The Turning Wheel
Spellling
Existe um tipo de artista que se encontra em falta no atual cenário musical: o artesão. Indo da instrumentalização até a produção das fotos da capa do álbum, o artesão cuida de todos os mínimos detalhes colocando a sua marca do começo ao fim. Ao chegar ao seu terceiro álbum, a cantora Spellling caminha nessa direção ao produzir e escrever sozinha um dos álbuns mais interessantes de 2021. The Turning Wheel é quase artefato feito de maneira manual, mas que resulta em um trabalho glorioso.
A primeira conexão que fazemos com o trabalho de Chrystia "Tia" Cabral, nome de nascimento de Spellling, é com a britânica Kate Bush. E, felizmente, isso não recai sobre os trilhos da simples comparação, mas, sim, ligar as duas artistas serve para entender melhor o feito de Spellling. Ambas cantoras apresentam essa qualidade serem artesãs da música ao comandarem de perto os seus trabalhos em um gênero que, normalmente, é dominado por figuras masculinas por trás das cortinas: o pop experimental. E quem já ouviu algum trabalho da Kate tem ideia do que encontrar em The Turning Wheel, mas, felizmente, Spellling cria o seu próprio mundo espetacular ao seguir uma linha menos teatral e mais soulful.
Complexo, grandioso, intrincado e com uma cartela de cores, texturas e nuances imensa, o álbum apresenta uma extraordinária instrumentalização que consegue sustentar toda a força artista que Spellling constrói ao longo da quase uma hora de duração. E esse imenso cuidado com essa parte é que realmente mostra a essência da cantora. Contando com profundidade de músicos com diferentes instrumentos ao ir do simples piano até o um quarteto de cordas, The Turning Wheel se torna um trabalho realmente magnifico, pois apenas assim é possível uma canção como Emperor with an Egg se tornar um grande destaque. Narrando a história de um pinguim imperador, a faixa apresenta um arranjo suntuoso, refinado e que consegue ficar entre o meio termo entre peça de arte e canção de infantil/ninar sem perder a personalidade da cantora. E essa é outra qualidade de Spellling, a artesã: tirar a beleza dos lugares menos esperados.
Logo de cara, a cantora apresenta a art pop/soul Little Deer que transita entre o delicado e, ao mesmo tempo, encorpada. Com um arranjo que dá para sentir a importância de cada instrumento, a faixa é uma crônica profunda e pungente sobre a finitude da vida que é envolvida com uma fina camada de conta de fadas sombrio. Longo em seguida, The Turning Wheel cria uma espécie de balada pop soul com toques de indie pop em Always que parece pegar influência dos anos ’60 e da Motown, mas com uma adição pesada de experimentação. Essa fusão parece que não foi feita para funcionar, mas Spellling faz dar certo devido também a sua magistral performance. Dona de uma voz que consegue ir do gentil, agudo e melódico até o empostado, grave e poderoso, Spellling consegue captar a essência de cada canção de maneira impressionante. Em Boys at School, uma tocante e devastadora crônica sobre os desafios de amadurecer, a cantora entrega uma verdadeira tour de force impecável e realmente deslumbrante. Já em Revolution, a cantora entrega uma contida e, mesmo assim, poderosa performance que retira cada emoção das nuances da música. Outros momentos de destaque do álbum são The Future e a dramática e aveludada performance de Spellling, o clima indie folk de Awaken, Queen of Wands e os seus sintetizadores sombrios e, por fim, a grandiosidade mágica e sensual de Magic Act. Nem sempre The Turning Wheel é acerto constante, pois apresenta algumas canções que podemos denominar como fillers sem nunca serem exatamente desnecessárias. Entretanto, o trabalho magistral de Spellling mostra que sempre haverá espeço para artistas com esse senso tão especifico para criar a sua arte, mesmo que estejam em extinção.
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