Parte II
Parte III
Parte III
5. Hellfire
black midi
"Novamente, definir a sonoridade da banda ainda é bastante complicado, pois a profusão de inserções, nuances, texturas e quebras de expectativas que são colocadas em todas as faixas é de cair o queixo. Depois de ser exposto novamente consigo definir mais ou menos Hellfire como um rock experimental que é injetado por acid jazz, post-punk, rock progressivo e avant rock. Entretanto, o grande trunfo da produção de Marta Salogni é unir tudo isso como uma massa única, esplendorosa e vibrante que vai se desdobrando em vias que deixam o público sem saber exatamente para onde está indo e sempre querendo mais. Acredito que mesmo que o black midi tenha seguido a mesma linha sonora que Cavalcade existe uma sensação de novidade aqui, pois é adicionado uma atmosfera quase de peça teatral com toques de cabert. É como se fosse um musical opera rock sendo apresentado com grandes showstoppers, canções de transições e, principalmente, uma linha narrativa sonora e temática.
Analisando com cuidado, Hellfire parece ser a viagem da banda pelo verdadeiro inferno do homem: a nossa vida. A banda transita entre vários cenários da sociedade para tecer reflexões, crônicas e críticas sobre vários assuntos que são expressados pela construção sonora. Em um dos momentos mais sublimes do álbum mostra bem essa qualidade é o single Welcome to Hell. “A impressionante instrumentalização é algo que não há muitas palavras para descrever, pois é de uma grandiosidade meticulosa de estontear. Nas mãos de outra banda, cada mudança de caminho a canção faz nesse caldeirão de art/avant/experimental rock poderia render uma canção, mas o black midi transforma em apenas uma com uma coesão espetacular. A composição é de uma genialidade absurda ao ser uma crônica feroz e desoladora sobre as consequências desoladoras da guerra”. Criando uma sensação quase sufocante, a canção se revela uma mistura de escarnio e aviso mortal em que o instrumental vai se transformando em algo ainda mais grandioso durante o percurso da canção como o som de uma artilharia chegando ao lugar do embate. Obviamente, o trabalho técnico e instrumental é impecável e com a robustez capaz de segurar toda a gigantesca força estética, sonora e artística."
4. Preacher's Daughter
Ethel Cain
"Um grandioso, épico, soturno, pesado, denso, maduro, complexo e lindamente devastador, Preacher's Daughter apresenta uma profundidade de sonoridades que são compensadas em uma produção tão requintada e estilizada que facilmente poderia cair em um grande desastre de pretensão estético, mas que, felizmente, termina de maneira fluida, vigorosa e simplesmente impressionante. Essa impressiona aumenta ao sabermos que a jovem de apenas vinte e quatro anos produz o trabalho ao lado de Matthew Tomasi, colocando a sua distinta marca em cada centímetro do álbum. Indo da americana até o dream pop, passando pelo gospel e folk para chegar no indie rock, alt-pop e slowcore, Preacher's Daughter constrói uma das mais intricadas sonoridades do álbum em um trabalho instrumental magnifico. E isso nem é o ápice do trabalho, pois esse é posição para as sempre avassaladoras e geniais composições que mostram toda a beleza, força e magnitude da lírica de Ethel Cain que encontra a divindade no resultado da inesquecível e impressionante A House in Nebraska que é basicamente quase o roteiro de um aclamado filme independente sobre as cicatrizas que um fim de relacionamento pode causar em alguém. Apesar der ser um dos pontos altíssimos de Preacher's Daughter, o trabalho é uma das obras imperdíveis de 2022."
