Nelly Furtado
Em 2006, o mundo pop foi contemplado com o arrasa quarteirão do The Dutchess da Fergie em que terminei a sua resenha apontado que o álbum “é um marco imperfeito e gigantesco da história do pop que precisa ser celebrado”. Todavia, existe outro marco pop lançado naquele ano que também precisa ser celebrado. Na verdade, ainda celebrando e relembrado. Estou falando de Loose da Nelly Furtado. E a sua história e, principalmente, legado é algo que é mais glorioso e complexo que a gente imagina.
Quando lançou Loose, a canadense Nelly Furtado já tinha experimentado o sucesso com o lançamento do seu debut Whoa, Nelly! (2000) com forte inspiração trip hop e tendo o mega sucesso de I'm Like a Bird que rendeu o Grammy de Grammy Award for Best Female Pop Vocal Performance. Com vendagens de cerca de 6 milhões de cópias, o álbum transformou a cantora em uma promessa pop que não alcançaria imediatamente o mesmo sucesso devido ao desempenho a baixo do esperado comercialmente do seu segundo álbum, o incompreendido Folklore de 2003 que tinha uma sonoridade mais experimental com adições de gêneros como folk e worldbeat. Para seu terceiro álbum, Nelly decidiu se reinventar tendo como inspiração o Ray of Light da Madonna. O presidente da sua gravadora na época sugeriu que a mesma trabalhasse com o produtor Timbaland. É necessário entender um pouco sobre a carreira daquele que viria a se tornar o maior nome artístico dos anos dois mil para a música pop.
Muitos acreditam que o produtor estourou com a sua parceria com o Timberlake, mas não é o caso já que o álbum da Nelly saiu alguns messes antes de FutureSex/LoveSounds. Ou seja, ambos álbuns foram determinantes para a explosão mainstream do Timbaland. Todavia, o produtor/compositor/rapper já era bastante conhecido e importante devido ao seu trabalho anterior que ajudou a moldar o R&B/hip hop do final dos anos noventa e começo dos anos dois mil. Em especial, a parceria frutífera com a Missy Elliott e a modulação da carreira ascendente da Aaliyah. Com essa bagagem pesada e com um senso estético impressionante e revolucionaria, o produtor começou a sua subida ao estrelato sob os holofotes em 2002 com o sucesso da agora controversa Cry Me a River do Timberlake. E o seu envolvimento com a nova fase da carreira da Nelly foi o empurrão final para a era mainstream da carreira do produtor. E, sinceramente, não poderia ter acontecido em um melhor momento para todos os envolvidos.
Mesmo trabalhando com outros nomes como Danja, Jim Beanz, Rick Nowels e Lester Mendez, Loose é um trabalho que saiu primordialmente da mente de Timbaland no encontro com a personalidade da Nelly. Na verdade, o produtor entendeu perfeitamente como usar as qualidades da cantora e moldar perfeitamente para uma sonoridade que fosse comercial o suficiente para um relançamento de carreira sem perder parte da essência já conhecida pelo público. E, queridos leitores, esse aspecto funciona perfeitamente em Loose em todos os sentidos, pois é fácil notar uma diferença imensa entre a artista que cantava que era “igual a um pássaro” para a mesma que procura um parceiro “promíscuo”. Entretanto, ainda vemos a cantora ter esse lado mais experimental/indie aqui e acola em um verniz brilhante e convidativo. Por isso, Loose se torna uma obra tão única ao seu tempo que, apesar de certos tropeços, se mantem refrescante até os dias de hoje.
Acredito que qualquer pessoa sabe qual é a base central do álbum: Promiscuous. Mesmo tendo sida lançada há mais de quinze anos atrás, a canção tem mais de um bilhão de reproduções no Spotify e recentemente teve um novo boom devido ao seu uso como sample de Greedy da Tate McRae. E isso ajuda a mostrar o quanto atemporal e moderno é a canção, comprovando que o trabalho do Timbaland é simplesmente espetacular. Na verdade, a canção pode ser considerada sem nenhuma dúvida uma das melhores canções pop de todos os tempos devido a como todos os seus elementos se encaixam perfeitamente. E mais: como tudo é explorado para fazer uma explosão sonora em cerca de quatro minutos. A batida é marcante, cadenciada, original e, ao mesmo tempo, tão comercial, vibrante e viciante. Todavia, o grande mérito da canção é sua construção vocal que se alinha com a composição em uma conversa/flerte entre a Nelly e o Timbaland durante toda a sua duração. Além da dinâmica original, a química entre os dois é espetacular e a suas performances também são elogiáveis em todos os sentidos. Resumidamente: o céu pop. E para a nossa sorte, Promiscuous não é o único grande momento de Loose.
E é claro que estou falando de Say It Right. “Uma power balada mid-tempo pop com toques de hip hop e R&B, a instrumentalização da canção é um trabalho intricado, ousado e lindamente finalizado. Rico em nuances, poderosa na atmosfera e com fator viciante impressionante, Say It Right é o tipo de canção que entra no nosso subconsciente para não sair sem a gente realmente perceber ou entender de primeira o motivo. Acredito que a canção tem uma capacidade de conseguir soar ambígua sem soar intimidadora é um dos motivos para fazer da canção tão irresistível. Lindamente cantada, o timbre anasalado da Nelly funciona de maneira perfeita para a vibe da canção, especialmente devido a entrega contida, madura e misteriosa da sua performance. Por fim, a composição é espetacular ao não ter exatamente um sentido direto como a própria Nelly afirma, abrindo as possibilidades para desde o fim de um relacionamento até mesmo uma canção sobre auto descoberta de uma pessoa cantando para o seu “eu” anterior””. Existe um problema que impede Loose de ser genial do começo ao fim: os fillers.
Entre as grandes faixas, o álbum peca pela adição de alguns fillers que quebram o ritmo do álbum que estão longe de serem canções ruins, mas estão abaixo da qualidade altíssima que os cercam. E isso deixa o resultado desnivelado, mas nunca desinteressante. Em Maneater, a canção tem a mesma vibe dançante de Promiscuous em um instrumental impressionante, mas não teve o mesmo sucesso comercial que a deixa levemente pálida na memoria do cancioneiro pop. Até mesmo nas baladas existem personalidade que as cercam de combinar com a vibe geral como na ótima All Good Things (Come to an End) (com coautoria do Chris Martin) em que a produção mistura bem o indie folk da sonoridade inicial da cantora com uma roupagem pop. Todavia, a minha balada preferida é a latin pop mid-tempo Te Busqué que mistura inglês e espanhol ao lado do cantor Juanes. Vocalmente, a produção consegue saber como tirar o melhor da voz da Nelly, reduzindo os ecos que o seu timbre distinto pode causar ao colocar holofotes apenas nas qualidades. Além disso, a versatilidade que a mesma apresenta é admirável ao carregar todos os estilos de maneira segura, centrada e cheia de personalidade. Outros momentos que preciso citar é a efervescente Do It, o uso do reggaeton em No Hay Igual bem antes do gênero estourar e, por fim, a delicada In God's Hands. Depois do imenso sucesso do álbum, Nelly lançou mais três álbuns sem ter um décimo da recepção de Loose (gosto especificamente de Mi Plan de 2009), mas acho que nenhum deles foram para alcançar mesmo já que todos possuem um vibe mais indie e experimental. E isso parece ter sido o plano da Nelly Furtado ao provar que poderia ser uma diva pop gigantesca sem comprometer sua identidade para depois voltar a fazer a sua sonoridade da sua maneira. E isso é algo para poucos.
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