Kylie Minogue
Existe uma “teoria” que uma diva pop depois de uma certa idade não tem a capacidade de entregar o mesmo desempenho artístico que nos seu áureos tempos. Uma verdadeira bobagem de fãs de divas “novas” que querem desqualificar a história daquelas que pavimentaram a estrada para que as suas favoritas pudessem caminhar. E apesar de realmente gostar da Dua Lipa é necessário admitir que a cantora não teria o mesmo impacto se não tivesse sido pela carreira da Kylie Minougue, especialmente durante os anos noventa e começo dos dois mil. Felizmente, a australiana não precisa ser lembrada apenas na memória dos bons tempos, pois a cantora no alto dos seus cinquenta e dois anos de idade está em ótima forma com o lançamento do mágico Disco que, ao mesmo tempo, consegue remeter a atual tendência da post-disco e ser uma volta gloriosa aos tempos de glória da cantora.
Décimo quinto álbum da carreira da cantora, Disco é como se fosse uma porta para que o público possa voltar a dois passados distintos: de um lado, os anos setenta e a sua inesquecível disco music e, do outro lado, os principais ápices da carreira da Kylie. Após o flerte pesado e morno com country do álbum anterior (Golden), Disco traz de volta a todo o vapor a áurea da persona mais diva que a cantora já alcançou. Sem em nenhum momento querer ou tentar reinventar a roda, a produção entrega uma madura, elegante e carismática coleção post-disco/dance-pop que tem no charme da sua interprete o ponto de ebulição perfeito para elevar tudo a um outro patamar. Para quem conhece um pouco da carreira de Kylie sabe bem que a qualidade técnica de seus trabalhos sempre foi um dos diferencias na sua carreira. E quando essa característica encontra com uma persona artística inspirada como é visto em Disco, o público é agraciado com um verdadeiro presente em forma de álbum. E o álbum é um presente que vai se destrinchando em camadas recheadas de glitter e um toque de leveza em tempos sombrios.
Produzido e gravado em parte durante o confinamento da pandemia, Disco é um álbum que é definido pela própria Kylie como uma forma de escapismo. É por isso que Disco parece como se fosse uma brisa suave em um dia muito quente. Levíssimo como uma pluma, o álbum em nenhum momento pesa para dramas românticos ou reflexões mais profundas sobre a vida, pois Kylie mostra que quer apenas amar e dançar como se não houvesse o dia de amanhã. Logo na primeira faixa já possível notar essa vontade de deixar o mundo real apenas na lembrança: o segundo single Magic, uma reconfortante disco-pop com leves toques de soul, Kylie clama para o seu amado no refrão:
Dancing together
Ain't nothing that could be better
Tomorrow don't matter
We'll make the night last forever
Otimista, alto astral do começo ao fim e de uma graciosidade ímpar, o álbum cria essa visão de como se o Studio 54 tivesse voltado em uma versão romantizada, chic e clean. Em invés de sexo, suor e drogas, Kylie quer amar, ser amada e dançar até o amanhecer. A otimista Celebrate You é sobre amar a si mesma e, principalmente, se deixar ser amada com toques de empoderamento feminino (“Mary, Mary, I'll be with you through the pain/ Mary, Mary, I know that you'd do the same”). Ok, o álbum poderia ter um toque mais acentuado da sensualidade nata da cantora para apimentar o resultado final, mas isso é quase compensado totalemte pelas referências que são espalhadas por todo a duração.
Disco é, como diz o nome, uma volta aos tempos da disco como principal base para a construção da sonoridade. Entretanto, a volta a era das discotecas não é apenas sonoramente, mas, também, em relação a “citações” feitas a grandes sucessos da época. Curiosamente ou não, duas dessas canções que tem essa característica estão entre as melhores do álbum. Sem precisar usar de samples, Kylie evoca claramente o hit Last Dance da Donna Summer na frenética Last Chance. Mesmo tendo atmosferas diferentes e a música de Kilie seja bem mais agitada que a da lenda Donna, Last Chance tem passagens que mostram de forma nítida a sua referência em “This is the last chance/ For the first dance/ Bring your body close”. A passagem faz uma ponte direta com o clássico dos anos setenta em que Donna entoa: Last dance, last chance for love/ Yes it's my last chance/ For romance tonight. Menos conhecida pelo público brasileiro, mas importante para a era disco nos seus últimos momentos, está a genial Last Night a D.J. Saved My Life do grupo Indeep. A canção narra a história de uma mulher que tem a vida “salva” por um DJ que tocou a música certa na hora certa. Em Where Does the DJ Go?, Kylie está clamando para que o DJ possa salvar a sua vida do stress e das preocupações de toda uma semana difícil. E nessa busca, a cantora ainda faz uma citação bem direta a outra canção ícone quando diz: Now I'm leaving behind/ All the stress in my mind/ Singing I will survive (survive). Esse cuidado e conhecimento em relação as canções que pavimentaram o caminho para a carreira da Kylie mostra a a inteligência e o respeito que a artista possui que deveria ser seguido pelas novas gerações. Outra característica que também precisaria de ser estuda é a força carismática da cantora.
É fato que Kylie Minogue não é dona de uma voz poderosa, mas isso nunca parecei importar para a cantora devido a sua gigantesca persona que emana uma poderosa, atemporal e esplendecente áurea de diva. Não é atoa que a cantora é considerada como uma das maiores artistas pop de todos os tempos, sendo chamada de princesa do pop em várias ocasiões. E em Disco é possível visualizar essa alcunha com toda a maturidade trabalhando na pegada do melhor vinho possível já feito. Kylie domina cada canção de uma maneira magnética, graciosa e com uma leveza de saber dosar a sua personalidade com a atmosfera da música. Em Real Groove encara a dama de coração quebrado na pista da dança em uma canção post-disco com tempero de funk da mesma maneira que se aventura em uma estrada cósmica com vislumbres de experimental no single Say Something. Monday Blues mostra o lado festeira sem pensar do amanhã com um refrões mais divertidos do álbum, mas em Dance Floor Darling a mesma está na procura de alguém para dividir os melhores momentos. Encarnando a sua melhor “bad girl” na deliciosa Fine Wine, Kylie exala confiança e sensualidade. Todavia, se você quer ver todo o potencial da cantora é necessário prestar atenção em duas faixas especificas: Supernova é como se fosse um Daft Punk “feito para os gays” by Narcisa Tamborindeguy e I Love It é uma deliciosa e envolvente post-disco que devido a sua letra funciona como a canção romântica do álbum. Apesar de não ser melhor álbum da carreira da Kylie, Disco entra facilmente no top cinco da sua frutífera carreira. Além disso, o álbum é a prova cabal que talento não envelhece e que deveria ser reconhecido por seus méritos próprios por aqueles que acham que pop é apenas bom feito por quem surgiu nos últimos dez anos.
2 comentários:
Esse álbum é incrível. Me fez reascender a paixão que tenho pela Kylie.
Parabéns pelas resenhas sempre muito bem detalhadas. Amo o seu blog e já estou por aqui 7 anos te acompanhando. Tanto que me sinto na liberdade de te cobrar pela segunda vez da nota que esqueceu kkkkk
João Pedro,
Muito obrigado pelos elogios. Fico feliz de ter leitores fieis como você. Fique a vontade para corrigir qualquer erro em qualquer postagem. Principalmente agora que o Blogger mudou o layout de edição e ficou bem complicado de editar as resenhas.
Volte sempre!
Postar um comentário