Rihanna
Normalmente, quando um artista lança um álbum dublo é para expressar um conceito em que cada uma das metades tem uma história ou/e estética diferentes. Com o surgimento do CD, a tática de álbum começou a cair em desuso, tornando-se atualmente na era do streaming algo quase mítico. Entretanto, existe um álbum duplo que alcançou imenso sucesso sem precisar ser um trabalho lançado dessa maneira. Estou falando de Rated R (2009) e Loud (2010) da Rihanna. Lançados logo após dois dos principais momentos da vida da cantora, os dois trabalhos podem ser facilmente vistos como um álbum duplo conceito, mesmo tendo sido lançados com um ano de diferença. E você pode está se perguntado como isso é possível. Para isso, é necessário um pouco de contexto.
Em 2007, Rihanna tinha visto a sua carreira ser levada a estratosfera com o lançamento de Good Girl Gone Bad e o mega sucesso de Umbrella. De promessa com dois canções de sucesso, a cantora se tornou a principal diva pop do momento com uma vendagem de cerca de nove milhões, um Grammy e uma carreira brilhante pela frente. E é obvio que a sua vida pessoal ganhou ainda projeção. Em 2009, a cantora namorava um outro jovem cantor em ascensão que não tem a necessidade de colocar o seu nome aqui. Na noite da 51° do Grammy, ambos tinham uma apresentação para ser feita na premiação, mas que foi cancelada horas antes devido a agressão que o cantor cometeu contra a Rihanna. A noticia se tornou ainda mais explosiva quando foi vazada uma foto da cantora machuca tempo depois. Obviamente, uma comoção gerou em torno no ocorrido, mas Rihanna preferiu mergulhar no trabalho invés de dar uma pausa. E dessa comoção surgiu a dualidade de trabalhos de Rated R e Loud.
Mesmo com quase exato um ano de diferença entre os dois é até fácil de notar o motivo da minha visão de credita-los como um trabalho único dividido em dois. De um lado, o denso e pesado Rated R em que a Rihanna explora sentimentos complexos em uma pegada sombria sonoramente e esteticamente. Do outro, o radiante e colorido Loud em que a cantora parece se libertar ao entregar um álbum pop, dançante e despretensioso, mesmo que tenha respingos desse lado mais sério. Isso fica ainda mais nítido apenas se olharmos as capas dos álbuns em que vemos duas Rihanna completamente diferentes em tom e significado. Devido a tudo que levou a gravação de cada álbum, os trabalhos são ligados diretamente artisticamente e, principalmente, pessoalmente para a vida da cantora. E, apesar de certa nostalgia, os álbuns estão certamente no top 3 da sua carreira. Começo por aquele que acredito ser o ponto alto da discografia da cantora: Rated R.
O lado sombrio da Rihanna é o trabalho mais coeso da sua carreira até o momento. Mesmo depois de mais de dez anos de lançamento, Rated R ainda se mantem completamente fresco devido as escolhas ousadas para a construção sonora. Em Good Girl Gone Bad existia uma metralhadora de estilos, mas que se baseavam em uma segurança sonora um pouco broxante, o seu sucessor “mete o loco” em uma coleção de canções que não tem a menor vontade de serem comerciais, mas, sim, de explorarem um lado artístico da Rihanna. Claro, não estamos falando em um lado experimental ou coisa parecida, mas bastante arriscado para uma cantora que estava nos topos das paradas na época. Poucas canções aqui soam facilmente como uma faixa comercial e vendável. Obviamente, a atmosfera desejada era exatamente a alcançada, pois estamos falando de um álbum que basicamente é sobre trauma, sendo embalada em uma roupagem madura, adulta e dramática.
