24 de abril de 2021

Primeira Impressão

Collapsed in Sunbeams
Arlo Parks



O debut de um artista é normalmente um testamento sobre o seu futuro, pois é a primeira chance do mesmo mostrar ao mundo qual é exatamente a extensão do seu talento. Nem sempre é possível ter uma visão clara de qual é a personalidade artística já que existem diversos fatores que podem atrapalhar o resultado final como, por exemplo, amarras da gravadora, inexperiência do artista e até mesmo a própria percepção do público. De vez em quando, porém, um artista novato consegue logo no seu álbum de estreia mostrar com clareza impressionante para o que veio de forma que não deixa dúvidas sobre o seu talento. Em Collapsed in Sunbeams, Arlo Parks estabelece a sua persona artística da melhor maneira possível: arrebentando quaisquer expectativas e, principalmente, dando alguns tapas na cara do público.

Britânica de nascimento de pai nigeriano e mãe franco-ganesa, Anaïs Oluwatoyin Estelle Marinho, nome de nascimento de Arlo Parks, parece ser o tipo de artista que, apesar de diversas referências fazerem parte da sua sonoridade, consegue muito facilmente demonstrar exatamente qual é a sua personalidade. E é através da construção das suas composições que a artista revela ao mundo a sua imensa e devastadora capacidade de falar sobre as pequenas grandes aventuras do dia-a-dia. Escrevendo a maioria das suas letras em parceria com poucos colaborados, sendo o principal deles o produtor da maioria das faixas Gianluca Buccellati, Arlo é capaz de ser sucinta em palavras, mas com intenção por trás de cada verso capaz de ajudar a dilacerar corações com a suas observações afiadas como facas de açougueiros. A capacidade de dissecar os sentimentos mais complexos em construções de imagens que transitam entre a poesia urbana e a estética de canções pop é a cereja em cima do bolo. Entretanto, também é a liga que não faz de Arlo mais uma outra artista que tem muito a falar sem saber como expressar os seus pensamentos. Referências pop, imagens de uma vida corriqueira, observações sarcásticas e um véu de melancolia costuram os momentos mais devastadores de Collapsed in Sunbeams.

Em Hope, Arlo entregue uma delicada e animadora crônica sobre ter esperança mesmo que tudo em volta esteja completamente nas sombras. Longe de qualquer semelhança com letras de auto ajuda, a cantora transforma a canção em uma quase conversa informal com um amigo enquanto toma um café em uma tarde chuvosa. É possível sentir os sentimentos verdadeiros da narradora sem precisar soar dramático e/ou piegas. E é nessa força despretensiosa que Arlo também discuti sobre as feridas que a vida nos dá, mas que precisamos aprender a viver com a dor para podemos crescer na ótima Hurt. No papel, o tema é batido e piegas, porém o verniz moderno e inteligente consegue tirar qualquer ameaça desse tipo, sabendo misturar perfeitas citações pop em passagens devastadoramente reais:

Charlie melts into his mattress
Watching Twin Peaks on his ones
Then his fingers find a bottle
When he starts to miss his mum

Entretanto, Arlo Parks também é capaz de falar sobre sentimentos menos contemplativos da mesma maneira. Esse é caso de um dos grandes momentos do álbum: Too Good. Uma delicada, realista e deliciosa crônica sobre as dores e prazeres de se apaixonar e as pequenas coisas que parecem serem desproporcionalmente gigantescas. Apesar de boa parte da qualidade de Collapsed in Sunbeams vim do nível alto das suas composições é necessário falar que tudo poderia ter outro caminho se a sonoridade não fosse o contraponto ideal.

Sonoramente, não espere algo revolucionário, mas, sim, uma mistura calibrada, elegante, inteligente e bem pensada de indie pop, pop soul e neo soul. Lembrando em certo aspecto a sonoridade da Lily Allen no começo da carreira, Arlo e o produtor Gianluca Buccellati entregam algo de uma delicadeza tão cristalina que até mesmo nas canções mais densas é criado uma bem vinda sensação de leveza que consegue combinar com as escolhas estéticas e ser o contraponto ideal para a força emocional. Quem ouve de forma menos atenciosa as canções em Collapsed in Sunbeams pode até achar que está diante de um trabalho carismático, mas superficial. Isso pode ser considerado um defeito para alguns, porém, a minha visão é que a sonoridade transmite algo que demanda quem escuta a olhar com atenção as entrelinhas, camadas e esconderijos que são construídos pela produção. O single Green Eyes é uma “uma deliciosa pop soul/R&B que fica entre a sonoridade do começo da carreira da Lily Allen misturada com algo que a Lianne La Havas entregaria. Todavia, Arlo tem personalidade artística suficiente para limpar o ar e deixar essas comparações apenas como influências, criando uma canção que se sustenta perfeitamente por si”. Em Just Go, a cantora mostra como entregar um filler com personalidade completa e de uma graça tocante que com delicadeza fala sobre como dar um pé na bunda. Densa, sombria e tocante, For Violet parece uma carta aberta sobre problemas familiares e os lanços que nos unes a quem amamos. Eugene é uma devastadora história sobre amores platônicos que podem ou não serem correspondidos. Todavia, o grande momento de Collapsed in Sunbeams é em Black Dog. A canção retrata as emoções, dores e esperanças sobre ajudar alguém que sofre de depressão. E a força sentimental encontra no doce timbre de Arlo a tradutora perfeita para carregar todo esse peso emocional. A beleza devastadora do dia a dia é expresso em Collapsed in Sunbeams em que Arlo Parks finca os dois pés com força descomunal, abrindo o começo de uma jornada que prometer ser lendária.

Nenhum comentário: