Primeira Impressão

Norman Fucking Rockwell
Lana Del Rey

Gostar da Lana Del Rey é um gosto adquirido. Se uma pessoa nunca gostou da sonoridade da cantora desde o seu estouro inicial não será agora que irá cair de amores por ela. Claro, isso não é algo impossível de acontecer, mas é uma situação bem improvável devido a sua estética peculiar e, digamos, polêmica. Dito isso, qualquer pessoa, admiradora ou não, precisa reconhecer que a cantora conseguiu ao longo dos anos construir uma carreira extremamente sólida ao passar a suspeita que seria apenas uma artista de um feito apenas e, principalmente, conquistou boa parte da critica que desconfiava e, até mesmo, a criticava duramente. E ao chegar ao seu sexto álbum, Norman Fucking Rockwell, Lana chega ao topo dessa conquista com um álbum que vem sendo considerado por muitos não apenas o seu melhor, mas como o melhor do ano. Enquanto a mim, sempre gostei da Lana Del Rey e, por causa disso, posso dizer com propriedade: Norman Fucking Rockwell é um álbum muito bom, mas está bem longe de ser a obra de arte que muitos estão pintando por aí. 

A primeira e mais importa coisa a falar sobre todo o álbum é que Lana está no topo da sua capacidade de compositora. Claro, a cantora trabalha com alguns nomes para construir as composições em Norman Fucking Rockwell, mas é nítido que cada verso, cada estrofe e cada decisão tem a marca total da mentalidade artística da cantora. Tematicamente, o álbum ainda gira em torno sobre os velhos temas que Lana adora falar: homens irresistivelmente problemáticos, mulheres complicadas que transitam entre a empoderada e a submissiva, relacionamentos cheios de amor e igualmente tóxicos e muitas referências vintages que vão do pop ao rock em apenas um ou dois versos de distância. Entretanto, a maneira como Lana descreve tudo isso é está claramente diferente, amadurecido e com um sabor levemente mais doce que amargo. Acredito que analisar de uma maneira geral a mudança poderia não passar toda a minha visão. Para isso, a melhor forma é analisar a canção que abre o álbum, pois a mesma dá com clareza a mudança sentida em todo. 

Norman Fucking Rockwell, a canção, é um trabalho que a primeira vista parece o típico da Lana, mas é necessário olhar com atenção a sua excepcional composição para notar que realmente as aparências enganam. Como sempre, a canção tem como temática a atração que a cantora sente por homens problemáticos, porém, como dito anteriormente, a perspectiva da letra é bem diferente emocionalmente. Dessa vez, Lana não se mostra subserviente a seu parceiro/amante/namorado, pois a cantora percebe que está lidando com o famoso "boy lixo". E isso fica bem claro logo nos primeiros versos da canção:

You're fun, and you're wild
But you don't know the half of the shit that you put me through
Your poetry's bad, and you blame the news
But I can't change that, and I can't change your mood

Cansada do relacionamento devido ao comportamento de quem ela chama de "crianção", Lana apresenta até então uma faceta que a mesma nunca tinha mostrado ao querer meio que quebrar um vicio/habito. Querer é, entretanto, poder, pois não há um indicio concreto na música que a cantora irá realmente se livrar desse fardo em forma de homem, sendo Norman Fucking Rockwell termina mais como um desabafo. E isso é algo bastante drástico em relação ao que já ouvimos Lana declamar ao longo da carreira, pois é necessário lembrar que a mesma declarou que tinha "nascido para morrer" ao lado do seu amado. E não é só nessa nítida mudança que afetou significantemente a escrita da cantora.

