29 de outubro de 2021

Primeira Impressão

Daddy's Home
St. Vincent




Apesar de alguns artistas possam transparecer uma certa constância em suas carreiras nunca duvide das suas capacidades de surpreender e do potencial de inovação que possuem. E mesmo assim é capaz de ainda levar um soco no estômago quando o mundo gira de ponta a cabeça como é o caso do novo álbum da St. Vincent. Sem nunca duvidar do seu talento que vem demonstrando em uma carreira simplesmente aclamado desde o primeiro álbum em Marry Me de 2007, a cantora quebra qualquer tipo de expectativa com o lançamento do espetacular Daddy's Home.

St. Vincent muda totalmente o foco da sua sonoridade indie pop/electropop/art pop para mergulhar de cabeça e sem nenhum tipo de medo na sonoridade dos anos setenta. Ao contrário de outros artistas, a sonoridade aqui não é uma referência usada de base para construir e, sim, a o começo, meio e fim de toda a produção. É como se a produção estive literalmente nos anos ’70 envolvidos em todas a efervescência explosiva da época, mas sabendo olhar de maneira certeira para o futuro. Ao mesmo tempo, porém, a sonoridade do álbum parece como uma viagem ao túnel do tempo de resgate a atmosfera da época sem soar datada ou arrastada. Produzindo todo o álbum ao lado do onipresente Jack Antonoff, o álbum é uma ode, elogio, carta de amor, reconstrução e exaltação de uma mistura de rock, soul, funk, psychedelic e indie pop que era ouvido naquele período de tempo. Entretanto, essa sonoridade é trabalhada pela visão única de St. Vincent, criando em Daddy's Home uma viagem realmente inesperada e de ápices incríveis.

O álbum apresenta um clima novo para a carreira de St. Vincent: a sensualidade. Não importa qual a pegada geral da faixa parece existir um verniz viscoso de uma sensualidade latente e estranhamente pegajosa. Tente imagina uma tarde quente no alto verão em que a luminosidade do Sol está no seu ápice e você está tentando e refrescar com apenas um ventilador velho e bebidas geladas. Essa é a sensação que melhor se aproximar de ouvir o álbum. Felizmente, porém, o que a gente sente ao ouvir Daddy's Home é bem melhor que a cena descrita antes, pois a cantora parece ser a brisa que vem para esfriar. Abrindo o álbum, Pay Your Way in Pain “é como entrar em um caldeirão de referências em uma noite louca de verão. (...) Complexa e, ao mesmo tempo, não muito difícil de se assimilar, a canção é uma dose nostálgica de indie rock dos anos setenta com pinceladas fortes de funk e synth-pop que consegue ser estranha, deslocada e extremamente divertida”. Em seguida, Down and Out Downtown traz a vibe psicodélica com toques de soul e uma pungente cítara indiana que faz a gente ser lentamente envolvido pela teia da cantora. Live in the Dream quebra o fluxo ao ser uma épica balada indie rock/soul rock com vocais etéreos e a assombrosos. É chover no molhado que a parte instrumental é simplesmente perfeita, mas isso seria um crime não mencionar já que cada faixa é um trabalho simplesmente espetacular de criação com nuances elegantes, camadas sonoras que conseguem elevar o material sem roubar a cena de outros pontos e uma inteligência criativa impressionante. E por falar de inteligência, as composições criadas para o álbum podem não ser o passeio no parque para todos, mas, queridos leitores, o resultado é simplesmente genial.

Sem medo de enfiar o dedo na ferida, St. Vincent entrega composições emocionalmente cruas e devastadoramente honestas sobre as suas experiências das mais diversas. Na melancólica e desconcertante My Baby Wants a Baby, a cantora narra a sua saga em sem se envolver com alguém que quer ter filhos, enquanto a mesma não tem esse desejo. The Melting of the Sun é uma classuda e refrescante homenagem a figuras femininas importantes para a cantora como, por exemplo, Nina Simone, Joni Mitchell, Tori Amos, Marilyn Monroe, entre outras. Apesar de toda a força emocional, Daddy's Home é principalmente genial devido as sacadas semânticas acachapantes que a cantora escreve em cada faixa. Um dos melhores exemplos acontece na faixa The Laughing Man. Provavelmente, a faixa mais pessimista do álbum ao relatar os perigos de amar, St. Vincent escreve um verso simplesmente da mais pura genialidade:

Brown liquor, why not? Sure
Like the heroines of Cassavetes
I'm underneath the influence daily

Para quem não conhece a referência, John Cassavetes é um famoso diretor que durante os anos setenta e oitenta escreveu e dirigiu filmes independentes que focavam principalmente em mulheres passando por problemas mentais e emocionais. No verso, a cantora faz referencia ao filme mais importante A Woman Under the Influence (Uma Mulher sob Influência no Brasil). Esse toque é uma amostra da força criativa e refinada inteligência de St. Vincent para conseguir imprimir a sua personalidade. Todavia, o grande momento do álbum é logo em seguida quando a cantora explode da avassaladora Down. A sua batida eletrizante esconde a urgência da composição ao falar sobre se vingar de um homem abusado de maneira incisiva e gratificante. Ao contrário de outros álbuns, Daddy's Home não perde suas forças após o seu ápice, pois o álbum vai em uma crescente de brilhantismo do começo ao seu fim apoteótico com a presença da soul/folk ...At the Holiday Party e sua reconfortante vibe, por fim, a sensacional Candy Darling que ajuda a explicar toda a persona que a cantora assumiu para o álbum. Daddy's Home é um álbum que já nasce atemporal, ajudando a ficar ainda mais fundo a St. Vincent entre os maiores artistas da atualidade.


Nenhum comentário: