Raven
Kelela
A ausência da Kelela durante cerca de cinco anos depois de lançar o seu debut Take Me Apart poderia ter feito a cantora perder o seu momento perante parte do público, mas o que acontece foi o oposto. O seu hiato aumentou e muito o hype para o lançamento do aguardadíssimo Raven, especialmente incrementado pelos lançamentos dos sensacionais singles. Felizmente, a cantora não decepciona ao entregar um trabalho espetacular que a coloca entre uma das melhores artista da atualidade.
Raven se desenrola como uma teia de sensações sonora que vai passando por melancolia, sensualidade, delicadeza, profundidade, maturidade e uma beleza iluminada e envolvente. E, queridos leitores, o resultado poderia facilmente descambar para vários caminhos sem volta, mas, felizmente, a destreza da produção mante tudo no trilho com uma inteligência primorosa. Esse descaminho poderia ter até motivo, pois o álbum apresenta quinze faixa e mais de uma de duração, gerando uma grande possibilidade de o fio da meada ser perdida em algum momento. Entretanto, o cuidado que tudo é costurado é algo impressionante e a principalmente razão para atingir tamanho brilhantismo de coesão é a decisão de fazer as faixas “conversarem” entre si de maneira continua, orgânica e perfeitamente bem pensado.
Desde a transição entre a primeira faixa para a segunda e assim por diante, todas as faixas Raven apresentam elementos sonoros e líricos que ligam diretamente com a faixa anterior, criando uma unidade completa, intricada e fluida em que o álbum parece que estamos diante de uma grande narrativa com começo, meio e fim. Obviamente, outros álbuns conseguiram ter essa mesma sensação sem precisar desse artifício, mas o que ouvido aqui é o refinamento máximo dessa tática em que o público se sente embarcando verdadeiramente na mente de Kelela. Isso transforma a viagem em uma experiência única para quem escuta, influenciando também no fato de, apesar de longa duração, Raven nunca revela no peso do tempo sem se tornar arrastado ou/e enfadonho. E essa qualidade é aumentada ao saber que o álbum tem um time considerável de produtores que adicionam as suas marcas distintas para cada canção. Todavia, todas as faixas foram arranjadas pela Kelela, dando essa unidade espetacular para o álbum. Isso sem falar na imensa qualidade instrumental e no genial trabalho de mixagem feito. Com essa “base”, Kelela consegue explorar todo o seu potencial sem nenhum tipo de amarra.
Sonoramente, Raven apresenta uma profusão lindamente talhada de gêneros, mas com uma concisão rítmica e de atmosfera impecável. De maneira essencial, o álbum é a mistura genial de R&B alternativo com ambient pop, sendo incrementado, texturizado, encorpado, lapidado e elevado por toques de eletrônico, dance, uk bass, hip hop, tri hop, breakbeat e art R&B. Tudo pode parece um pouco demais, mas a estupenda maneira como a produção intercala tudo de maneira extraordinariamente fluida aliada com o imenso e brilhante técnico resulta em uma viagem de cores, vibrações, surpresas e excitações que quem escuta é arrebatado para o vórtice de genialidade da Kelela. Em vários momentos, a maneira como as coisas iam se revelando criou em uma clara visão de comparação: Janet Jackson. Apesar da Kelela tender mais para o experimental e a Janet para o comercial, a maneira como essas duas artistas estendem os conceitos do que a gente sobre R&B/pop tem as mesmas diretrizes, raízes e criatividade. E é obvio que Raven não seria feito se lá traz a Janet não tivesse dado a cara a tapa para criar clássicos como Janet Jackson's Rhythm Nation 1814 de 1989, Janet de 1993 e, principalmente, The Velvet Rope de 1998. Além de terem similaridades sonoras, as duas artistas apresentam outro pilar importante para a suas respectivas genialidades: a vulnerabilidade.
Raven é uma madura e poética coleção de composição que retratam temas como solidão, distanciamento afetivo, desejos, auto conhecimento e o que se tira dessas vivencias. Existe uma constante uso da expressão da “far away” que, apesar de vários usos, tem como principal tradução longe ou distante. Servindo até mesmo para conectar faixas como explicado anteriormente, a expressão também cria essa sensação clara que a cantora parece buscar a conexão emocional com outros e consigo mesma que parece perdida. Essa é a jornada que a mesma nos leva entre altos e baixos emocionais, mas sempre entregando uma qualidade impecável, brilhante tecnicamente e de uma força e profundida descomunal. Isso é alcançado de forma sempre impressionante, pois a artista é econômica em suas palavras ao saber exatamente como usa-las para que seja extraído apenas o essencial de cada palavras, verso e estrofe. É a perfeição.
Ter a capacidade de apontar apenas alguns dos momentos de maior destaque é praticamente impossível já que Raven é um álbum que precisa ser ouvido na integra, mas algumas para explanar um pouco mais sobre o que as fazem tão sensacionais. Primeiro, as escolhas para singles foram perfeitas, começando pela lindíssima Happy Ending: “um extraordinário e refinadíssimo mergulho em uma mistura de R&B, alternativo e toques generosos de uk garage que pega a gente pelo braço e nos leva em uma viagem sem escalas para um recanto do paraíso. Desde a sua envolvente progressão rítmica, a adição de nuances brilhantes e a excepcional mixagem, Happy Ending é o tipo de canção que conquista tão naturalmente que parece que a canção já foi lançada há muito tempo e já faz parte do consciente coletivo”. Já On the Run “é uma sexy, melódica, envolvente e deliciosa electro-R&B produzido de maneira refinadíssima e com um senso estético espetacular. Apesar de contido, a canção é de uma riqueza de texturas e nuances que a faz ser épica sem precisar de uma grandiosidade instrumental evidente. A atmosfera é uma mistura de sensualidade aveludada com uma toques de desejo ardente que faz a canção ser ousada e, ao mesmo tempo, abrangente para todos os públicos. A performance de Kelela exala exatamente essa sensação o ser doce, picante e emocional na medida certa para performance a composição sobre querer fisicamente alguém com todas as suas forças”. Dando nome ao álbum, Raven é uma dramática e empoderada crônica sobre renascer depois da tragédia com uma transição interna de ritmos genial. Sorbet é uma sensual e sexual celebração ao prazer sem medo, amarras ou pudores. E, por fim, Enough for Love é um fechamento de ciclo temático em que a cantora finalmente entende o que é necessário para amar e ser amada não se rebaixando por menos. Com esse resultado, a Kelela se estabelece de vez como uma artista simplesmente genial capaz de entregar o mais glorioso e magistral trabalho com a sua indiscutível marca do começo ao fim.
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