos de uma noite só, ansiedade pulsantes e nostálgica. Entretanto, existe um contraste entre a estética e o conteúdo das canções que cria um ruído que poderia gerar algum problema, mas é compensado pela qualidade imensa do trabalho de Father. Na balada pop/blues Buddy's Rendezvous, o cantor assume o papel de um pai que depois de muito tempo ser a sua filha marca um encontro para conversar e dar concelhos sinceros sobre a vida:

Everything you want
What's the fun in getting everything you want?
I wouldn't know, but look baby, you should try

Triste, desconcertante e ácida, a canção mostra a capacidade do artista de contar uma história em forma de canção que tem essa característica de se inspirar em trabalhos tradicionais com uma desconcertante estética ferina e original. E até mesmo quando o artista se arrisca em outro idioma é um outro acerto. Olvidado (Otro Momento) é uma bossa nova inspirada na era de ouro do gênero brasileiro nas décadas de cinquenta e sessenta que de maneira contida e delicada retrata um adeus entre quem se ama, apesar do refrão e alguns versos em espanhol e não em português. Outros momentos importantes do álbum ficam por conta da balada pop com estética dos cancioneiros dos anos cinquenta em Only a Fool, a indie pop/rock We Could Be Strangers que emoldura uma sonoridade dos anos sessenta/setenta e, por fim, o single Q4 é “uma delicada e melódica indie folk/pop, o novo single apresenta uma batida que parece ter saída diretamente do álbum da dupla que alcançou o estrelato nos anos sessenta com canções como Mrs. Robinson e The Sound of Silence”. Father consegue ser muitos, mas sem esquecer de adicionar a sua personalidade única em um trabalho diverso, emocionante, lindamente construído e de um coração gigantesco.

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