Amadurecida e completamente segura do seu oficio, Lana entrega as composições mais belas e refinadas esteticamente. Criando imagens de uma beleza única e com a sua personalidade em cada verso, Norman Fucking Rockwell é como se fosse uma pintura feita por um artista moderno que, ao mesmo tempo, retrata a atualidade com cores vintages e, na maioria das vezes, em auspiciosos tons pastéis. Lindo, melancólico e, surpreendentemente, com pinceladas de um bom humor ácido que até então não estava na paleta de cores da cantora. Entretanto, apesar de todas essas qualidades nítidas, o álbum ainda sofre de um problema que remete ao começo desse texto: se você não tiver um gosto pela cantora, não será as letras aqui que irão mudar o seu pensamento. E isso é ainda uma trava para que a cantora possa realmente alcançar o seu ápice ao encontrar um modo que, sem perder a personalidade, possa conectar emocional com qualquer pessoa de alguma forma e, não, ser uma artista que difícil acesso. Dito isso, é necessário apontar alguns momentos que demonstram com exatidão essa capacidade de expressão quando em California oferece a mão para um amigo em sérios problemas diz: "You're scared to win, scared to lose/ I've heard the war was over if you really choose /The one in and around you.". Ou quando discorre sobre ser feliz na tocante Happiness Is A Butterfly declara de forma avassaladora "Happiness is a butterfly/ Try to catch it, like, every night /It escapes from my hands into moonlight." Acompanhando a sua evolução como compositora, Norman Fucking Rockwell mostra a cantora na seu momento de maior coesão sonora. 

O quesito que mais mudou desde o começo da sua carreira, a sonoridade da cantora foi de um pastiche deliciosa para uma presença orgânica, encorpada, dona de uma força emocional impressionante e, dentro dos parâmetros para a Lana, bastante versátil. Tecnicamente, o álbum é um indie pop/rock que vai agregando subgêneros como, por exemplo, soft rock, psychedelic rock/pop e até mesmo algumas doses de folk aqui e ali. Não é algo que seja novidade para a sonoridade da cantora que sempre mostrou uma queda para esse tipo de sonoridade com um forte apelo vintage. Em Norman Fucking Rockwell, a cantora consegue demonstrar de forma clara a sua evolução sonora ao ser um trabalho adulto, produzido com uma inteligência impecável e uma atmosfera coesa do começo ao fim. Grandioso dentro da sua narrativa de se fazer parece contido, lidamente instrumentalizado em todas as faixas e atual ao olhar para o passado, o álbum tem na figura de Jack Antonoff o capitão perfeito que é claramente responsável por, ao mesmo tempo, por dá liga ao resultado final e elevar a sonoridade de Lana. É fácil de perceber isso quando o mesmo consegue dar um brilho diferente para canções que poderiam se torna comuns e desinteressantes como, por exemplo, a elegante balada indie pop Love Song e a emocional indie rock/folk The Greatest. Todavia, problemas de execução atrapalham o álbum de alcançar um nível que a cantora ainda não chegou ainda. O primeiro deles é a sua longa duração. Com quase uma hora e dez minutos, Norman Fucking Rockwell apresenta alguns momentos arrastados em seu "miolo", deixando a experiência de ouvi-lo um pouco entediantes. Um álbum com uma edição enxuta poderia eliminar esse erro e, até mesmo, ser um dos catalizadores para Lana chegar na sua glória sonora. Outro problema e acredito que esse seja o mais difícil, pois é parte da anatomia da persona artística de Lana, é a acessibilidade complicada que a sonoridade de Lana possui em relação ao uma boa parte do público. É difícil, pois se a mesma mudar drasticamente é capaz de alienar os seus fies fãs e ainda não alcançar o resultado desejado. Por causa disso, faixas como How To Disappear, Bartender e a ótima regravação de Doin' Time se tornam trabalhos que são excepcionais, mas que não terão a aclamação merecida por parte do público. Existe, porém, um momento em que é possível ver todas as peças se encaixando em que a cantora entrega não apenas a melhor canção do álbum, mas, sim, a melhor da sua carreira: Hope Is A Dangerous Thing For A Woman Like Me To Have-But I Have It é a sua magna carta e, sem nenhuma dúvida, uma das melhores canções da década. Norman Fucking Rockwell não é o álbum da vida da Lana ou aquele que irá converter quem não gosta dela. Norman Fucking Rockwell  é, na verdade, o ato de consolidação definitiva de uma das artistas interessantes, icônicas e polêmicas surgida na contemporaneidade.