25 de fevereiro de 2020

Primeira Impressão

The Slow Rush
Tame Impala


Um álbum para ser realmente bom não precisa necessariamente ser perfeito. Acredito que existem erros que ajudam de alguma forma o resultado final positivo do álbum. Claro, não é muito fácil alcançar essa façanha, pois, ao frigir dos ovos, um erro ainda é um erro e, também, apontar que tal coisa seja um erro é algum bem pessoal. Na minha visão, então, o Tame Impala cria em The Slow Rush um espetacular álbum que conquista até mesmo nas suas falhas.

Liderado pelo músico Kevin Parker, a banda/projeto musical australiano chega ao quarto álbum de estúdio com uma mudança na sua sonoridade ao ir mais fundo na sua versão de pop em relação ao que mostraram nos álbuns anteriores. The Slow Rush é um incrível, estiloso, elegante e inspirado trabalho que mistura indie pop/rock com doses cavalares de psychedelic pop, e toques de disco music e eletrônico. Totalmente produzido, composto e instrumentalizado por Kevin, o álbum tem uma clara e bem definida espinha dorsal ao pegar uma caminhão de influência dos anos setenta e um pouco dos anos oitenta para criar uma sonoridade que consegue ser simultaneamente nostálgica e moderna ao deixar bem claro a personalidade da banda ao inundar as canções com texturas, nuances e surpresas que nunca deixam o álbum cair na monotonia, mesmo que tenha uma duração de mais de uma hora com apenas doze canções. Cada canção apesenta algo que a diferencie e a faz ter uma personalidade bem definida, pois a sonoridade como um todo não parece adepta de grandes arrombos sonoros ao preferir manter uma linearidade. Nem sempre, porém, Kevin acerta em qual direção seguir na construção de algumas canções, pois é fácil pensar nesses momentos que teria sido melhor caso a produção tivesse seguido outros caminhos. Não é comum essa sensação, pois isso seria um erro irremediável. Felizmente, qualidade empregada e maturidade em saber qual é o seu escopo sonoro e para onde quer chegar ajudam The Slow Rush a colocar esse primeiro problema de lado. A segunda falha do álbum também é maquiada pela qualidade artística de Kevin Parker.

The Slow Rush é sobre, primordialmente, sobre a angústias de relacionamentos modernos e as fobias de viver. Temas que paradoxalmente combinam perfeitamente com uma banda indie e contrastam com a linha sonora que o álbum apresenta. Entretanto, a maturidade lirica que Kevin mostra é o que faz o elo perfeito entre dois polos tão distintos. E mais: a personalidade contemplativa que poderia soar como exagerada é substituída por uma contemplação com os pés no chão e de uma construção bem equilibrada entre o pop e o alternativo. O melhor exemplo disso está na ótima Borderline ao ser ousado o suficiente para saber aparar as pontas em uma composição profundas e, ao mesmo tempo, viciante como uma boa e velha música pop. O grande problema, porém, é que assim como a sonoridade, as composições nem sempre acertam o alvo como deveriam, pois nem sempre a conexão emocional entre o artista e o público parece ser completada com exito. E esse problema é o que mais atrapalha The Slow Rush no seu resultado final, deixando um gosto faltando na boca do público ao ser algo que não combina bem com os outros ingredientes. O que realmente eleva The Slow Rush a um patamar que esse problema é muito bem amenizado é o fato que a instrumentalização é simplesmente genial. 

Normalmente, boa parte do público não se importa muito com a parte mais técnica de uma canção, principalmente quando é mais fácil se identificar e gostar das letras, da batida ou dos vocais. E isso não nenhum problema geralmente, mas em The Slow Rush é preciso um cuidado maior para prestar atenção na verdadeira joia escondida: a sua instrumentalização magistral, épica e impecável. Provavelmente, um dos trabalhos nesse quesito mais impressionante dos últimos anos aqui no blog, os arranjos em todo álbum conseguem não apenas elevar o trabalho, mas, também, "acobertar" quase que totalmente as falhas que o álbum possui devido a sua profundidade, riqueza e grandiosidade. Não importante se a canção erre na sua composição ou na produção, pois a mesma é certeza de possuir uma instrumentalização avassaladora. E o mais impressionante é que Kevin Parker é responsável por todos os instrumentos ouvidos no álbum, ajudando a dar ainda mais força a sensação de estarmos diante de um trabalho genial. Um dos melhores momentos fica por conta da grandiosa Posthumous Forgiveness que nos leva em uma viagem aos anos setenta em um indie rock/neo-psychedelia sentimental e poderoso. A deliciosa Instant Destiny e a disco/funk Is It True que lembram os trabalhos de Michael Jackson nos anos setenta/oitenta também merecem destaque. The Slow Rush é um exemplo de trabalho exuberantemente falha, mas que consegue se redimir devido ao imenso talento por trás que ajuda a transforma-lo em uma obra imperdível.


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