black midi
Ao resenhar no final do ano passado o álbum Cavalcade comecei escrevendo que “a música, assim como todas as artes, foi criada para que a humanidade pudesse expressar emoções e sentimentos, ajudando as pessoas a entenderem a complexidade quase infinita da vida”. Em Hellfire, a banda black midi continua essa jornada de criar essas expressões sonoras na mesma força explosiva, confirmando o posto de um dos artistas mais únicos e excepcionais da atualidade.
Novamente, definir a sonoridade da banda ainda é bastante complicado, pois a profusão de inserções, nuances, texturas e quebras de expectativas que são colocadas em todas as faixas é de cair o queixo. Depois de ser exposto novamente consigo definir mais ou menos Hellfire como um rock experimental que é injetado por acid jazz, post-punk, rock progressivo e avant rock. Entretanto, o grande trunfo da produção de Marta Salogni é unir tudo isso como uma massa única, esplendorosa e vibrante que vai se desdobrando em vias que deixam o público sem saber exatamente para onde está indo e sempre querendo mais. Acredito que mesmo que o black midi tenha seguido a mesma linha sonora que Cavalcade existe uma sensação de novidade aqui, pois é adicionado uma atmosfera quase de peça teatral com toques de cabert. É como se fosse um musical opera rock sendo apresentado com grandes showstoppers, canções de transições e, principalmente, uma linha narrativa sonora e temática.
Analisando com cuidado, Hellfire parece ser a viagem da banda pelo verdadeiro inferno do homem: a nossa vida. A banda transita entre vários cenários da sociedade para tecer reflexões, crônicas e críticas sobre vários assuntos que são expressados pela construção sonora. Em um dos momentos mais sublimes do álbum mostra bem essa qualidade é o single Welcome to Hell. “A impressionante instrumentalização é algo que não há muitas palavras para descrever, pois é de uma grandiosidade meticulosa de estontear. Nas mãos de outra banda, cada mudança de caminho a canção faz nesse caldeirão de art/avant/experimental rock poderia render uma canção, mas o black midi transforma em apenas uma com uma coesão espetacular. A composição é de uma genialidade absurda ao ser uma crônica feroz e desoladora sobre as consequências desoladoras da guerra”. Criando uma sensação quase sufocante, a canção se revela uma mistura de escarnio e aviso mortal em que o instrumental vai se transformando em algo ainda mais grandioso durante o percurso da canção como o som de uma artilharia chegando ao lugar do embate. Obviamente, o trabalho técnico e instrumental é impecável e com a robustez capaz de segurar toda a gigantesca força estética, sonora e artística. Existe um porém que impende Hellfire de ainda ser melhor, alcançando o mais perto da perfeição.
Ao contrário da maioria das bandas, o black midi tem dois vocalistas que dividem espaço de maneira até equilibrada entre Geordie Greep e Cameron Picton. Todavia, apesar de ambos talentosos, Greep se destaque mais devido a sua entrega total em cada performance e, principalmente, a sua distinta, única, nuclear e genial personalidade. Existe algo quase celestial/infernal como se fosse um arauto enlouquecido em busca de esclarecimento enquanto abre a caixa de pandora. Picton, porém, é responsável por momentos contemplativos e melódicos como em Still, entregando boas performances. O problema é que quando Greep está nos vocais principais é tudo elevado a décima potência. E o grande ápice é a performance em The Race Is About To Begin em que o vocalista entra em um frenesi vocal em um verso imenso que rivaliza com a verborragia do Eminem em seus melhores momentos. Além disso, Greep também mostra versatilidade ao mudar a chave para a sua versão de normalidade vocal com a preciosa e grandiosa performance na acachapante Dangerous Liaisons. É incrível que novamente o black midi entrega algo tão impressionante que existem tantas coisas para falar que não consigo exatamente colocar tudo que gostaria de dizer, mas isso não interfere em expressar o que realmente quero dizer: Hellfire é genial.
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