MAC MILLER
Um álbum póstumo é uma das coisas mais complicadas dentro do mundo fonográfico, pois mexe com uma infinidade de detalhes delicados, sensíveis e complicados. Além de lidar com a dor de fãs e familiares do artista, o álbum póstumo também toca no legado musical que aquele que se foi deixou. Normalmente, a maioria desses tipos de álbuns soam apenas como verdadeiros caça-niqueis na busca de lucrar com a repercussão da morte e da dor que a perda gera no público. E o pior: o álbum não acrescenta nada no legado musical, sendo apenas um compilado de canções que nunca deveriam ver a luz do dia. Todavia, as vezes, aparece um álbum póstumo que quebra as expectativas ao ser o total contrário do que é esperado ao ser uma obra completa, respeitosa e com um peso verdadeiro na trajetória do artista. Esse é o caso de Circles, álbum póstumo do rapper Mac Miller. E para alcançar esse verdadeiro trunfo foi seguido três passos relativamente simples. O primeiro deles foi o respeito. Respeito não apenas a memória afetiva de Mac, mas, principalmente, a memória artística do mesmo.
O rapper vinha construindo uma carreira sólida e respeitável ao longo da sua curta carreira com uma sonoridade que estava evoluindo para um hibrido de rap/hip hop com outros gêneros como, por exemplo, R&B, soul, indie rock e pop. É necessário ressaltar que o mesmo estava em evolução e, por isso, os seus cinco álbuns lançados em vida ainda não estavam completamente pronto e um pouco longo de seu ápice. Entretanto, o artista estava caminhando a passos rápidos para chegar no seu lugar do Nirvana. Infelizmente, esse caminho foi interrompido bruscamente em 7 de Setembro de 2018, mas em Circles o público é presenteado com uma belíssima amostra do que Mac poderia conquistar. E boa parte desse resultado é alcançado devido ao respeito que todos os envolvidos colocam na construção do álbum. Em nenhum momento sentimos que o álbum parece algo forçado como se fosse lançado apenas para aproveitar da situação, mas, sim, um trabalho que se mostra com um passo natural na carreira do rapper se não tivesse acontecido a tragédia. A produção não empurra participações especiais para fazer o álbum render ou tentar vender o artista como algo que o mesmo não era.
Do começo ao fim, o álbum é coeso, fluído e com uma sensação de completude que deixa uma sensação amarga, mas satisfatória, em quem escuta o trabalho. Parte dessa sensação é devido o álbum ter como principal guia final o conceituado produtor Jon Brion que, já tendo trabalhado com Mac anteriormente, puxou para a responsabilidade de finalizar o álbum. Claro, o fato de Mac está trabalhando nesse álbum antes de morrer ajuda o resultado final, pois boa parte da base já estava pronta. Todavia, o respeito que Jon tem sobre as ideias de Mac é o cerne do resultado final, mas a qualidade que o mesmo traz é o segundo passo importante para um álbum póstumo.
Nas mãos de Jon, Circles se torna um refinado, elegante, maduro e elegante trabalho de rap com neo soul que, ao mesmo tempo, eleva a sonoridade de Mac ouvida anteriormente e se mostra como um destino do que já estava sendo construído. Cheio de nuances que adicionam camadas interessantes a sonoridade, o álbum que não parece quer ser perfeito, mas quer mostrar o talento de Mac tinha e que ainda poderia ser visto. Longe de ser um artista comercial ou mesmo querer seguir tendências atuais, Mac buscava o seu próprio lugar ao Sol da maneira que percebia o seu oficio. A faixa Blue World e o seu toque old school e batida cadenciada deixa bem claro o artista que Mac queria ser. Coube a Jon a aparar as arestas, lixar os cantos e adicionar o verniz para unir toda a visão já estabelecida. E isso, o produtor faz com maestria em todo álbum sem se sobressair ou deixar as canções inacabadas. Por isso mesmo, o álbum é tecnicamente perfeito, pois apresenta um complexo e completo trabalho instrumental respeitando, porém, a pegada low profile da sonoridade do rapper. Mesmo assim, ouvir Circles é um trabalho penoso já que as suas composições mostram uma pessoa em busca de algo que, infelizmente, o mesmo não parece ter encontrado em vida.
Mac sempre foi dono de um talento como compositor que sempre se mostrou capaz de ir além do comum que parte dos seus contemporâneos não apenas tecnicamente, mas, em especial, tematicamente. E em Circles o público pode comprovar isso ao ser dono das melhores letras do artista na sua carreira. Profundo, melancólico e reflexivo, Mac discorre sobre solidão, desilusões, depressão, morte e outros temas delicados e, por muitas vezes, extremamente pessoais. Claro, o rapper não tinha ideia que iria morrer, privilegio reservados a poucos como o David Bowie em seu último álbum, e, por isso, tudo ganha contornos ainda mais dramáticos e tristes. É difícil ver e ouvir as reflexões de alguém que tinha uma vida inteira pela frente, mas que também tinha pensamentos tão complexos como o artista mostra em momentos como, por exemplo, na tocante I Can See:
I'm lookin' for balance, I'm in an oasis
Well, I need somebody to save me, hmm
Before I drive myself crazy
E o que deixa tudo ainda mais difícil é que Mac parecia estar em um caminha que achava melhor, pois Circles também tem uma sensação agridoce de esperança e felicidade que deixa quem ouve com um sorriso triste nos lábios. Quando Mac diz "And all I ever needed was somebody with some reason who can keep me sane/ Ever
since I can remember I've been keeping it together but I'm feeling strange" na bela pop soul/neo soul Hand Me Downs parece nascer uma mistura de sentimentos em quem ouve que ajuda o álbum a ser uma lembrança dolorida e, também, uma celebração de Mac Miller. E é essa segunda sensação que está o terceiro passo para que Circles seja um álbum póstumo que deve ser seguido. Mesmo com os sentimentos mistos em relação a ouvir o álbum não tem como negar que tudo aqui é feito para celebrar a vida e a carreira de Mac Miller. Respeitando o seu legado e a sua visão ajuda a incrementar essa sensação. Canções como a que dá nome ao álbum Circles, a ótima regravação de Everybody de Arthur Lee e marcante Hands fazem parte dessa celebração de uma vida incompleta, mas que tem um pouco de encerramento que pouco tiveram com tamanha qualidade. E que Mac Miller possa ser celebrado e lembrado pelo seu talento único.
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