6 de agosto de 2023

Primeira Impressão

Gag Order
Kesha




Kesha é uma das artistas que mais cresceram no meu conceito. Obviamente, tudo a cantora passou na sua vida pessoal é algo que tem um peso na visão sobre a mesma, mas é necessário pontuar que a evolução sonora e artística é algo elogiável e impressionante. Depois de atingir certa liberdade com o lançamento no magnifico Rainbow de 2017 e o divertido High Road de 2020, a cantora faz a sua derradeira despedida da gravadora ligada ao seu abusador com o lançamento de Gag Order. E, queridos leitores, a mesma resolveu ir com um verdadeiro bang ao fechar um dolorido, complexo e tumultuado capitulo da sua vida.

Gag Order é sem nenhuma dúvida o trabalho mais experimental e maduro da carreira da Kesha, mesmo não sendo o melhor de uma maneira geral. Com auxilio na produção do lendário Rick Rubin, o álbum é uma mistura de indie pop, art pop, alt pop, experimental, eletrônico e psicodélico com toques de synth-pop, country, R&B e pop rock que consegue criar uma impressionante, coesa, pungente, madura e revigorante sonoridade que mostra o verdadeiro potencial da Kesha ao ser uma artista com uma visão própria e verdadeira. Não é inovador ou de uma genialidade fora do comum, mas, sim, extremamente bem feito, criativamente honesto e inspirador. Apesar de achar a jukebox de Rainbow mais efetiva como um trabalho completo, Gag Order conquista pela maneira fluida que toda a atmosfera vai sendo costurada ao logo das treze faixas que o compõe. Sem tempo para grandes momentos fillers, o álbum é um constante e coeso fluxo de quebras de expectativas, adições de nuances, mudanças de texturas e saídas surpreendentes que vão surgindo de maneira natural sem soar nada forçado ou/e rápido demais. Existe uma velocidade em que as coisas vão acontecendo em que a produção ajuda Kesha a convidar quem escuta a entrar nessa viagem. Apesar da ótima produção, o que Gag Order realmente brilhar é a excepcional presença da cantora aliado com uma sensacional produção vocal e as devastadoras composições.

Vocalmente, o trabalho é o melhor da carreira da Kesha até o momento, pois dá para a mesma o espaço necessário para realmente explorar diversas possibilidades que mostram perfeitamente o alcance, a versatilidade e a sua força emocional. E com essa liberdade conquistada é possível perceber que a cantora continua a explorar ainda mais tudo que a sua voz pode atingir quando a mesma está com o controle. Apesar da sua imensa presença é necessário apontar que o toque de mestre é o que a produção vocal consegue fazer em todas as canções do álbum ao saber dosar os momentos naturais da voz de Kesha com o uso de efeitos. No passado, a cantora tinha toda a sua persona vocal lingado ao uso de auto tune que deixou por muito tempo essa impressão que a mesma era uma artista “plastificada”. Entretanto, o lançamento de Praying mudou tudo isso e a Kesha vem evoluindo cada vez ao longo dos anos. Em Gag Order é o momento que existe a melhor e mais refinada fusão entre esses dois mundos. O momento que melhor captura isso é na estupenda Only Love Can Save Us Now. Melhor canção do álbum ao ser uma ousadíssima e deslumbrante fusão de industrial/eletrônico nos versos para depois explodir em um refrão gospel/country, o single também deslumbra pela maneira como é entoado pela Kesha devido a sua magnética performance e a inteligente produção que calibra perfeitamente os dois opostos dos vocais. Tudo isso é a perfeita execução para o incrível trabalho lírico que é visto no álbum.

Em Rainbow, a cantora estava interessante na sua expiação da dor em “não ter medo de colocar a mão direta na ferida e colocar na mesa todos os sentimentos sombrios e dilacerantes que a cantora guardou nos últimos anos”. Em High Road, a cantora estava “mais preocupada no conteúdo do que as suas letras apresentam. Divertida, irônica, brega quando precisa e séria quando o momento pede, as composições em High Road representam perfeitamente o atual estado da vida da cantora”. Já em Gag Order, a cantora está claramente no momento de refletir sobre o passado ao querer finalmente se mostrar pronta para realmente continuar mentalmente e emocionalmente. E isso é alcançado de maneira mais honestamente devastadora ao relatar, refletir e expor sobre a sua luta contra depressão, a sua busca por espiritualidade, a sua relação com a fama e, claro, os abusos que a sofreu. E, apesar de falar com a mesma categoria em todos os tempos, é desse último tópico que saem os mesmos momentos, pois, além da impressionante maneira como a mesma faz a sua construção lírica, o assunto é trazido a tona várias vezes sem precisar tocar no nome do seu algoz ou falar diretamente sobre o assunto. Acredito que a mesma literalmente não pode se referir ao assunto devido uma ordem judicial (o próprio nome é uma referencia a um termo judicial que impede alguém falar sobre um processo), mas a decisão dá para a cantora e o seu time de coautores como, por exemplo, a sua própria mãe Pebe Sebert o espaço para encontrar maneira de falar de maneira indireta e contundente. Um ótimo exemplo é no single Fine Line em que “refletindo de maneira desconcertante sobre a sua vida pessoal e profissional nos últimos tempos com referências a fatos que aconteceram com a mesma como, por exemplo, a citação direta com o seu hit expiação Praying no verso “God, some things never should be forgiven”, a cantora entrega o tipo de letra tão crua, honesta e sem firulas que falta para várias das suas contemporâneas”. The Drama, uma inusitada e revigorante electropop, art pop e pop rock, lida com a visão que a artista tinha de si mesmo durante seus momentos de fundo do poço (“I'm bored and I'm broken/ I'm self-destroyin'/ At least it's something to do”). Em Hate Me Harder, Kesha manda um recado direto de um pessoal que já pagou todas suas dívidas para os haters (I've graduated/ From carin' about your opinions/ Tell you the truth, babe/ I'll never know that you existed). Por fim, a canção termina de certa maneira positivamente com Happy que é mais sobre seguir em frente do que ser finalmente ser feliz, mas acredito que seja o que a cantora esteja no caminho. Outros momentos do álbum de destaque ficam por conta o ótimo abre-alas em Something to Believe In que dá perfeitamente o tom de todo álbum, o single Eat the Acid com a sua “batida sombria e quase hipnótica que cria uma atmosfera pesada, ácida e levemente perturbadora. Funciona devido a boa condução da produção e, principalmente, como o seu arranjo vai fluindo de maneira natural para o grande clímax final” e, por fim, a tocante e simples All I Need Is You. Sem nenhum tipo de promoção da gravadora que enviou pouquíssimas cópias para lojas físicas, Gag Order estreou em 187° na Billboard como apenas cerca de 8 mil cópias vendidas. Apesar disso, o álbum é um marco importante para a carreira da Kesha que marcar o final de uma era sombria para que começa uma nova vida artística e, espero, pessoal.



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