13 de dezembro de 2020

Primeira Impressão

Plastic Hearts
Miley Cyrus




Enquanto muitos acham que a constante mudança sonora e de personalidade artística da Miley Cyrus é uma questão camaleônica da sua pessoa, acredito que a verdade seja outra: a cantora nunca soube exatamente onde se encaixar dentro do pop. Devido a sua personalidade pessoal única e experiências de vida, Miley parece que ao atirar para todos os lados, indo do pop teen até o pop experimental, passando pelo country pop e até mesmo o hip hop/rap, parecia que queria mostrar que era mais interessante que apenas uma artista que saiu com uma imagem imaculada da Disney. Dessa maneira, porém, a cantora nunca chegou a lugar nenhum artisticamente, apesar de alguns sucessos comerciais. Então, eis que surge 2020 e parece que algo deu um clique na cantora, pois, depois de descartar o projeto She Is Coming que começou a ser trabalhado no ano passado, a nova era da sua carreira começou com o lançamento de Midnight Sky

Além de ser o melhor single da sua carreira, a canção parece que ajudou a cantora a ligar os pontos para entender qual seria o seu lugar sob os holofotes: a roqueira Miley Cyrus. Mesmo o gênero estando longe dos tempos de gloria comercial e a canção ser envernizada com toques de post-disco, o gênero base da canção surge como um verdadeiro lar para Miley e isso fica mais do que claro com o lançamento de Plastic Hearts que resulta no melhor trabalho da sua carreira. E quando digo o melhor é necessário pontuar que é o melhor por quilômetros de distância em relação a qualquer coisa que a cantora tenha lançado até o momento. 

Na verdade, Plastic Hearts fica por muito pouco de estar a um passo do paraíso ao não ter um toque de genialidade que pudesse o elevar a uns dois ou três degraus acima. Isso não quer dizer que o sétimo trabalho da Miley seja nem perto de ser um ruim ou mesmo mediano, pois estamos falando de um ótimo álbum. E a principal razão para essa conquista é a própria artista que ao encontrar qual a sonoridade em que melhor se encaixa deixa a sua voz realmente brilhar do começo ao fim. Sempre fui um critico de como a cantora entoava boa parte das suas canções, pois ao ser dona de um timbre tão distinto qualquer exagero pode causar um ruído não agradável nos ouvidos. Isso passa longe de acontecer no álbum no instante em que a cantora parece confortável para explorar sem medo as possibilidades da sua voz porque a produção dá a base robusta capaz de amortecer algum possível grande deslize. Funcionando vocalmente melhor que os seus melhores momentos no passado, Miley transita da roqueira enfurecida para a arauta de baladas sentimentais com a mesma força, coerência e brilho e impondo a sua personalidade a todo instante. Um dos melhores momentos vocais é na power balada pop rock Angels Like You em que não é só possível ouvir a qualidade técnica de Miley, mas, também, a emoção que a cantora coloca nas performances. Especialmente o momento que a cantora entoa o verso “Baby, angels like you can't fly down hell with me”, pois é possível perceber bem claro uma das funções de Plastic Hearts: ser um álbum de expiação. 

Miley Cyrus sempre foi uma figura polêmica e complexa, principalmente no momento em que começou a se desvencilhar da sua persona Disney e do seriado Hannah Montana. Seguindo uma cartilha de amadurecimento normal de qualquer ex astro teen, mas mostrando uma personalidade forte, a cantora lutou contra as criticas pessoais, problemas emocionais, inconstância artística e, claro, os altos e baixos do amor. Em Plastic Hearts, a cantora coloca tudo isso a pratos limpos em um verdadeiro grito de libertação, empoderamento e exorcismo de velhos demônios. E tudo isso já pode ser imaginado quando a cantora lançou o seu sensacional primeiro single do álbum: Midnight Sky “é uma empoderada expiação amorosa em que a artista parece colocar de forma honesta o seu ponto de vista em relação as notícias sobre os seus relacionamentos recentes”. Não apenas um dos melhores momentos do álbum, mas como de 2020, a canção é apenas uma ponta do iceberg em relação aos desabafos sinceros de Miley. Na emocionante High, a cantora conta que apesar de ter se livrado do que fazia mal ainda sente uma turbilhão de emoções quando pensa no ex amado. E se existe alguma dúvida para quem é a canção fica fácil adivinhar nos versos: And I think about eventually you're holding me/ And dancing to the record like a movie scene. Qual ex da cantora que fez um filme que tem uma canção tema famosa com ela? Ao contrário de alguns artistas, Miley é capaz de fazer uma reflexão honesta sobre o sua vida sob os holofotes na melódica e sincera Golden G String. E não é apenas tematicamente que Plastic Hearts se destaca, mas também tecnicamente que podemos ver o salto de qualidade diante dos trabalhos anteriores de Miley, sabendo dosar estéticas e estilos associados com o rock, o country/folk e indie pop. E é nesse caldeirão multifacetado que o álbum encontra o coração do álbum. 

Ao mergulhar na persona roqueira de cabeça e sem proteção, Miley resgata um gênero que estava afastado do mainstream com tanto de destaque. A persona não apenas funciona para a imagem já forte da cantora, mas, principalmente, se mostra um acerto sonoro para separar a mesma da multidão. Claro, isso poderia ter caído por terra se a produção do álbum não soubesse traduzir com clareza essa ideia de mudança. Felizmente, apesar de soar às vezes um pouco artificial, o resultado final é um excitante, divertido e orgânico trabalho de pop rock que faz um desfile de outros gêneros e subgêneros que são introduzidos como nuances/camadas para o enriquecimento de Plastic Hearts. Em Prisoner, a parceria com a Dua Lipa, é possível ouvir a elegância de misturar rock com synth-pop em uma canção pegajosa como chiclete recém jogado no chão. Isso é logo contrastado com a pesada pop punk com toques de industrial e uma batida sensual e suja Gimme What I Want. Never Be Me que é uma nostálgica e forte balada indie rock que faz a gente se levado para uma sonoridade saída direto dos anos oitenta. Década essa que influência pesadamente o álbum, pois só assim dá para explicar plenamente o motivo da glam rock misturada com dance-pop Night Crawling com a presença do Billy Idol seja um dos melhores momentos do álbum. É necessário perceber que apesar de um álbum com forte pegada rock é as doses de pop que ajuda a dar liga para o resultado final e que a decisão de ter Andrew Wyatt como o principal produtor é o motivo central da sua fluidez quase impecável. Outros momentos que precisam ser apontados como destaque são a faixa que dá o tom logo de cara para o álbum da punk pop WTF Do I Know e a versão remix de Midnight Sky em Edge of Midnight (Midnight Sky Remix) com a presença de Stevie Nicks. Plastic Hearts é um álbum excitante que consegue emocionar quem acompanha a carreira da Miley Cyrus devido a merecida e esperada evolução artística. Que assim a cantora continua seguindo, mesmo que mude novamente de persona.

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