20 de agosto de 2016

Primeira Impressão

Love and Hate
Michael Kiwanuka



O segundo álbum do britânico Michael Kiwanuka é muito mais que a prova cabal do seu talento já demonstrado no excepcional Home Again de 2012. Love and Hate é, na verdade, uma avassaladora e contundente crônica sobre os tempos atuais, mas com a cabeça virada para o passado para resgatar uma sonoridade que em décadas passadas era a base perfeita para a mesma função.

Produzido por Danger Mouse (visto recentemente em The Getaway) e os desconhecidos Inflo e Paul Butler, Love and Hate é como se fosse uma viagem no tempo em direção aos anos setenta em que Marvin Gaye decidiu refletir seriamente sobre o mundo a sua volta, lançando os clássicos que redefiniram o soul music: What's Going On de 1971 e Let's Get It On de 1973. No primeiro álbum, Marvin expressou os seus pensamentos em relação a vários assuntos que naquela época eram temas relevantes e que, infelizmente, ainda continuam com a mesmo ênfase como, por exemplo, injustiça social, pobreza, consumo de drogas e, de forma pioneira, aquecimento global. Já no segundo, o cantor fala sobre amor, sexo e todos os sentimentos que ficam entre esses dois. São nesses dois marcos que a produção e Kiwanuka parecem procurar a pilastra base para a construção de Love and Hate, pois é bastante nítido ouvir os ecos de Marvin Gaye a cada segundo do álbum.

Começa pelo incrível sonoridade construída para o álbum: um soul music de uma grandiosidade de tirar o folêgo a cada segundo. Cada uma das dez faixas são verdadeiras excursões vertiginosas em instrumentalizações que parecem querem expressar todo um mundo de emoções e sentimentos. Ao pegar com referência a sonoridade soul dos anos setenta e, claro, tendo como porto seguro o trabalho de Marvin Gaye, Love and Hate abraça uma urgência quase contemplativa. Uma espécie de anomalia temporal ao parecer um trabalho gravado há quarenta ano atrás, mas que também encontra bases sólidas no atual presente devido a presença de traços modernos de gravação. Entretanto, as canções aqui soam completamente orgânicas e de uma fluidez carismática que ajuda a transformar faixas de grande duração em momentos de fácil assimilação por quem ouve. Esse é caso da acachapante faixa de abertura Cold Little Heart e os seus mais de dez minutos, sendo quase metade apenas instrumental. A canção também ajuda a dar o tom da grandiosidade de Love and Hate, mas que tem na presença de uma atmosfera acústica o contra balanço perfeito para não deixar a produção ir além do que é necessário, ou seja, a sonoridade não ganhar ares de soberba e exagero sonoro. Tudo isso é embalado pela magnífica presença dos vocais de Michael Kiwanuka, uma verdadeira força da natureza.

Assim como uma tempestade que começa fraca e aos poucos vai ganhando força, Kiwanuka transita em todo álbum entregando performances inspiradíssimas e um poder contidamente colossal. O britânico não é apenas um cantor com forte presença e alto poder de interpretação, mas, principalmente, é dono de um timbre completamente único e genial. A voz dele parece ser uma junção do soul Gaye com a gravidade de Nina Simone, mas com o forte peso da influência de artistas indie pop/R&B/rock que ajuda a criar a sua personalidade. Na triste I'll Never Love é fácil perceber os vários aspectos que constituem a sua voz em uma performance sensacional. A canção também ajuda, pois a sua simples composição é de um teor dramático impressionante, assim como todas as composições no álbum. 

Ao criar verdadeiras reflexões poéticas sobre o mundo que o cerca, Kiwanuka fica ainda mais perto da poesia de Gaye, apesar de não ter a mesma genialidade. Solidão, família, decepção, corações quebrados e esperanças em encontrar uma saída são os principais temas de Love and Hate, mas é na poderosa critica social que o álbum encontra o seu ápice em Black Man in a White World continua a falar sobre o mesmo tema desde Strange Fruit: o lugar do negro na sociedade. Além das canções já citadas, outros grandes momentos do álbum ficam por conta das faixas Place I Belong, a que dá nome ao trabalho Love and HateRule the WorldThe Final Frame. Love and Hate é um trabalho que merece ser apreciado como um verdadeiro retrato de nosso tempo, mas que não tem medo de olhar para quem ajudou construir essa realidade. E Michael Kiwanuka é o perfeito orador para tais observações.

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