Lemonade
Beyoncé
Lemonade, oficialmente o sexto álbum da Beyoncé, é sobre empoderamento. Dessa vez, porém, a cantora não está atrás do seu empoderamento como artista, pois o álbum anterior teve essa função, além de abrir, ou melhor, escancarar as portas para a sua defesa do feminismo. O novo trabalho é muito mais pessoal que poderia se esperar e, por isso, o empoderamento aqui é de uma esfera intima e singular na vida da cantora. Lemonade é sobre como Beyoncé se coloca em relação a sua vida no âmbito amoroso e no âmbito social. Lemonade é um relato vivo e poderoso sobre o processo de humanização de uma diva. Lemonade é sobre amar e querer luar por esse direito. Lemonade é sobre desilusões, corações quebrados, traições, perdão e recomeços. Lemonade é uma carta aberta feita de desabafos verdadeiros. Lemonade é um soco no estomago e, ao mesmo, uma acalentadora caricia. Lemonade é o renascimento de uma mulher.
Com a palavra: Beyoncé
Durante as doze faixas do álbum (enquanto escrevo existe a possibilidade do lançamento de uma versão deluxe), Beyoncé abre o coração de uma maneira quase nunca vista no mundo pop nas últimas décadas. Apesar de nomes como Adele e Sam Smith terem feito parecido em seus álbuns, Bey vai ainda mais fundo no tema de "lavação de roupa suja" com "coração partido precisa desabafar", pois todos sabemos de quem a cantora está falando: Jay-Z. Entretanto, Lemonade não tenta esconder por meio de metáforas rebuscadas e alegorias bonitas a dor que a cantora sente ou, mais provavelmente, sentiu. Por meio de relatos da impressa é possível deduzir que o álbum é sobre a turbulência do casamento da cantora e do rapper que ocorreu naquele famoso e infame "incidente" no elevador. As composições no álbum são como espadas perfeitamente afiadas: precisas e mortais. Beyoncé vai direto no jugular ao mostrar com todas as cores os seus problemas conjugais da maneira mais crua e sem cerimônia possível. Com essa postura tão assertiva, a cantora não apenas se deixar mostra como um ser humano de carne e osso que vai de contramão do seu endeusamento por parte do público, mas, principalmente, mostra o poder que emana da pessoa Beyoncé e não apenas da artista. Desse resultado é que vemos de onde saiu a explicação do álbum no Tidal: "Lemonade é baseado na jornada de toda mulher em descobrimento pessoal e cura".
"A minha vida é perfeita dentro das suas imperfeições" parece ser o mantra em Lemonade. Apesar dos erros do seu marido e dos problemas enfrentados nos últimos anos, Beyoncé não parece querer ferir ninguém, mas apenas relatar o que passou e como superou a crise ao redescobrir quem é e qual é o valor do casamento na sua vida. Claro, sem poupar palavras, Bey também mostra que não tem nenhum problema em encarar os seus problemas de frente, jogando umas verdades na cara de quem precisar. Feroz em vários momentos e contemplativa em outros, a cantora transita ente o grito de raiva, a doce ironia da critica, a melancolia de um coração quebrado e a esperança de amar nessa sua jornada pessoal, mas tão semelhante a qualquer melhor que viveu/vive/viverá as mesmas situações. É aqui que reside a grandiosidade de Lemonade. Um trunfo para uma artista em seu auge.
A Estética da Limonada
Lemonade é mais conteúdo do que exterior, mas não acredite que a cantora não está disposta a quebrar qualquer amarra que a prenda as tradicionais concepções da sua sonoridade. Eu realmente fico perplexo com uma quantidade de pessoas que reclamam da nova direção musical da Beyoncé. Claro, existem gostos de todos os tipos, mas acreditar que a cantora, ou qualquer outro artista, deve permanecer no mesmo estilo em todos os álbuns é frustrante, entristecedor e. de certa maneira, revoltante. Quem quer ouvir farofa pop pode ir escutar uma infinidade de outros artistas espalhados por aí, mas tentem entender que Bey, assim como a Rihanna e outros que devem aparecer nos próximos messes, está na busca pela elevação da sua arte. E, acreditem em mim, essa elevação não passa nem de perto pelo pop farofa e, muito menos, o comercial, mesmo com os possíveis sucessos de vendas. Beyoncé sabe disso e faz de Lemonade a sua verdadeira libertação artística.
O álbum anterior, o homônimo Beyoncé, agora soa com um ensaio para o novo trabalho. Um ensaio genial, diga-se de passagem, mas em que a cantora ainda "brincava" dentro do escopo de alcance da sua sonoridade. O novo álbum deixa para trás a maioria dos vestígios da cantora de Crazy In Love e Single Ladies (Put a Ring On It) para abraçar uma nova artista disposta a mostrar uma figura tão plural como as grandes lendas da música. Por isso, Lemonade é uma fusão de música alternativa com R&B moderno, blues, gospel, funk, reggae, hip hop com a pesada e significativa adição de rock alternativo e, até mesmo, country. Todos esses ingredientes misturados criam a sonoridade desconcertante, arrebatadora e ousadíssima ouvida em Lemonade.
