Björk
Aos cinquenta e seis anos de idade, a Björk irá completar no ano vem os trinta anos do lançamento do seu primeiro álbum oficial Debut de 1993. Todo esse peso dos anos poderia ter deixado a artista “sossegada” sem precisar se preocupar com o lançamento de novos álbuns ou/e sem se importar em continuar a sua jornada sonora já que a essa altura a mesma não precisa provar nada mais para ninguém da sua genialidade. Entretanto, Fossora, o seu décimo álbum de estúdio, é exatamente ao contrário no instante que Björk mostra o tamanho da sua inquietação artística ao entregar um maduro, magnético e emocional trabalho que renova o seu status de uma das maiores entidades da música de todos os tempos.
Obviamente, quem conhece a sonoridade da Björk, especialmente ao dos últimos trabalhos, reconhece com facilidade que cada faixa em Fossora é uma canção que apenas a artista poderia fazer. E, apesar disso, existem vários aspectos que soam novos, excitantes e surpreendes para a mistura tradicional da sonoridade avant-pop/industrial/eletrônica. A mais importante são as composições. Especialmente de uns tempos para cá, Björk se apoiou pesadamente ainda mais de um lírica que se baseia em metáforas obscuras, complicadas, elaboradas e lindamente estranhas. Para fãs não é exatamente algo fora dos padrões, mas para parte do público mais abrangente isso é algo que pode facilmente afastar ouvintes casuais. Entretanto, Fossora entrega um dos trabalhos líricos mais acessíveis em muito tempo para Björk. Isso não quer dizer que sejam, digamos, algo no nível pop de quando escreveu Bedtime Story para Madonna, mas, sim, composições que se deixam se mostrar mais facilmente ser compreendidas em toda sua gloria mesmo que ainda recheadas com essas metafóricas construções que parecem apenas funcionar dentro da mente da Björk. O principal momento do álbum em que é possível notar essa tendência de forma bastante clara é na faixa que considero a melhor canção do álbum: Ancestress.
“A artista continua a criar imagens surreais, mas aqui o público é contemplado com versos diretos na sua intenção de mensagem que faz a gente até ficar desconcertados devido a visão clara quem temos do ser humano Björk como, por exemplo, o relato dos momentos de declínio da saúde da sua mãe ( “The doctors she despised/ Placed a pacemaker inside her”) ou de visões de como era a sua personalidade (“She had idiosyncratic sense of rhyth/ Dyslexia, the ultimate freeform/ She invents words and adds syllables”)”. Lindamente emoldura por uma produção densa, épica e de momentos delicados, a composição mostra a humanidade por trás dessa artista que por muitas vezes quase soa como uma divindade saída de uma história do folclore europeu. E é aqui que Fossora se desdobra em uma das obras mais pessoais da cantora em que somos convidados para testemunhar a maturidade de uma mente genial. Como não poderia de ser, o álbum tem a produção única que é assinado apenas pela Björk em um trabalho espetacularmente grandioso.
Apesar de ter sempre ter produzido seus álbuns, a artista produz sozinha um álbum inteiro pela primeira vez. E, querido leitores, isso até poderia ser um problema se a Björk não tivesse esse senso sobre a sua própria sonoridade tão apurado e, claro, amadurecido, sabendo exatamente os ondes, os porquês, os meios, os começos, os fins, os atalhos e os esconderijos de o que a faz ser quem é. Provavelmente, esse é o motivo de ouvirmos em Fossora termos uma sonoridade da artista que, apesar de não alterar significativa, tem perceptíveis mudanças em relação aos trabalhos anteriores. Acredito que a principal delas seja o fato de termos menos contemplação para dar espaço para batidas mais ruidosas e diretas, especialmente devido a nítida influência de tecnho e industrial. E isso logo é percebido na faixa de abertura com a esplendida Atopos ao ser “uma volta para o começo da carreira da artista ao explorar batidas pesadas com base de percussão e instrumentos de sopro. O resultado é uma explosão seca, ruidosa, quase minimalista e completamente inebriante e soberba. Sonoramente, a canção é uma colisão de art pop, eletrônico, experimental, industrial e techo que apenas a distinta produção e visão da Björk consegue fazer sentido claro e pleno”. E mesmo quando o álbum aponta para uma direção reflexiva como na deslumbrante Freefall, a mãos firmes de Björk conseguem costurar uma finalização melódica que deixa a faixa bem digestível devido ao deslumbrante genuinamente emocionante instrumental. Obviamente, Fossora apresenta uma coleção de experimentos sonoros espalhados pelas suas faixas, o grande destaque aqui é algo que até o momento a Björk não tinha exatamente feito na sua carreira: participações vocais.
Existem dois momentos realmente interessante, mesmo que longe de serem os melhores do álbum de forma geral que tem essa novidade. Primeiro, a indie/avant-pop Allow que conta com os delicados vocais da cantora norueguesa de jazz Emilie Nicolas. A faixa localizada exatamente no meio do álbum é como uma ponte entre o começo e o fim do álbum. Logo em seguida, a faixa Fungal City surge com a surpreendente, intrigante e deliciosa participações do cantor Serpentwithfeet que adiciona um sabor R&B leve, mas enriquecedor para o resultado final no que é uma das faixas mais leves em atmosfera do álbum. Outros momentos que preciso destacar aqui é a impressionante Fossora e o seu final explosivo e genial, a quase acústica e baseando pesadamente na construção dos vocais da cantora e do coral Sorrowful Soil, a composição devastadora de Victimhood e, por fim, o single Ovule e a sua “mistura de art pop com glitch pop e toques de jazz que criam uma instrumentalização que transita entre o minimalista e o intricado com uma facilidade imensa”. Fossora é o resultado de toda a construção artista da Björk, sendo manifestada em toda a glória de uma das mentes geniais da história da música.
Nenhum comentário:
Postar um comentário