Jessie Ware
Na resenha para What's Your Pleasure? em agosto de 2020 escrive sobre o álbum: Jessie escolheu por seguir um caminho bem diferente dos seus trabalhos ao fazer do álbum uma verdadeira ode a disco music e, também, ao pop do começo dos anos oitenta. O álbum não apenas traz referências sobre o período e os gêneros, mas é na verdade um trabalho que parece ter sido feito na época”. Três anos passados, Ware poderia facilmente continuar na mesma toada para continuar a se aproveitar do própria hype. Todavia, That! Feels Good! simplesmente eleva o que deu certo a décima potência, refina tudo a quase perfeição estética, acrescenta novas e espetaculares camadas e entrega um dos melhores álbuns pop dos últimos vinte anos.
Analisando os dois álbuns lado a lado é possível facilmente notar que, apesar de saídos da mesma nascente, apresentam diferenças básicas que os transformam em obras distintas, originais, excitantes e efervescentes por seus méritos. A primeira e, acredito, a maior delas é como a produção entende a releitura/ode a disco. No álbum anterior, existia uma tendência em buscar referencias em Donna Summer ao ter uma carga de influencia de música eletrônica, dance e post-disco. Em That! Feels Good!, a produção emoldura a Diana Ross ao apoiar a sonoridade no soul, R&B, funk e no puro disco. Olhando por relance não parece grandes diferenças, mas, na prática, o resultado aqui é mais encorpado, chic, envolvente, amadurecido e romântico. E, queridos leitores, é necessário apontar que essa evolução de um álbum para outro parte já de um dos ápices mais altos da recente música pop. Então, acreditem quando digo que estamos diante de algo simplesmente estratosférico. E uma das razões para Ware alcançar esse status é a sua decisão de quem produziu o álbum.
Apenas dois nomes assinam a produção de That! Feels Good!: James Ford e Stuart Price. O primeiro foi responsável quase que sozinho por What's Your Pleasure?, sendo a base para a transformação da carreira da cantora de maneira irretocável. A sua presença não apenas mostra o amadurecimento da sonoridade da cantora como também garante um porto seguro de qualidade, entendimento e familiaridade. O segundo é toque de excitação e novidade que faz o álbum realmente encontrar o seu próprio caminho e, principalmente, buscar essa mudança dentro do que se propõe fazer. Ainda mais que Price é basicamente o nome por trás de outra arrasa quarteirão pop: Confessions on a Dance Floor. Além de outros trabalhos como nomes importantíssimos como, por exemplo, Dua Lipa, The Killers, Kylie Minogue, entre outros. Experiência, maturidade, refinamento e inteligência são trazidos a toneladas para compor That! Feels Good!. E tudo isso é incrementado pela imensa criatividade que é adicionada a todos os instantes do álbum.
Relativamente comum nos últimos tempos, o álbum de base disco/post-disco é o que com maior facilidade pode cair no lugar comum ou datado ou pastiche ou sem graça, pois o estilo é um dos mais conhecidos devido a sua importância para a música pop e ter sido um estilo que literalmente uma década para chamar de si. E é por isso que ao produzir é necessário não apenas realmente conhecer mais que apenas a base, mas, sim, todo o perímetro que envolve a criação da disco. That! Feels Good! é recheado desses meandros, texturas, cores e sabores que dão para o resultado final essa suntuosidade de ouvir esse deslumbre fonográfico. E nada supera dentro de uma coleção de canções sensacionais a magistralmente genial Begin Again que “parece buscar inspiração da abertura do musical Hair a consagrada Aquarius/Let the Sunshine In ao ter um instrumental épico, grandioso e apoteótico que parece fazer a gente embargar em uma viagem de sensações mais profundas que apenas o desejo de dançar. Sonoramente, a canção é um exuberante disco/soul que continua a mostrar o quanto é o refinamento da artista sobre o gênero que adotou no último álbum, acrescentando ainda mais maturidade para o resultado final”. E isso é falar bastante de uma canção que consegue se sobressair no meio de uma coleção de triunfos uma após o outro. That! Feels Good! também se favorece bastante da sua brevidade.
Com cerca de quarenta minutos (treze a menos de o trabalho anterior) e apenas dez faixas, o álbum não tem gordura sobrando em faixas que exalam serem apenas fillers e não tem tempo a perder ao mostrar para o que veio desde o primeiro instante sem nunca em momento algum perder o ritmo, coesão e o interessante de quem ouve. Nunca na minha vida tive a sensação que quarenta minutos passaram tão rápido devido a envolvimento que That! Feels Good! faz quem escuta para que seja catapultado para o maravilhoso mundo da Jessie Ware em uma viagem sem paradas e inesquecível. E tudo começa pela irresistível e sensual funk/disco que dá ao nome ao trabalho: That! Feels Good!. Logo no coro inicial de vozes que repetem o nome da canção em cacofonia de vozes que incluem a mãe de Jessie e vários dos seus amigos como, por exemplo, Kylie Minogue, Róisín Murphy, Benny Blanco, entre outros. A faixa é o perfeito convite para entrarmos na boate sonora criada pelo álbum em que a cantora conclama:
Treasures to be found
Medicine of life
Freedom is a sound
And pleasure is a right!
Aqui está outro ponto que o álbum se difere do seu antecessor: a sua temática. What's Your Pleasure? era sobre a dúvida do prazer, sobre ainda tentar encontrar o parceiro ideal, sobre começar a experimentar novas sensações, sobre finalmente começa se encontrar. That! Feels Good! é sobre se entregar aos desejos sem medo, sobre finalmente encontrar o que dá prazer, sobre ser livre, sobre amar e ser amado, sobre se quebras as ultimas amarras. E é por isso que sai o ponto de interrogação e entra o de exclamação. Isso fica completamente claro no single que deu início os trabalhos em Free Yourself: “se no trabalho anterior a mesma questionava qual era o nosso prazer, Free Yourself pede que a gente se solte e desfrute de cada momento como se não houvesse amanhã. Clichê sim, mas lindamente bem escrita e com um refrão viciante e marcante”. Isso é visto ainda com mais clareza na eletrizante e frenética disco/funk/soul Beautiful People em que a cantora entoa “Put the day on ice, pour a cocktail/ Mix your joy with misery (So sweet)”, mostrando que é necessário buscar alguma felicidade mesmo que a vida não seja tão boa assim. Logo em seguida surge Freak Me Now, em uma das melhores transições entre faixas que ouvi, a cantora clama para que o amado abaixe a guarda e acompanhe no mesmo ritmo:
Strike if you're hot like fire
Put it in this gasoline
Let me know if you want that oochie-coochie or that in between
Tell me if you wanna love
E no meio de tanto prazer, liberdade e celebração, Jessie ainda tem tempo para voltar a suas raízes românticas para entregar duas perolas: a R&B electro/soul Lightning em que no refrão a mesma declara “It's emotional to love the star you are” e, principalmente, na sublime balada R&B/soul Hello Love em que a cantora incorpora a sua versão de Marvin Gaye/Luther Vandross. Todo esse deslumbre é segurado de maneira avassaladora pela voz e as interpretações magistrais da Jessie Ware. Aveludada, refinada, magistral, encorpada, elegante, emocional e atemporal são os melhores adjetivos que podem expressar com precisão o quanto impressionante é a presença da cantora em cada uma das canções sem precisar de efeitos pesados e mantendo o protagonismo mesmo com um classudo e substancial trabalho de backvocais realizados em todas as canções. E a que melhor mostra a capacidade da Ware é na genial Pearls: "emoldurando a sua melhor Diana Ross interna, a cantora entrega a sua mais inspirada performance ao alinhar unir a sua costumeira e deliciosa voz aveludada e elegante com uma explosão vocal em que a mesma mostra todo o seu alcance ao subir o tom para expressar todo a excitação da canção, especialmente no seu eletrizante refrão”. Amo a acidez sensual que a mesma entoa o “rap” de Shake The Bottle para depois embarcar em uma performance sensual e borbulhante em que entoa o fogoso verso: “That's the way to make my bottle pop!”. Finalizando o trabalho, Ware entrega uma performance melódica, sexy e suculenta para entoar a envolvente e deliciosa These Lips. Com o monumental resultado de That! Feels Good!, Jessie Ware marca ainda mais fundo com ferro, fogo e estilhados de uma discoball o seu nome no panteão de melhores artistas pop de todos os tempos. E isso é para poucos.
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