28 de junho de 2020

Primeira Impressão

Histórias Da Minha Área
Djonga


Escolhido por mim como dono do melhor álbum do ano passado, o rapper mineiro Djonga é uma das vozes negras mais importantes da atualidade ao narrar com eximia qualidade a vida, as dores, as alegrias e o cotidiano de uma pessoa negra periférica. Lançado recentemente, Histórias Da Minha Área, quarto álbum da carreira do rapper, mostra que cada vez mais a voz de nomes como Djonga é de uma importância inegável para essa população ao meter o dedo na ferida sem dor ou piedade. E isso continua sendo o ponto central de um álbum que não tem o mesmo impacto que o seu antecessor.

Djonga é dono de uma poética direta, cortante e com um forte apelo oral do cotidiano, deixando de lado grandes construções gramaticais para usar um linguajar que o coloca diretamente com o seu objeto de discurso: a periferia brasileira. Não é o caso que se o rapper tivesse escolhido outro caminho as suas mensagens seriam menos impactantes, mas a escolha dessa poética que se aproxima do falar ajuda a envernizar as letras de uma sensação de urgência ainda mais pungente que o habitual. E nesse caminho, Djonga retira o máximo para rechear o álbum com crônicas certeiras, atuais e de uma acidez corrosiva sobre as principais mazelas da sociedade em relação a periferia e, claro, a população negra. Seja falando sobre os amigos que perdeu ao longo dos anos ou falando sobre o tratamento da polícia, Djoga constrói uma imagem nítida e orgânica sobre uma realidade que para vários brasileiros parece estar somente em noticiários da TV, mas que para a outra parte da população é apenas o doloroso cotidiano. Apesar da qualidade, o problema em Histórias Da Minha Área é o seu impacto reduzido em ralação ao álbum anterior. 

Se em Ladrão escrevi que ouvir era "como acordar de um longo e profundo sono, mas que tivemos previas sobre a realidade dentro dos nossos sonhos", ouvir o novo álbum é apenas um lembrete da realidade que vivemos. Forte, atual e extremamente relevante, mas sem o chacoalhão que sacudia a todo segundo o álbum anterior. No começo pensei que o motivo fosse a minha melhor compreensão sobre a temática que o álbum carrega. Todavia, percebi que o verdadeiro motivo era na própria execução do álbum. Mesmo com uma mensagem quase inalterada, o resultado final Histórias Da Minha Área soa menos refinado e levemente áspero na sua finalização. Provavelmente, a pouca diferença entre os dois lançamentos pode ter minado certa criatividade de Djonga, deixando para o novo álbum os "resquícios" criativos. 

Dessa maneira, o álbum parece ser um exercício de redundância importante do que uma criação vinda de um lugar de originalidade pura e simples. Isso não quer dizer, porém, que Histórias Da Minha Área se torne um trabalho menos importante ou menos incisivo. E isso fica claro na excepcional Hoje Não que relata com perfeição o racismo estrutural que afeta a nossa sociedade em uma crônica que lembra o sucesso atemporal do Jay-Z em 99 Problems. Outro problema do álbum é que a produção do rapper ainda não consegue sair do tradicional em se tratando da sonoridade rap/hip hop. Apesar de sólida do começo ao fim, a sonoridade carece de mais versatilidade ao conseguir incluir com sucesso as influências do samba, funk e MPB que o próprio Djonga cita e que, ás vezes, parecem querer emergir aqui e ali. Além da canção já citada, outros momentos de destaque são Não Sei Rezar, a divertida Gelo e a romântica Procuro Alguém. Espero que o futuro possa refinar mais a sonoridade de Djonga, mas que mantenha intacta a sua distinta e importante voz que, na verdade, representa milhares de outras vozes ao redor do Brasil.

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