Na jornada criada para o álbum nada é um passeio no parque. Nada é de fácil assimilação. Nada é dispensável. Nada é exatamente simples, apesar da escolha por uma batida mais contida em várias faixas. Nada é como foi um dia. Lemonade é uma viagem musical na velocidade do som em uma enxurrada de referências, influências, nuances e ideias feitas para reconstruir Beyoncé com a diva dona da melhor sonoridade da atualidade. Ninguém que está presente no mainstream mundial atual tem um décimo da sonoridade apresentada no álbum. Um trabalho marcado pelas parcerias inusitadas e geniais que conta como nomes importante da música e completamente diferentes entre si. O estilo marcante e a guitarra avassaladora do rock alternativo do Jack White, o novo R&B e o design refinado do The Weeknd, James Blake e a sua atmosfera transcendental e, por fim, o rap destruidor e urgente do Kendrick Lamar. Esses nomes são apenas os mais aparentes em Lemonade, pois o melhor está no recheio: seja a lista de nomes na co-autoria das canções ou na produção ou a genial escolha dos samples que vão de Led Zeppelin até Burt Bacharach, Hal David e Isaac Hayes e, finalmente, chegando a Animal Collective. Além das ligações com o Vampire Weekend e o Yeah Yeah Yeahs, entre outros. Um caldeirão em plena ebulição que resulta em um produto inesquecível e, da sua maneira, revolucionário.
As Imagens do Som
Não é preciso falar sobre como a cantora quebrou, novamente, as expectativas em relação a divulgação e lançamento do álbum. Dessa vez, entretanto, a forma foi um pouco diferente, pois, ao contrário do lançamento de 2013, foram dados indícios do que estava por vim, principalmente com o lançamento de Formation. O que podemos tirar disso é o fato do total controle da cantora em relação a sua carreira, mesmo que sendo orientado por outros. Essa liberdade é a responsável pela evolução artística da cantora. Todavia, isso também mostra a responsabilidade da cantora e a sua equipe em criar também um corpo que sustente poder criativo que fundamenta o álbum. Aqui é que podemos ver o único defeito do Lemonade.
O álbum é descrito como o segundo álbum visual da cantora. Esse fato é de estrema importância para a qualidade final, pois a união de imagem e o som é uma das forças motrizes da recente indústria fonográfica, inaugurada com a criação da MTV nos anos oitenta. O curta metragem, lançado como especial na HBO, é uma joia cinematografia, unindo perfeitamente imagens poderosas e cheias de significados com as mensagens das letras das canções. A direção do curta mesclas paisagens da região sul dos Estados Unidos, aonde a Beyoncé nasceu e foi criada, com encenações artísticas protagonizadas pela cantora e vários convidados, ou melhor, convidadas já que a maioria são mulheres negras. O redemoinhinhos de imagens ajuda a dar a base perfeita para os ecos das músicas apresentadas no álbum. Um dos momentos que mostram o quão importante é o curta para o resultado final de Lemonade é quando aparece, rapidamente, a foto da lenda Nina Simone em uma capa de um dos seus discos. Nesse momento, Beyoncé revela com todas as letras a sua vontade de ser uma força da natura com a sua música e que possa ser ouvida como uma porta voz dos seus ideais, assim como foi e ainda é Nina Simone. Apesar de toda essa genialidade, Lemonade só funciona plenamente depois que o curta é visto, pois sem a sua apreciação algumas das intenções pretendidas podem ser perdidas. Esse fato não compromete de fato a grandiosidade e a genialidade do trabalho, pois Beyoncé não deixa a "bola" cair com a sua presença inesquecível.
Lemonade's Anatomy
Novamente, Beyoncé se coloca no topo da industria fonográfica ao representar toda a sua força emocional em performances irrepreensíveis. Não é sobre poder vocal, mas sobre a capacidade de transmutação que a cantora realiza em cada faixa, indo do mais contido e estilizado, passando pelas mudanças estéticas de vários gêneros que demando posturas vocais distintas e chegando, finalmente, a explosão vocal. Tudo isso, queridos amigos, em apenas doze faixas.
Lemonade começa com a delicada e melancólica Pray You Catch Me, mas que com apenas dois versos já demostra como será o álbum inteiro: You can taste the dishonesty/ It's all over your breath as you pass it off so cavalier. Em seguida aparece a reggae/eletrônica Hold Up em que a cantora quebra qualquer expectativa com a cadencia lenta e a instrumentalização minimalista. Don't Hurt Yourself é o primeiro grande tapa na cara do álbum: rock alternativo mistura com blues guiado pela guitarra de Jack White. Sorry com a sua batida trip hop e o R&B eletrônico de Love Drought são as únicas faixas que lembram vagamente alguma coisa já feita pela cantora, mas mesmo assim as suas construções únicas as fazem canções tão distintas e singulares como o resto do álbum.
Ao lado do The Weeknd, Beyoncé entrega a genial 6 Inch, um mergulho nas profundezas do R&B contemporâneo que deve resultar em apresentações ao vivo inesquecíveis. Mergulhando nas suas raízes sulistas, a cantora surpreende com a deliciosa country soul Daddy Lessons sobre a sua relação com seu pai. Logo em seguida somos contemplados com a doçura e delicadeza da balada Sandcastles para depois sermos arrebatados por duas faixas: a parceria com James Blake na etérea Forward, uma "intro" que poderia ter sido a canção do álbum caso fosse uma faixa "inteira", e a gospel/hip hop Freedom com a participação do Kendrick Lamar em que a cantora dá o seu mais contundente e arrepiante declaração sobre a sociedade americana. O álbum termina com a esperança renovada de All Night e a contundente Formation.
Após terminar de ouvir e/ou ver Lemonade existe apenas uma certeza: Beyoncé é a maior artista dessa geração. Uma força da natureza capaz de arrastar tudo o que está na sua frente com o poder de uma onda gigantesca. E, imponentes seres mortais, estamos subjugados aos seus desmandes. Goste ou não, Beyoncé já marcou o seu nome na história da música de maneira irrevogável. E Lemonade é mais um capitulo.
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