A produção capitaneada por basicamente os maiores hitmakers da época como, por exemplo, Stargate, The-Dream, C. "Tricky" Stewart, will.i.am, entre outros entrega uma mistura interessante, inteligente, marcante e realmente inspirada de pop, hip hop e R&B de uma qualidade impressionante, transitando por estilos de maneira fluida e com uma coesão impressionante. Apesar de usar estilos em alta que facilmente poderiam serem massificados, a produção escolhe um caminho mais difícil ao subverter todo que era esperado para o comeback da Rihanna na época. E isso ficou bem claro com o primeiro single lançado: a forte Russian Roulette.
Um dos melhores momentos do álbum, a canção vai longe do que o carro chefe de uma diva pop era esperado ao ser uma poderosa, épica, sombria e polêmica power balada pop/R&B que se usa da metáfora com o fatal “jogo” com arma de fogo para construir uma avassaladora sobre um relacionamento tóxico e abusivo. Obviamente, a canção é uma direta referencia aos então recentemente acontecimentos na vida da cantora, mostrando um lado mais pessoal da artista que até o momento não tinha sido visto. Além disso, a sensacional performance vocal de Rihanna ajudou a mostrar que a cantora era bem mais capaz que o imaginado pelos trabalhos anteriores. E mesmo sem ser um acerto comercial, a canção vendeu cerca de dois milhões de cópias e ajudou a imagem dela a ser reforçada como uma das maiores fazedoras de sucesso da década passada. E até mesmo quando a cantora foi radiofônica ainda pesou o lado sombrio de Rated R.
Maior sucesso dessa era, Rude Boy é uma divertida, sexy e quase leve mistura de dancehall com dance-pop, mas que quando se analisada direito pode se notar a exposição sexual que a composição passa. Canção mais abertamente sexual da carreira de Rihanna até aquele momento, o single que foi numero um da Billboard é o que poderia ser descrito como um dos momentos de passagens em uma carreira de um artista pop que encontra ressonância em canções como I'm a Slave 4 U da Britney e Dirrty da Aguilera. Entretanto, o contexto do álbum ajuda Rude Boy a ser parte de um todo e não apenas como um momento para chocar. E isso aumenta o fator de qualidade da canção, ajudado pelo fato de ter envelhecido muito bem assim como todo o álbum. E envelhecer bem também marca outros momentos do álbum.
Quando foi lançada especialmente para alguns mercados fora dos Estados Unidos, Te Amo não desceu muito bem em mim. Depois de todos esses anos, a canção se mostra especialmente original ao ser uma envolvente e deliciosa mistura de dance pop com fortes elementos de música latina. Contando a história de um amor platônico de uma mulher pela Rihanna, Te Amo é o tipo de canção que estava realmente bem afrente do seu tempo e que poderia muito bem ter sido um estouro mundial se tivesse sido lançada nos últimos dois anos. Outro caso de canção que merece muito mais que conquistou é a ótima Hard. Uma ácida, impactante e estilosa hip hop com toques de R&B e pop, a canção é, na verdade, um grito de reafirmação da cantora como se fosse um recomeço empoderado para mostrar que nada pode abalar a sua força. A presença sensacional do rapper Jeezy deixa claro que o quanto de importância um featuring pode trazer de verdade para uma canção. No quesito pessoal, a minha faixa favorita é a balada pop rock Fire Bomb. Meu prazer culposo é a excentricamente cafona e divertidíssima Rockstar 101 com a suas frases de efeito e a participação do guitarrista Slash. Wait Your Turn é uma intro que virou uma faixa completa, dando o tom perfeito para todo o álbum. E até mesmos as canções fillers são momentos realmente inspirados e a melhor delas é a balada R&B Stupid in Love que tem no verso “So I made it, even though Katy, told me that this would be nothing but a waste of time” um casulo do que foi essa época no mainstream. Depois da escuridão da tempestade surge o Sol com o lançamento do iluminado Loud.
