Perfume Genius
Continuando a minha saga de desbravar artistas dantes nunca analisados chegou a vez de resenhar o álbum Set My Heart on Fire Immediately do Perfume Genius. E novamente estou diante de uma obra absurdamente elogiável que entra com facilidade na disputa para melhor de 2020. Entretanto, o álbum poderia ser o melhor na minha opinião se não perdesse o rumo da usa metade para frente. E, queridos leitores, essa perca de rumo não quer dizer em nenhum momento que as canções sejam ruins, mas, na verdade, não são tão geniais como o da primeira parte, fazendo de Set My Heart on Fire Immediately o melhor trabalho imperfeito de 2020.
Definir exatamente qual é o gênero de Set My Heart on Fire Immediately é algo bastante complicado, pois a produção exclusiva de Blake Mills cria uma salada mista com uma profusão imensa de gêneros que vão do R&B até synthpop, passando pelo baroque pop e chegando até mesmo ao industrial. A melhor definição, porém, seria generalizar e apontar o trabalho como sendo um apoteótico e rico encontro de art rock com indie pop que consegue criar uma coleção densa, profunda e multifacetada de canções que navegam lindamente entre uma construção contrastante de profano contra o sagrado. Ao escolher dar para cada canção personalidade e estilo completamente diferentes uma da outra, a produção ajuda criar um álbum imprevisível, excitante e envolvente em um nível muito pouco alcançado, pois é necessário que um álbum assim tenha envolvido na sua criação um trabalho muito cuidadoso e com uma inteligência afiada para não deixar tudo desandar. Felizmente, Blake dá para Michael Alden Hadreas, nome de batismo de Perfume Genius, o material quase perfeito para conseguir chegar a tamanho feito. E por pouco mesmo, o resultado não é cem por cento perfeito, mas vamos começar com o que cumpre todos os requisitos necessários para entrar no Olimpo: a primeira parte de Set My Heart on Fire Immediately.
Mais exatamente indo da primeira faixa até a sétima, a primeira parte do álbum é de cair o queixo até o chão da primeira nota até a última. Lembrando o debut de Rina Sawayama, as sete canções apresentam uma variedade de gêneros, estilos e atmosferas que no papel parecem não terem nada em comum. Na verdade, isso é verdade, mas a prática se mostra completamente diferente ao deixar claro uma coesão e fluidez impecável. Nada parece falar a mesma língua, mas a conversa retirada aqui é sensual, atrativa, provocativa, surpreendente, carismática e deliciosamente envolvente. Tudo começa com a melancólica art pop com toques generosos de música ambiente e doo-wop Whole Life que abre o álbum como se fosse canção de ninar aditivada para depois a atmosfera ser totalmente quebrada com a pesada Describe.
Primeiro single do álbum, "a canção consegue gerar um impacto marcante devido a sua produção adulta, misturando indie rock com post-grunge e algum toque de pop em uma balada fria, dura e sombria. E, ao mesmo tempo, Describe tem um refinamento delicado que ajuda a canção a azeitar o resultado final. O single é o tipo de canção que vai entrando embaixo da pele de maneira levemente desconcertante, mas que logo encontra o seu lugar na nossa cabeça". Então, a produção vira tudo de cabeça para baixo para apresentar a romântica e nostálgica Without You que é claramente um asceno com as duas mãos para o heartland rock do Bruce Springsteen nos anos oitenta. Logo em seguida, as mesas são novamente viradas com a presença delicada e doce de Jason que segue um caminho indie rock com pincelada de funk e, principalmente, psychedelic para desaguar na faixa menos inspirada dessa primeira parte: Leave é um art pop/dream pop/art pop que soa mais como uma intro estendida. Mesmo assim. a canção é uma faixa de respeito e que abre o caminho para os dois melhores momentos de Set My Heart on Fire Immediately.
Evocando todo o seu poder pop, Perfume Genius entrega em On the Floor uma das melhores traduções da sonoridade do Michael Jackson em uma canção sexual, dançante e que invoca de forma honesta a temática queer. Envolvente do começo, a faixa parece que sozinha não ter lugar dentro do álbum, mas depois de ouvir dentro do contexto parece que algo faz um clique e tudo se encaixar com uma peça de um grande quebra-cabeça surrealista. E tudo se completa ainda mais quando surge a sensacional Your Body Changes Everything. Lembrando um filho bastardo do Tear For Fears com o Depache Mode em uma mistura de synthpop com new wave e pop rock, a canção é um trabalho complexo, cheio de camadas e com um trabalho instrumental estilizado e refinadíssimo. Na verdade, essas características definem basicamente todo o álbum, mesmo quando tudo dá uma desandada a partir da faixa oito.
A partir de faixa Moonbend, o álbum se torna uma jornada bem mais definida, estática e menos inesperada. Claro, a mudança entre as duas partes já é algo inesperado, mas a segunda parte volta o foco para uma coleção de canções indie pop/ indie rock/experimental que parece manter uma coesão bem restrita. Não há uma perda de qualidade técnica, mas, sim, artística, pois o público que já tinha entrado em uma corrente surpreendente e excitante é convidado a colocar os pés para o alto, relaxar e flutuar em uma sonoridade etérea e dreammy. Como essa mudança é recebida depende de cada pessoa que está ouvindo Set My Heart on Fire Immediately. Na minha visão, o álbum perde força e parece se perder, terminando com uma leve sensação de ter sido arrastada ao seu limite criativo. Felizmente, Perfume Genius parece ser a amarra que impede que o álbum ter uma caída significativa de qualidade ao entregar performances geniais, independentemente de qual estilo cada música segue. Com uma produção vocal perfeita que sabe em quais momentos usar de efeitos vocais para amplificar e/ou melhorar o poder vocal do artista, o álbum consegue superar alguns tropeços para se mostrar como um dos momentos mais marcantes de 2020.
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