11 de julho de 2021

Antes Tarde do Que Nunca

The Writing's on the Wall
Destiny's Child



Apontar exatamente o momento em que é possível ver o nascimento de uma estrela bem antes do público notar que está diante é um trabalho complicado e, muitas vezes, impossível de estabelecer. Todavia, para alguns artistas surge com uma facilidade impressionante, pois é tão claro como a luz do Sol. Em 1999, a girl band Destiny's Child lançou o seu segundo álbum intitulado The Writing's on the Wall, tornando-se o trabalho que elevou o grupo ao estrelato definitivo. Com vendagem recorde para uma girl group de mais de seis milhões e meio, vários hits atemporais, duas vitórias e quatro indicações ao Grammy, o álbum é uma verdadeira cápsula do R&B feito durante a segunda metade dos anos noventa que envelheceu melhor que o esperado e dono de uma coleção de polêmicas nos bastidores que redefiniram o Destiny's Child para sempre. Todavia, The Writing's on the Wall é o marco inicial mais importante para a trajetória da carreira da Beyoncé já que aqui é onde o seu talento é colocado em evidência de uma forma incontestável, mesmo que a custa de ofuscar suas colegas de grupo.

Quando o então quarteto formado por Beyoncé Knowles, LeToya Luckett, LaTavia Roberson e Kelly Rowland lançaram The Writing's on the Wall no final de julho de 1999, o grupo tinha apenas um álbum na bagagem: o homônimo Destiny's Child de 1998. Alcançando um sucesso apenas moderado, mas com o bom desempenho do single No, No, No que teve a coprodução do Wyclef Jean, o álbum ajudou a girl band a ganhar notoriedade com o público e, principalmente, com a gravadora. Esse meio de campo que ajudou o segundo álbum a ganhar um upgrade de produtores foi feito pelo empresário das jovens: Mathew Knowles, pai de Beyoncé e tio postiço de Kelly.

Durante a gravação do segundo álbum e começo da divulgação, LaTavia e LeToya notaram que havia um favorecimento em favor das duas outras integrantes. No instante que as integrantes decidiram “botar a boca no trombone" na conquista de mais espaço de direto, ambas são literalmente limadas do grupo, sabendo apenas quando o clipe de Say My Name é lançado e foram substituídas por Michelle Williams e Farrah Franklin. Devido aos problemas, as excluídas processaram Mathew Knowles com acusações de desviar recursos do grupo. Para piorar a situação, Franklin decidiu sair do grupo ao notar que não tinha voz para se manifestar. Apesar de todos os problemas, os anos seguintes transformaram o agora trio em um fenômeno mundial. E os resultados finais de The Writing's on the Wall também foram espetaculares comercialmente e artisticamente. Com mais de uma hora de duração, o álbum é um trabalho que ainda se sustenta mais de vinte anos depois, mesmo sendo uma capsula do R&B dos anos noventa e um palco descarada para a promoção do talento da Beyoncé.

Ao analisar todas as dezesseis faixas que compõe o álbum é fácil notar que se foi montado um verdadeiro time de nomes que eram basicamente a elite do mainstream do R&B durante os anos noventa, juntando então novos nomes com pessoas já consagradas. Essa mistura e, obviamente, um orçamento alto para o álbum transforma The Writing's on the Wall em um verdadeiro bufê sobre as nuances do gênero em seu momento mais comercial na história. Antes de falar realmente bem é necessário apontar o principal erro da produção: a tentativa de criar um álbum conceitual. Ao criar um “guia” de regras para relacionamentos em que cada música é uma capitulo, sendo introduzido por um mandamento na faixa anterior, o álbum soa como uma ideia forçada e, principalmente, clichê. Esse detalhe não é capaz, porém, de diminuir a qualidade do álbum que contém algumas das melhores canções da girl band. Uma delas é a recém descoberta pela geração TikTok Bills, Bills, Bills. Muito antes da ascensão sobre empoderamento, o Destiny's Child já tinha declarado que para um relacionamento funcionar é preciso ter equilíbrio entre as partes, incluindo o financeiro. Cativante, viciante e se mantendo bem mais vinte anos depois, a canção é uma amostra sobre a sonoridade geral de The Writing's on the Wall.

É preciso lembrar para aqueles que não viveram a época ou que não tem ideia sobre as suas características que é preciso ter paciência para desfrutar toda as camadas do álbum, pois, assim como qualquer trabalho contemporâneo, o álbum é um slow burn que realmente não tem pressa em sua construção. Com praticamente quase todas as faixas com mais de quatro minutos, a sonoridade é bem mais cadenciada que estamos acostumados a ouvir como mainstream atualmente. O único momento que a batida é aumentada drasticamente é na eletrizante Bug a Boo devido a suas referências pop que destoa das outras faixas. Entretanto, o que poderia ser um erro acaba sendo um acerto devido o seu fator viciante e a sua composição bem mais interessante que se pode imaginar ao contar a história de um stalker/boy lixo que não sabe escutar um não como resposta. Tirando essa exceção, o álbum apresenta a mesma pegada envolvente/sensual/suingada de Now That She's Gone, transitando apenas entre cadencias mais rápidas e outras com pegadas de baladas. Entretanto, não acredite que as canções sejam exageradamente parecidas uma com a outra, pois a produção é capaz de criar personalidade suficiente para aquelas que possam soarem repetitivas. Além disso, existe um fator que ajuda o álbum a realmente ter personalidade: os vocais.

Com uma produção vocal espetacular, The Writing's on the Wall consegue criar harmonias vocais entre as quatro integrantes que gravaram o álbum de maneira que casam todas as quatro distintas vozes perfeitamente. Todavia, é aqui que percebemos também que sempre existiu uma preferencias para uma delas. Como já explicado anteriormente, o álbum foi a primeira e grande oportunidade da Beyoncé poder assumir o posto de estrela ao mostrar o seu talento e carisma ao ser a principal vocalista do grupo e única que teve créditos de produção. E é possível notar que a então jovem que tinha acabado de sair da adolescência se torna a principal voz por quase todo álbum, sendo seguida de perto pela Kelly Rowland, e que boa parte dos clipes e apresentações centram na sua figura. Não chega a ser um caso tão obsceno como o das Pussycat Dolls, mas tudo aqui gera em torno da Beyoncé como figura principal. Ao menos, o investimento foi compensado com a cantora se tornando A Beyoncé que conhecemos. Caso estivesse errado a aposta, The Writing's on the Wall teria também dado errado, pois a cantora que segura parte das principais canções, especialmente a melhor do álbum: a clássica Say My Name. Mesmo entregando ótimos momentos depois, o girl group tem na canção o seu melhor momento, pois é aqui que todas as peças se encaixam perfeitamente para criar uma batida atemporal, um refrão genialmente construído para grudar na cabeça e nunca mais sair e um vocais que realmente mostram o potencial de Beyoncé e a ótima produção vocal. Outros momentos que precisam ser escutados ficam por conta da Jumpin, Jumpin e a balada old fashion Stay. Menos brilhantes, mas que também merecem uma menção a gostosinha Temptation, o dueto com o grupo Next em If You Leave e a produção da então ainda novata Missy Elliott (que se chamava Missy "Misdemeanor" Elliott) em Confessions. Grandioso em todas as suas instâncias, The Writing's on the Wall é o tipo de álbum que precisa ser revistado por quem conhece ou que não tem a menor ideia que o mesmo existe, mesmo que seja apenas para entender o atual cenário musical.

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