15 de setembro de 2020

Primeira Impressão

folklore
Taylor Swift


Ano louco, né, minha filha? Enquanto escrevo essa resenha que, provavelmente, irá ser publicada alguns dias depois já passamos por tantas coisas como, por exemplo, uma pandemia apocalíptica, uma explosão que devastou metade de uma cidade, um pum de um palhaço e várias outras coisas de diversos tamanhos. Coisas boas? Sim. Apesar de raras, algumas coisas podem ser consideradas auspiciosas como o lançamento de um álbum que veio para consolidar a carreira de uma das principais artistas pop da atualidade. Em folklore, Taylor Swift dá um passo surpreendente ao mostra a sua imensa força comercial e, principalmente, a sua capacidade artística em um álbum surpreendente maduro e profundo.

Devo dizer que nunca foi exatamente fã da Taylor. E mesmo com o crescimento dela aos meus olhos com os lançamentos dos seus dois últimos álbuns, a cantora sempre pareceu uma artista hypada demais para um talento ainda mal lapidado e, por várias vezes, sem graça. O sucesso comercial obtido principalmente após a transição do country pop para o diva pop parece que ajudou a cantora a criar uma fórmula quase pronta de sucesso que se repetiu até o bom álbum Lover, lançado no final do ano passado. Estabilizada como uma verdadeira titã da industria fonográfica, Taylor decidiu seguir o caminho que a Beyoncé fez alguns anos atrás: ligou o foda-se para a indústria ao abrir espaço para o seu desejo e persona artística vir a tona. Dessa maneira parece surgir o que já pode ser considerado como uma virada de mesa na nova era da Taylor: folklore soa como o álbum de expiação da cantora ao ser o seu mais pessoal, menos comercial e definitivamente o melhor até agora.

Ao ouvir folklore é possível notar facilmente que Taylor está começando a sua maturidade artística. O álbum é uma coleção intrigada, coesa e inspirada de canções que conseguem estabelecer uma evolução sonora e, ao mesmo tempo, retornar de certa forma as raízes da cantora como adulta. Tente imaginar o álbum como um Man of The Woods que realmente deu certo. Uma das razões para a elevação do álbum em relação aos trabalhos anteriores é a consagração definitiva da compositora Taylor. Entregando as suas melhores letras até o momento, a cantora consegue abrir o seu coração de uma maneira que coloca completamente abaixo a minha sensação de que a cantora queria sempre soar desesperadamente descolada, inteligente e profunda. Em folklore, porém, Taylor consegue parecer todas essas coisas de forma natural, orgânica e, várias vezes, genial. Uma das razões para isso está no fato de Taylor realmente parecer não dar atenção para o que os outros irão pensar sobre o que a mesma está escrevendo, tirando um peso importante e limitador de sua liberdade. Outra razão são as constantes parcerias entre Aaron Dessner e, principalmente, a de Jack Antonoff que ajudam a condensar ideias e dar essa coerência imprescindível para o resultado final. Entretanto, a grande razão para Taylor chegar no alto nível de qualidade lírica ouvida aqui é o nascimento por completo da sua faceta contadora de história que mostra perfeitamente as origens de Taylor que são fincadas no country.

Para quem conhece um pouco sobre o country sabe que o gênero tem a grande qualidade de ter em suas letras "histórias" que são contadas através de versos e rimas. Algumas vezes, as composições são quase como pequenos contos com começo, meio e fim. Outros casos, porém, a qualidade de contar bem uma história se aplica a maneira de expressar as emoções que o artista escolhe para enfatizar na composição. E essas duas vertentes podem ser vistas claramente em folklore. Taylor faz um desfile cheio de nuances em uma coleção de temas que navegam entre desilusões amorosas, corações quebrados, amores impossíveis e romances melosos.  Um dos grandes momentos líricos do álbum ficam por conta da ótima The Last Great American Dynasty. Ao contar sobre a vida tumultuada da socialite Rebekah Harkness, que a cantora comprou a casa em que vive atualmente, Taylor traça uma comparação direta entre as duas com essa "personagem" de forma sutil. Ao contrário de boa parte da sua discografia, a cantora parece finalmente querer mostrar o seu lado verdadeiramente íntimo e, não, envernizar o que era para ser confessional em uma pretensiosidade calculada e artificial. Parece que realmente as paredes da artista foram ao chão e o público está vendo com mais clareza quem é a pessoa por trás da diva pop. Sem perder, porém, o excelente apuro lírico que sempre demonstrou, a cantora cria no álbum sobre expiações pessoais que não soa indulgente ou repetitiva. Outro ponto importante e que ajuda a entender a força da composição em folklore é que até nos momentos menos inspirados existem ótimas passagens líricas que deixam bem nítido a qualidade que Taylor colocou em todo o álbum. Uma pena que sonoramente o álbum ainda mostra que a cantora ainda precisa de alguns acertos pontuais.

