slowthai
Nem sempre um álbum precisa ser “bonito” para ser bom ou muito menos fazer a gente apenas sentir bons sentimentos. Existem alguns trabalhos que se beneficiam de uma agressividade que é fato necessário para elevar toda a sua força emocional e sonora. E esse é caso do espetacular terceiro álbum do rapper britânico slowthai: UGLY. Essa característica não é para todo o público, mas para aqueles que passam isso está diante de um dos trabalhos mais intrigantes dos últimos tempos.
Apesar de nunca ter ouvido os dois trabalhos anterior do rapper (Nothing Great About Britain de 2019 e Tyron de 2021), o novo álbum de Tyron Kaymone Frampton, nome de batismo do artista, é uma mudança drástica do que o mesmo entregou até o momento ao introduzir uma pesada e significativa influência de punk/rock e eletrônico na mistura de hip hop e rap já costumeira. Essa mudança poderia bem facilmente desandar, pois para um rapper ir em direções tão estilizadas é normalmente sinal de bomba atômica. Felizmente, a grande surpresa é que slowthai se mostra muito capaz de segurar essa mudança devido a não tentar se adequar aos gêneros que compõe UGLY e, sim, fazer com que esses gêneros se adequem ao seu estilo e, principalmente, a sua sonoridade. E por isso que o álbum se torna um hibrido entre post-punk, uk hip hop e eletrônico que se mostra experimental, ousado e explosivo. O mais interessante que nem sempre a produção acerta na mosca, mas a maneira não sem medo que o álbum vai explorando as ideias ajuda a compensar certos momentos de tropeços já que sempre estamos diante de uma constante busca por expandir as noções da sua sonoridade. Imperfeito, mas sempre inspirado e instigante, UGLY equilibra tamanha ousadia criativa ao também ser um soco na cara ao notarmos que o mesmo é uma imensa crônica intima, pessoal e desconcertante sobre a mente de slowthai.
Nos últimos tempos existe cada vez mais uma parcela de rappers que usam a sua arte para explorar fundo a sua própria vida de maneira profunda, honesta e por várias vezes desconcertantes. E slowthai se mostra perfeitamente nesse nicho da melhor maneira possível. Não espere, porém, crônicas refinadas, sim, letras com uma voz única sobre a vida partindo do ponto de vista do rapper. Paternidade, política, autoestima, depressão, sexo, relacionamentos e masculinidade passam pela caneta de slowthai de maneira abrasiva, potente e com uma acidez impressionante, deixando sempre uma impressão marcante em que escuta. Entretanto, o artista não está a procura de identificação, pois nem sempre é possível concordar ou/e conectar com o público. O que UGLY termina sendo é um grande desabafo continuo sobre o rapper sente, pensa e vive de maneira que somo convidados a embarcar nessa viagem sem fazer concessões ou atalhos para agradar. Nem sempre a gente pode concordar, mas sempre é necessário elogiar essa honestidade brutal do slowthai. Apesar dessa qualidade lírica permear todo o álbum, o ápice de qualidade fica logo na primeira faixa: Yum. Em um fluxo quase improvisado, o rapper explica/narra sobre várias experiências que no final convergem para demostrar como o mesmo lida a sua saúde mental. Explicita, desconfortável e impressionante, a faixa é o perfeito começo sonoro de UGLY ao ser uma explosiva mistura de hip hop, industrial, experimental e rap que resultado em uma canção impressionante do começo ao fim. E mesmo não alcançando o mesmo nível, o resto do álbum é uma coleção ousada de experimento que a produção reveste o álbum.
Mesmo sendo imperfeito em uma montanha russa sem tempo para respirar, a produção do álbum acerta ao não abrir concessões na sonoridade sempre surpreendente, áspera e corajosa de UGLY. E a principal qualidade que faz o álbum ser tão único é a influência clara do rock alternativo britânico, especialmente o punk. Apesar de algumas faixas com a presença de gêneros, o que essa referencia faz para a sonoridade é sempre ter essa sensação de urgência, quebra de protocolos e um apelo de carisma distinta e intrigante. Selfish, primeiro single do álbum, é “uma soturna, densa e profunda mistura inusitada e bem vinda de uk hip hop, post-punk e synth-pop. Na teoria, essa união de gêneros tem tudo para dar errado, mas a produção em Selfish é inteligente para conseguir criar uma batida revigorante ao mesmo tempo que se torna um soco no estomago com a sua complexidade instrumental.”. Ao falar sobre a saudade que tem de uma ex, slowthai invoca toques de jazz experimental para construir a sua versão de balada romântica em Never Again. Em Happy, o rapper parecer buscar inspiração no Gorillaz para entregar uma batida eletropop com toques pesados de uk garage e indie pop para falar sobre masculinidade masculina. Logo em seguida, Ugly, canção que dá nomes ao álbum, continua a falar sobre o assunto, mas dessa vez explorando como a sociedade trata o assunto em um indie rock com toques de Radiohead. E o que impressiona nessas canções é que slowthai mostra toda a sua força de interpretação ao segurar todas as mudanças sonoras com a mesma personalidade ao fazer, como dito anteriormente, cada canção caber dentro do seu escopo vocal ao alternar a sua persona rapper e a sua persona cantor. Outros momentos de destaque são a irônica post-punk Feel Good, Wotz Funny e sua ótima influência do Sex Pistols e, por fim, a sombra e melancólica Tourniquet. UGLY é o tipo de trabalho que não é acessível para todos, mas isso não tira o fato que o slowthai precisa ser reverenciado pelo trabalho tão distinto que merece ser descoberto por mais pessoas.
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