20 de dezembro de 2020

Primeira Impressão

Gaslighter
The Chicks



Não é nenhuma novidade ver artistas empenhados em defesas de causas sociais e políticas, mas recentemente um número maior de nomes nos Estados Unidos vem declarando abertamente posições sobre assuntos como o racismo e as eleições para presidente. Um ótimo exemplo de mudança drástica em relação ao começo da carreira em que fazia a egípcia é a Taylor Swift. Saída do country em que, normalmente, existe um imenso conservadorismo, a cantora vem dando a cara a tapa para ao se mostrar defensora de causas progressistas. Apesar da coragem, é preciso relembrar quem pavimentou o caminho com sangue e lágrimas para que a cantora pudesse ter a liberdade que possui hoje. 

Em 2003, as integrantes do Dixie Chicks criticaram abertamente a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Devido a repercussão, o grupo quase foi destruído publicamente, mas, felizmente, saíram por cima depois da verdade sobre a invasão ter vindo a tona e, principalmente, o imenso sucesso do álbum Taking the Long Way que venceu o Grammy de Álbum do Ano em 2007 e com a canção Not Ready to Make Nice levando os gramofones de Gravação e Canção do Ano. Quase quinze anos depois em que a banda ficou em um semi hiato, as integrantes resolveram mudar de nome para apenas The Chicks devido ao dixie ter uma conotação racista e lançaram o oitavo álbum da carreira: Gaslighter. E o trabalho prova a importância do trio como uma voz que deve ser ouvida. 

O álbum funciona em várias frontes ao ser um comeback a altura do talento da banda, uma revitalização da sonoridade country pop, um aceno ao bom e velho country, um álbum de expiação amorosa e, também, uma declaração incontestável das posições da banda. Começo destacando a embalagem. Produzido pelas The Chicks com o onipresente Jack Antonoff, Gaslighter é um moderno, inspirado, coeso e inteligente trabalho de country pop que consegue dosar na medida os dois lados da mesma moeda. A presença de Jack e a sua experiência adquirida ao produzir nomes como Lorde, Lana Del Rey e, principalmente, a Taylor Swift é a chave mestre para que a banda possa introduzir de forma orgânica nuances de indie pop, pop rock e indie rock em um caldeirão poderoso. Em nenhum momento, porém, a sonoridade recorre a saídas fáceis para alcançar essa revitalização da sonoridade. Tudo é construído de maneira a ser a base perfeita para sustentar as ousadias que a produção se propõe a fazer. E por causa disso, o álbum nem sempre soa comercial e fácil de ser apreciado por uma grande parcela do público, mas que encontra espaço para aqueles que conseguem passar esse “problema” ao procurar algo com mais profundida. Um ótimo exemplo é a canção que abre o álbum e, também, serviu como primeiro single: Gaslighter, faixa que dá nome ao trabalho, é “um country pop/power pop produzido de forma refinada por Jack Antonoff. Com um refrão marcante, a canção é tipo de trabalho que vai conquistando aos poucos a cada nova escutada. Isso dá uma certa ofuscada no resultado final, mas é recompensado para aqueles que insistem um pouco mais”. E apesar de toda a qualidade sonora que o álbum apresenta, o seu grande ponto alto  está nas histórias que as The Chicks contam.

Obviamente, a banda possui uma das principais qualidades de um artista country: a capacidade de contar histórias em forma de letras. E isso fica bem claro desde o primeiro momento em Gaslighter, mas aqui é tudo envernizado com um toque excepcional de pop que consegue dá um brilho extra para o resultado final. Esse toque pop é composto por elementos que normalmente não estão presentes tão nitidamente como nas líricas do The Chicks. Letras com empoderadamento feminino encontram uma deliciosa acidez e um humor sincero como é na balada indie pop/country pop Julianna Calm Down que funciona como um guia de como uma mulher dá a volta por cima depois do fim de um relacionamento tóxico ao se valorizar e erguer a cabeça. Colocam o dedo em feridas socias/políticas de forma madura e direta como em March March que cita diretamente um dos temas mais sensíveis nos Estados Unidos: o controle de vendas de armas. Sem soar em nenhum momento forçadas, as composições do álbum parecem como uma conversa com velhas amigas depois de um bom tempo sem se verem em tudo possível é discutido, indo de assunto amplos do campo da política até assuntos mais pessoais. E nesse segundo momento que ajuda Gaslighter a não ser apenas um álbum de panfletagem e, sim, um trabalho capaz de encontrar ressonância em vários campos ao funcionar como uma verdadeira expiação amorosa. Ao refletir pesadamente o divórcio conturbado da vocalista Natalie Maines, o álbum não ganha apenas toques feministas, mas, também, de um bom e velho álbum sobre coração partido. Em Everybody Loves You é possível ver a luta da narradora em viver com sentimentos conflitantes ao saber do mal que o companheiro a fez passar, mas sabendo que ainda resta algum sentimento. My Best Friend's Weddings narra um pouco sobre o começo do amor e o exato momento em que narradora percebeu que a melhor coisa é sair o quanto antes. Fechando o álbum está o verdadeira canto do cisne desse relacionamento na emocionante Set Me Free em que vemos um dos versos mais forte de todo o álbum: 

Decency 
Would be for you to sign and release me 
If you ever loved me 
Then will you do this one last thing 

Entretanto, o melhor momento do álbum ao lado da faixa que dá nome ao trabalho é a deliciosa Sleep at Night que constrói com perfeição esse encontro de country com o pop de forma divertida, orgânica e inteligente ao contar uma história com começo e fim com direito a um refrão sensacional. Ao conseguir unir com perfeição dois opostos em forma e conteúdo, The Chicks retorna ao seu lugar de direito dentro do mainstream ao serem um dos maiores nomes da música country de todos os tempos.

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