18 de dezembro de 2022

Primeira Impressão

For All Our Days That Tear The Heart
Jessie Buckley & Bernard Butler





Acredito que a atriz Jessie Buckley tenha uma das histórias de carreira mais interessantes e surpreendentes dos últimos tempos. A artista ganhou notoriedade em 2008 quando ficou em segundo lugar em uma competição musical chamada I'd Do Anything que escolheu a protagonista do musical Oliver! do lendário Andrew Lloyd Webber. Sem estrelar o musical, a atriz começou a ganhar pequenos papeis na TV e no cinema, mas sem muito grande destaque. Entretanto, a sorte mudou entre 2018/2019 quando a mesmo foi escalada como coadjuvante da série Chernobyl e, principalmente, como protagonista do Wild Rose. No filme, a mesma interpreta uma jovem irlandesa que sonha em seu uma cantora country que deveria ter tido o seu excepcional tema Glasgow (No Place Like Home) que deveria ter sido indicado ao Oscar. Desde então, Jessie Buckley venha ganhando cada vez mais reconhecimento e destaque, culminando na indicação ao Oscar de Atriz Coadjuvante para a sua performance em The Lost Daughter nesse ano. Além de pavimentar uma nova possível indicação e, possivelmente, uma vitória pelo filme Women Talking, a mesma lançou o seu primeiro álbum. Ao lado do musico Bernard Butler, a artista brilha no modesto e bonito For All Our Days That Tear The Heart.

Guitarrista da famosa banda Suede, Butler se une com Buckley para entregar um robusto, elegante, sentimental e lindamente instrumentado trabalho de folk, indie rock com toques de progressivo e americana aqui e acolá. Apesar de toda a capacidade técnica e criativa, o álbum tem como maior e principal razão de existir a espetacular e genial presença da Jessie Buckley. Com todo o seu estofo técnico desenvolvido pelo teatro musical, a artista adiciona camadas distintas para as performances ouvidas em cada uma das faixas, conseguindo casar de maneira linda, única, inspirada e tocante ao adicionar texturas diferentes que apenas acrescentam força para o resultado final. Na verdade, For All Our Days That Tear The Heart só é um álbum que merece ser descobertos devido a Jessie que se torna a alma, o coração e todo o corpo do álbum. Fazendo uma comparação com a outra atividade da Jessie é como se estivéssemos vendo uma atuação magistral da atriz que está em um filme até bom, mas modesto demais para toda a qualidade da interpretação da sua atriz principal. E o grande momento do álbum é quando Jessie entrega a sua mais poderosa performance na faixa que dá nome ao álbum For All Our Days That Tear the Heart. É notável a construção climática que a cantora vai desenvolvendo até o momento do grande clímax, mas sem nunca passar um centímetro do ponto possível devido ao seu apuro técnico vindo dos musicais. E isso poderia ser a base para um grande álbum, mas a produção de Bernard Butler comete alguns tropeços sentidos ao longo do trabalho.

Como já apontado, o álbum é de uma qualidade técnica absurda, mas faltou certo apuro criativo para pegar todo esse material e estar altura do desempenho da Jessie. Existem uma sensação clara da sonoridade se tornar arrastada em momentos a partir da metade para frente que deixa o álbum cair em uma monotonia sonora que não chega a lugar nenhum. Entretanto, o problema mais claro de For All Our Days That Tear the Heart são as suas bonitas composições, mas sem conexão natural com o público. Jessie faz de tudo para elevar as letras escritas exclusivamente pelo parceiro Butler, faltando, porém, as peças que faz quem escute se identificar com as mensagens das canções. Existe uma espécie de belo vazio quando se lê as letras do álbum que, mesmo sendo enchidas de vida pela forma como a artistas as interpretam, não conseguem serem trabalhos realmente memoráveis. Entretanto, existem alguns momentos que o resultado é aquilo que seria possível se tudo tivesse funcionado de forma azeitada do começo ao fim: a melancólica e deslumbrante Seven Red Rose Tattoos que é dona dos melhores versos do álbum (In a world where love is lost on loners/ I'm on a quest to find love again), a épica faixa de abertura The Eagle & The Dove, a simpática e carismática Footnotes on the Map e, por fim, a tocante Shallow the Water. Apesar desses esforços sonoros é a presença de Jessie Buckley que faz cada segundo de For All Our Days That Tear the Heart valer a pena de verdade. E que maravilhoso é poder presenciar esse talento que merece continuar a ser reverenciada como uma das melhores artistas da nova geração.


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