29 de novembro de 2020

Primeira Impressão

Lianne La Havas
Lianne La Havas


Diante de tantos lançamentos dignos de resenhas aqui no blog é fácil perder alguns lançamentos que não causam tanto impacto perante a mídia especializada e o público. E um desses álbum é o terceiro trabalho da britânica Lianne La Havas: levando o nome da cantora, o álbum é uma impressionante e reconfortante coleção de neo soul que tem na presença da cantora o seu farol guia para entrar no seleto hall de melhores de 2020. 

Não é surpresa que a cantora poderia entregar um álbum tão bom quanto é o seu terceiro lançamento, pois a mesma já tinha mostrando talento nos dois álbuns anteriores, especialmente em Blood que descrevi como sendo “uma pequena pérola fonográfica que se baseia em uma sutileza rara de instrumentalizações simples e edificantes.”. Dessa vez, porém, a cantora aposta em uma sonoridade mais encorpada para construir Lianne La Havas sem perder o rumo da sua sonoridade já estabelecida. A produção aposta pesadamente em uma base neo-soul com uma construção instrumental bastante robusta, edificante, refinada e madura que parece preencher qualquer lacuna levemente vazia com uma atmosfera envolvente. O grande acerto, porém, é que a produção que tem na própria cantora a âncora mestra ao lado de vários outros nomes ao não fazer da sonoridade soar pomposa e pretenciosa. Na verdade, o álbum é de uma leveza ímpar e de uma sutiliza aveludada que toca quem ouve como o melhor hidratante em cima de uma pela ressecada. Forte o suficiente para marcar, mas suave o suficiente para não deixar resíduos inconvenientes. Marcante do começo ao fim sem precisar de ser um tapa na cara. Extremamente bem pensado que soa como o trabalho mais orgânico e fluido possível. Sensual, elegante, poderoso, reconfortante e emocionante, o álbum tem todas essas características sem soar como um conflito de sensações, mas, sim, uma explosão delicada de sons, texturas e algumas surpresas bem brasileiras. 

Artista com uma coleção de influências musicais longa e diversa, Lianne coloca no álbum uma “cadeia” de referências interessantes e surpreendentes. Apesar de ter o neo-soul como pilar central, a cantora cita nomes como Joni Mitchell, Al Green, Destiny’s Child e Milton Nascimento. Sim, o brasileiro é citado nominalmente pela cantora como uma das influências diretas para o álbum e isso fica bem claro em alguns momentos. O principal e melhor deles é na ótima Can't Fight. É fácil notar a presença marcante, bem vinda e poderosa da nossa MPB em uma batida cadenciada que parece flertar com o samba aqui e ali, mas que é claramente a atmosfera da sonoridade do Milton, especialmente o do Clube da Esquina. Obviamente, tudo é diluído e misturado com as outras influências como, por exemplo, R&B e jazz. E é por isso que a cantora entrega um neo-soul em sua melhor tradução, pois adiciona uma carga necessária, rica e diversa que ajudou o gênero a se transformar em um dos mais importantes nos anos noventa. Devido a esse exímio trabalho de produção que a cantora consegue entregar um cover espetacular e grandioso de Weird Fishes do Radiohead. Sem mudar drasticamente a instrumentalização, a versão ganha contornos soul com a mistura indie/rock da banda, mas com a distinta personalidade de Lianne impregnada do começo ao fim. E a presença da cantora é outro motivo para o trabalho funcionar tão bem. 

Pensado como um álbum conceitual que narra através de ciclos todos os estágios de um relacionamento ao ir do romance até a negação do fim, Lianne La Havas navega por todos os sentimentos que estão entre esses dois pontos como uma arauta da mais pura força, emoção e dinamismo. Sabendo perfeitamente como dosar o seu lado doce com o seu lado explosivo sem pender para nenhum dos lados, a cantora se mostra uma vocalista impecável, versátil e com um timbre perfeito para derreter manteiga congelada no inverno. E isso já é logo percebido na faixa que abre o álbum e também que o fecha: Bittersweet. Ótimo primeiro single, a canção é uma poderosa e marcante balada R&B/soul em que a presença da cantora é como a maior e mais suculenta cereja em cima do bolo que alguém poderia desejar. Não é apenas na grandiosidade que a cantora funciona, mas, também, na simplicidade. Apesar do álbum funcionar melhor quando mais encorpado sonoramente existe um momento de pura delicadeza que funcionar perfeitamente: em Courage, uma tocante e climática balada contida R&B com leves toques de MPB, Lianne impregna a sua voz como um delicado perfume de flores que demora dias para sair da nossa memória sensorial. Outros momentos que merecem destaque são Read My Mind e a sua batida cadenciada, a elegante Please Don't Make Me Cry e doce e melódica Sour Flower. Felizmente, não pedi a oportunidade de apreciar um álbum tão preciso como é Lianne La Havas e ver sua dona dar um passo importante na carreia. Se apenas 2020 tivesse metade da mesma vibe, tudo seria bem melhor.

Nenhum comentário: