11 de junho de 2020

Rewind

Primeira Impressão

Blonde
Frank Ocean


Compreender a dimensão que a carreira do Frank Ocean se transformou é a melhor maneira de compreender todo o alvoroço que o lançamento do seu segundo álbum se transformou. Para isso, será necessário voltar um pouco no tempo e relembrar um pouco sobre o começo da sua carreira, mais exatamente o lançamento de channel ORANGE.

Primeiramente, relembro as palavras que usei para descrever a sensação de ouvir pela primeira vez o álbum: "channel ORANGE é a celebração da arte como música. Ocean cria uma obra atemporal ao se colocar em um lugar entre as lendas do soul music como Stevie Wonder, Marvin Gaye e mais próximo aos melhores trabalhos do Prince. A viagem em um mundo intrigado de Ocean é uma volta ao passado, mas com ao olho no futuro. Complicado, arrebatador, edificante, pulsante, vibrante, brilhante. Frank caminha em estradas da mais diferentes falando do amor em primeiro plano, mas há assuntos como drogas, sociedade e religião. Em cada composição ele vai além do que se poderia esperar. Arranca como um cirurgião órgãos, sentimentos, ossos, medos e muito mais. Como um soco na ferida aberta, ele retrata com maestria de uma pessoa que vive década e mais décadas reflexões profundas e brilhantes. E ele só tem vinte e quatro anos de idade. Podemos classificar o seu som como neo soul para termos apenas uma classificação. Contudo, assim como os três álbuns já citados, channel ORANGE vai muito mais que classificações. A jornada sonora de Frank é muito profunda e multifacetada. O trabalho de instrumentalização é, talvez, um dos mais geniais dos últimos anos. Há tantas texturas, batidas, samples, sons, instrumentos diferentes só que costurados de maneira tão perfeita que chega a ser desleal para nossos ouvidos tentando captar cada segundo, cada batida, cada inspiração, cada pérola. Já Frank como vocalista se coloca em um pedestal que não há proteção. Suas interpretações são cheias de sentimentos, força, genialidade e algo mais que apenas gênios tem e simples mortais não podemos falar com palavras. Não posso ressaltar uma canção, mas posso dizer isso: se você ouvir Bad Religion e não sentir algo arrebatador, esqueça, vocês não está preparado para a genialidade de Frank Ocean. Se sentir, seja bem vindo ao álbum que pode mudar sua percepção do que é música. E Frank Ocean seja bem vindo a eternidade!".

Para uma pessoa que não tem conhecimento sobre tudo o que envolveu o recebimento de channel ORANGE deve achar que as minhas palavras foram de um exagero absurdo. Claro, tenho um estilo mais emocional de escrever, principalmente quando eu realmente gosto de um trabalho, mas, como acredito que todos saibam, a minha impressão sobre o debut de Frank Ocean foi quase unanime em relação a impressa especializada. Para se ter uma ideia a nota do álbum no prestigiado Metacritic, responsável por reunir as principais resenhas da impressa especializada, foi de incríveis 92 pontos em uma escala até 100. Pouquíssimos nomes atuais conseguiram uma nota parecida com essa, sendo eles Kendrick Lamar, D'Angelo, Kanye West, Beyoncé e Janelle Monáe. Naquele momento o jovem cantor, que tinha de bagagem apenas uma mixtape, alguns créditos de compositor e algumas participações em canções alheias, ganhou status de novo gênio/salvador da música. Nada exagerado, pois o álbum tinha todas as características de ter sido pensado e feito por um verdadeiro gênio. Além disso, Frank Ocean acumulou uma legião de fãs entusiasmados e frevorosos que aumentou ao longo dos últimos anos e, também, uma verdadeira coleção de "fãs" famosos que ajudou a crescer o hype atrás dele. Com todo esse histórico nas costas e os vários atrasos no lançamento do segundo trabalho, surgiu uma atmosfera gigantesca de expectativa em torno de Frank Ocean não apenas pelo lançamento em si, mas, também, para descobrir se todo exaltação feita é realmente válida. Então, Blonde chega com a duríssima missão de saciar todos esses anseios, consolidando a carreira de Frank Ocean.