Apesar de ser vendido como uma mudança drástica na sonoridade de Taylor, folklore não apresenta muita coisa nova na construção da sonoridade da cantora ao ser um inspirado, mas contido trabalho de pop com fortes e presentes cores de indie pop/folk. Refinado do começo ao seu último segundo, o álbum apenas avança na sonoridade que a própria já flertou várias vezes, sendo escondida em uma camada pesada de um pop mais comercial. Dessa vez, essa camada é apagada e transformada em algo mais adulto, artístico e pomposo que funciona devido ao ótimo trabalho de instrumentalização e a produção segura de Dessner e Antonoff. Por exemplo, Cardigan, single que deu um novo número um a artista, passa de uma balada pop enfeitada com perfeição para soar com um trabalho mais profundo e substancial. Entretanto, o grande problema da produção com um todo é a construção visual de cada canção. Explico: a maioria das faixas apresentam uma estrutura que se repete de forma esquemática ao serem compostas de um verso, uma "ponte", o refrão, outro verso e, talvez, outra ponta, o refrão, um novo verso e, por fim, a quebra de expectativas ao inserir um novo verso, deixando de lado a repetição do refrão. E você se pergunta: qual o problema? Explico: essa escolha para fazer as faixas terem uma estrutura que fujam do clássico pop se torna repetitiva ao longo do álbum, tirando a graça para as possíveis surpresas que poderiam surgir e até mesmo querer soar superior por ser "conceitual". Faltou ousadias para conseguir elevar o material já de qualidade que a cantora tem em mãos. Correr alguns risco aqui e ali para que o público possa ouvir e pensar: "uau, essa música é da Taylor Swift?". E não repetir a mesma expressão: "uau, essa é uma ótima música da  Taylor Swift sendo a versão melhorada da Taylor Swift!". Não pense, porém, que não existam momentos que a cantora não alcance esse patamar de qualidade.

Exile, parceria com o cantor indie Bon Iver, é o ápice de folklore. Não apenas a interessante estrutura da canção que começa pelo convidado e a sensacional química dos dois, mas a primorosa composição sobre o doloroso fim de um relacionamento é de uma beleza melancólica ímpar que a ajuda a transformar na melhor canção de Taylor da carreira:

I think I've seen this film before
And I didn't like the ending
You're not my homeland anymore
So what am I defending now?
You were my town
Now I'm in exile seein' you out
I think I've seen this film before
So I'm leaving out the side door

Outros dois momentos realmente muito acima da média ficam por conta da melancólica descrição sobre um romance secreto e pecaminoso na indie/folk pop Illicit Affairs e na empoderada sobre se sentir furiosa por se tratada desrespeitosamente em Mad Woman. Agora devo falar de algo que, felizmente, não altera o resultado final, mas é um ponto importante sobre a Taylor: a sua voz. Dona de um timbre delicado e alcance limitado, a cantora entrega as suas melhores performances da carreira. Entretanto, fico imaginando o poderia resultar se a cantora tivesse uma voz com mais alcance e versatilidade, adicionando nuances e complexidade para as faixas. Como disse antes, esse detalhe é apagado devido as sólidas performances de Taylor que transmitem adequadamente as emoções expressas no álbum. Além das canções já citadas, outros momentos que merecem destaque é a quase dançante indie pop/post-disco/pop rock Mirrorball, a delicada e confessional This Is Me Trying com uma forte influência dos anos noventa, a romântica Invisible String e, por fim, a country/indie que Taylor assume a perspectiva de um jovem traidor em Betty. Com folklore, Taylor Swift parece dar o seu passo definitivo para a glória e, sinceramente, não vejo a hora para escutar o ápice verdadeiro da sua carreira. Espero não estar errado.

Nenhum comentário: