9 de maio de 2021

Primeira Impressão

Not Your Muse
Celeste




O mainstream britânico é um caso bastante interessante, pois consegue simultaneamente ser influenciado pela indústria estadunidense e ter as suas próprias regras bem especificas. Dentro dessas regras que, na verdade, são mais excentricidades misturadas com características primarias é possível ver artistas que não teriam chances de sucesso comercial trinfarem nas paradas. Esse é o caso da novata Celeste.

Começando a chamar atenção em 2018 ao assinar com uma grande gravadora, a cantora vem colhendo os frutos do seu trabalho ao ganhar o famoso Sound of... da BBC que aponta novos talentos assim como o Rising Star Award do Brit Award. Mais recentemente, a cantora foi indica a três Brit Awards e o Oscar de Melhor Canção pela canção Hear My Voice, tema do filme The Trial of the Chicago 7. E a cantora alcança tanta aclamação e reconhecimento quase que simultaneamente que lança o seu primeiro álbum: Not Your Muse. O trabalho que chegou ao topo das paradas na Inglaterra ajuda a entender dois pontos, sendo um a diferença básica de coloca o mainstream britânico em outro patamar e, primordialmente, a razão por tanto buzz envolta da Celeste.

Not Your Muse é melhor definido como uma mistura de soul, jazz, neo-soul, R&B e pop soul que tem uma atmosfera vintage/old fashion. Longe de qualquer pretensão se soar comercial ou mesmo conectado com tendência radiofônicas, a produção conecta Celeste firmemente com nomes como Amy Winehouse, Adele e Emeli Sandé que conseguiram dentro dessa redoma encontrar o caminho para o sucesso. Sonoramente, a produção não entrega nada de novo sob o Sol, mas, felizmente, a capacidade de entregar tudo de forma refinada e sofistica ajuda o álbum a encontra não apenas o seu ponto de equilíbrio, mas, também, a sua própria voz. Uma voz que a gente conhece de certa maneira, sendo extremamente reconfortante e familiar ao criar uma ligação intima desde o seu começo poderoso. Em Strange (Edit), um dos pontos altíssimos do álbum, Celeste entrega uma balada pop soul contida e avassaladora sobre a devastadora sensação de estar se distanciando aos poucos de quem se ama. Familiar como estar provando um arroz com feijão feito por mãos habilidosas, a canção também ajuda a mostrar que quando Not Your Muse se foca mais na voz de Celeste, o álbum cresce imensamente.

Até poderia tentar comparar o talento vocal da cantora com outras para dar um melhor sentido de noção, mas, sinceramente, isso seria completamente injusto com a força e presença que Celeste é dona. Tecnicamente, a cantora é capaz de sair de uma entrega emocional poderosa como na canção já citada para uma performance menos exigente sem perder, porém, o brilho na R&B/pop em Tonight Tonight para depois voltar a entregar um turbilhão de emoções na climática Not Your Muse. Envolvente, aveludada e com um alcance fora do normal, Celeste é como o Sol que, além de brilhar, se torna todo o foco do álbum em que os outros elementos giram em seu entorno. O ápice acontece na sensacional Beloved: construída como uma vintage/homenagem aos grandes clássicos do jazz entoados por Ella Fitzgerald e Billie Holiday, a canção deixa bem claro a imensa capacidade técnica de Celeste encontra a perfeita “cama” para a sua imensa força emocional. E quando tudo é voltado para acomodar as performances vocais de Celeste, Not Your Muse se torna o grande álbum que a sua construção parece ter tido a ideia de erguer. Todavia, o álbum comete alguns erros que tiram algum brilho do seu resultado final.

O primeiro deles é quando a sonoridade é mais voltado a um pop do que para os gêneros primordiais de referência da Celeste. Não é exatamente um pop massificado e ordinário, mas, sim, um pop contemporâneo e adulto que os britânicos sabem fazer muito bem. Quanto mais old school e raiz, o resultado sonoro de Not Your Muse é eficiente e requintado, pois essa sonoridade é a melhor para acompanhar toda a imensidão e profundidade da voz de Celeste. Outro problema é a longa duração e a quantidade de faixas quando se junta a versão standard com as faixas da versão deluxe, terminando com um total de vinte e duas faixas e cerca de uma e dezessete minutos. Cansativo e um pouco arrastado, Not Your Muse se salva de não ter todas as suas qualidades jogadas ao chão devido a sua solidez artística do começo ao fim, pois o álbum apresenta ótimos momentos durante todo o seu curso. Abrindo o álbum está a doce e empoderada Ideal WomanLove Is Back apresenta uma adorável atmosfera vintage em estrutura jazz/pop soul. A densa e quase sombria A Kiss é um dos momentos que ajudam a corroborar o talento vocal de Celeste em uma entrega cheia de nuances poderosas. A delicada esperança ouvida em A Little Love é tocante, parecendo misturar uma canção de ninar com uma canção de jazz natalina. Da versão deluze, os melhores momentos são o dueto eficiente com o franco-britânico Lauren Auder em Unseen, a indicada ao Oscar Hear My Voice e a ótima regravação de It's All Right do Curtis Mayfield para o filme Soul em parceria com Jon Batiste. Preenchendo um nicho já famoso do soul na terra da Rainha, Celeste é fruto de uma indústria que consegue de alguma maneira equilibrar o lado comercial e o lado artístico de forma realmente louvável.

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