Quase uma guinada de 180°, o quinto álbum da Rihanna é um passeio ensolarado, divertidíssimo e sensual pelas principais tendências do pop durante a época que foi lançado. Tendo como base dance-pop e o R&B, Loud ainda é recheado de pinceladas marcantes de dancehall, europop, hip hop e soft rock que contribuem para o fator comercial do álbum. Entretanto, a qualidade artística se manter basicamente a mesma do álbum anterior devido a espetacular e acertada produção de um time de produtores que envolvem nomes repetidos do álbum passado (Stargate) e novas parcerias (Polow da Don). Ouvir Loud é como ver a versão do multiverso de Rated R em que a base para sua existência é a mesma, mas a sua estrutura e resultado é bem diferente.
É fácil notar que Rihanna aqui está atrás de libertação da dor que sofreu um ano antes, expiando a dor de várias formas sem nunca perder o tino comercial e sem nunca exatamente pender para o sombrio do álbum. Temas adultos e polêmicos estão expostos em Loud, mas nunca é feito de maneira a deixar a vibe realmente pesada e, sim, empoderada e, muitas vezes, icônicas. Acredito que o principal momento dessa vibe aqui é a avassaladora Man Down. Sonoramente, a canção é uma madura mistura de reggae e pop que resulta em uma faixa inteligente, surpreendente e completamente atemporal ao pegar inspiração da canção I Shot the Sheriff do Bob Marley de 1973. Obviamente, a imensa qualidade da canção é impressionante e vale a pena só pela produção genial, mas é na entrega de Rihanna e, principalmente, na composição que a canção que está sua grande qualidade.
Adicionando um forte sotaque caribenho em uma performance espetacular, Rihanna narra sobre uma mulher que depois de atirar em um homem se e mostra arrependida durante a sua fuga. É bastante claro que a canção é uma metáfora para os sentimentos que a cantora viveu depois de ter sido agredida, mostrando toda a sua raiva e desejos escondidos. E isso aumenta ao ver o memorável clipe que mostra exatamente o que a canção narra. Explosiva, inesperada e que vai ficando cada mais icônica, Man Down ajudou a cimentar ainda mais não apenas a hitmaker, mas artista Rihanna. Isso não quer dizer que o resto do álbum seja nessa toada, pois Loud é primordialmente um álbum pop e que Man Down faz parte perfeitamente dessa imagem. Na verdade, a canção é parte de uma trindade dentro do álbum que se torna um dos principais momentos da carreira da Rihanna, sendo as outras duas o mega sucesso Only Girl (In the World) e power balada California King Bed.
Um dos principais momentos pop da década passada, Only Girl (In the World) é uma explosiva, magnética e sensacional dance-pop/eurodance que mostra como canções desse tipo devem ser: grandiosas, chicletes, carismáticas e com personalidade suficiente para encher um caminhão. Enquanto isso, California King Bed é uma balada como a Rihanna nunca tinha feito e apenas repetiu o feito parecido anos depois com Love on the Brain. Grandiosa, melosa, romântica, avassaladora e deliciosamente brega, a faixa é uma mistura bem feita de pop, soft rock e R&B que termina criando uma canção imponente e mostra outra vez o potencial vocal da cantora. Surgindo uma atrás da outra, as três canções se tornam o coração de Loud de maneira orgânica e que eleva o resultado final de maneira considerável. O problema do álbum é que apresenta alguns fillers que surgem apenas para serem estofo do que para contribuir para toda a vibe do álbum. E apesar desse problema, Loud ainda guarda momentos realmente memoráveis como é caso da ode ao sexo na deliciosa S&M, a deliciosa parceria com o Drake em What's My Name?, Love the Way You Lie (Part II) que se torna a continua odo sucesso com Eminem e, por fim, Cheers (Drink to That) e o uso inusitado do sample de I’m With You da Avril Lavigne. O lançamento dos dois álbuns ajudou a finalizar a trajetória da Rihanna de uma promessa para a maior diva contemporânea pop. Obviamente, a dualidade de ambos trabalhos tem um impacto crucial para essa transição. Agora é esperar para ver se a atual revendedora de produtos irá lembra que tem uma carreira musical e voltar nos contemplar como trabalhos nessa mesma qualidade.
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