Em três anos de "fabricação", Blonde é a obra exata para cumprir com essa árdua tarefa, mesmo que não seja a obra perfeita. É necessário entender que conseguir ultrapassar ou igualar a qualidade que o cantor alcançou em channel ORANGE é praticamente uma missão impossível, ainda mais sendo apenas o segundo da carreira. Além disso, muito poucos artistas conseguiram entregar dois álbuns geniais em seguida e, muito menos, os dois primeiros. Mesmo assim, o novo álbum é um trabalho realmente poderoso que tem em qualquer uma das faixas qualidade muito mais alta que um álbum inteiro de nomes como, por exemplo, Chris Brown e Jason Derulo.

Como mostrado na resenha de Endless, Frank Ocean buscou uma sonoridade com uma pegada diferente para o novo trabalho. A base aqui é soul/R&B, mas o cantor vai além na procura de quebras as fronteiras da sua sonoridade, mesmo não sendo tão experimental como o álbum visual. Blonde é uma audaciosa jornada em um turbilhões de sons, texturas, influências, batidas, nuances e experimentações sonoras que até poderia resultar em algo confuso e sem personalidade, mas nas mãos fortes de Ocean consegue encontrar o seu caminho ao ter uma atmosfera contida e, principalmente, melancólica. Blonde é de uma grandiosidade comedida que é a perfeita maneira de mostrar toda a preciosidade da sonoridade Frank Ocean, característica "herdada" do neo soul. Infelizmente, o álbum não consegue ir no mesmo lugar de pura perfeição que Frank alcançou anteriormente. Entretanto, isso não é exatamente um grande defeito.

A produção de Frank Ocean que produz basicamente todo o álbum, sendo oito delas sozinho, parece prezar muito mais pela unidade sonora do que exatamente por criar músicas realmente autônomas. Não que isso seja problema, mas o impacto final é menor do que poderia se esperar já que é preciso ouvir o álbum inteiro para embarcar na vibe que Frank quer expressar em Blonde. Olhando por esse ângulo, o álbum foi lançado no momento certo devido ao ano ter sido da invasão do conceitual no mundo pop, apesar de não ser qualificado como sendo um. Essa sensação de unidade em Blonde é a base para contar as histórias por trás de cada composição presente no álbum.

Outro aspecto de Ocean que chamou atenção e foi largamente ovacionado foi a sua capacidade como compositor. Com uma estética moderna e sempre cheia de referências pop, o cantor mostrou a capacidade de abrir o seu coração em devastadoras crônicas sobre a sua vida ao falar sobre amor, sexo, depressão e, também, realizar fortes criticas sociais com a mesma beleza e força emocional. É quase impossível ficar sem ser tocado pela força da natureza que é Bad Religion ou a delicadeza melancólica de Forrest Gump, ambas de channel ORANGE. Blonde é a reafirmação do imenso talento com as palavras do cantor para expressar toda a complexa rede de emoções que vão da mais delicada e simples até a mais densa e complicada. O problema aqui é que as composições parecem ser recoberto com um verniz que as deixam um pouco frias, isto é, demora mais tempo para que possamos embarcar em cada canção. Talvez o problema tenha sido exclusivamente da minha pessoa, mas Blonde não soa tão urgente como acreditava que iria ser. Não foi tão emocionante como ouvir o álbum anterior pela primeira vez, mesmo sendo uma experiência fantástica. Alguns momentos, porém, conseguem chegar bem perto da genialidade pura: Seigfried (uma lindíssima e honesta crônica em que Frank fala sobre as suas fraquezas), Godspeed (sobre amar e ter fé) e, a melhor do álbum, Self Control (sobre o primeiro amor). O que continua exatamente o mesmo é a presença do interpreta Frank Ocean, entregando performances versáteis, intensas e, várias vezes, sublimes. Blonde é um trabalho que, apesar de algumas falhas, estabelece Frank Ocean como um artista merecedor de todos os elogios e louros que possa ser atribuídos ao seu trabalho. E esse é apenas o segundo álbum.


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