3. Melt My Eyez, See Your Future
Denzel Curry
"Melt My Eyez, See Your Future é o mais coeso sonoramente de um rapper homem desde o Kendrick Lamar lançou DAMN. Em 2017. Não existe nenhum ponta solta, nenhum momento perdido, nenhuma batida desperdiçada ou nenhum espaço em vazio durante os seus quarenta e cinco minutos. Tudo caminha com uma fluidez tão impressionante que a sua audição parece bem menos duradora que é na verdade. Uma faixa passa para outra de forma natural e azeitada, criando uma teia sonora construída a perfeição e de uma beleza rara. E apesar de querer normalmente ser a produção a grande responsável é necessário apontar que parte importante do resultado genial do álbum é de responsabilidade de Denzel Curry. O rapper apresenta uma personalidade gigantesca sem precisar de criar grandes mudanças de interpretações, mas, sim, apostar no seu sólida, áspera, denso, verborrágico, hipnótico e cativante flow que parece cimentar a produção e a composições de maneira épica e atemporal. Ouvir Denzel em qualquer faixa é como assistir a luta de um boxeador genial no alto da sua forma, sabendo exatamente quando atacar, quando defender, quando mudar de rumo ou quando continuar até acertar o alvo. É revigorante ouvir um rapper que não se deixar cair em tentação ao usar de efeitos vocais apenas por estarem em alta para entregar performances tão diretas e espetaculares como ouvidas em Melt My Eyez, See Your Future. O grande momento do álbum é Walkin: “a performance de Daniel é um fluxo de força impenetrável que não deixa escapar nenhuma possibilidade de significação ou deixar espaços vagos ao preencher cada momentos com um carisma esmagador. Sem recorrer a gracinhas, o rapper apresenta uma forma “tradicional” de entoar os versos que é extremamente bem vida já que ajuda a estabelecer o artista entre os melhores rappers da história”. E a presença de Denzel é tão imponente que, apesar de boas participações, o rapper é que domina plenamente sem deixar espaço para outros se sobressaírem."
Perfume Genius
"Acredito que possivelmente Mike Hadreasm, nome de nascimento de Perfume, tenha olhado para o que tenha resultado a parte final do álbum anterior e tenha decido refinar esse “material”, criando um álbum que basicamente uma longa, densa, sombria e espetacular ensaio experimental sobre art pop. Ao contrario do resultado anterior, o resultado aqui é de uma excentricidade fluida, inspirada e revigorante, mesmo não tendo uma grama de qualquer recurso comercial. Ugly Season é como um filme de arte que deve agradar conhecedores e amantes do gênero, mas afastar aqueles com um gosto mais abrangente. Não que seja impossível e, sim, um trabalho que realmente demanda uma atenção peculiar e especial. Novamente trabalhando com o produtor Blake Mills, Perfume Genius entrega especialmente um dos trabalhos instrumentais mais deslumbrantes dos últimos anos.
Se fossemos tirar os vocais da equação, Ugly Season poderia facilmente ser uma trilha sonora incidental de uma filmes como, por exemplo, O Cavaleiro Verde. Assim como o excepcional final, o álbum consegue misturar de maneira extraordinária uma visão moderna do que seria a base da sua construção com um verniz narrativo moderno, inteligente e de uma sagacidade estética arrebatadora. Com um cuidado extremo para a sua realização, a produção consegue avançar as explorações sonoras ao unir de maneira fluida as inclusões de gêneros como, por exemplo, música clássica, baroque pop, industrial, indie e chamber pop. E isso poderia facilmente descambar para uma pretensiosidade ridícula ou/e uma falta de substância gigantesca. Felizmente, existe um entendimento tão natural sobre como conduzir por esse mar de possibilidades que realmente é impressionante de uma maneira quase tocante. Na verdade, acredito que a emoção genuína que é adicionada na elaboração de Ugly Season é que seja a base mestra e sólida de todo o peso da gigantesca intenção por trás da sua criação. E melhor momento do álbum é um resumo de todas as qualidades em estado de graça condensado em apenas uma faixa é a sublime Herem. Com mais de sete minutos, a faixa é quase um devaneio febril e celestial em que é misturado uma quantidade grande de texturas sonoras em uma hipnótica melodia. É grandiosa e imponente, mas parece saído de lugar tão intimo e pessoal que ajuda a dar força emocional para o resultado."
Resenha1. Mr. Morale & The Big Steppers
Kendrick Lamar
"Poucos artistas podem se dar o luxo de depois de cinco anos lançar um álbum duplo de mais de uma hora de duração na era que para fazer “sucesso” é necessário ter canções relativamente curtas para serem virais de mídias sociais. E mais: lançar um álbum com uma profundida gigantesca que realmente tira o tempo para fazer crônicas reflexivas sobre a nossa sociedade e como vivemos nela. Obviamente, Kendrick Lamar chegou a um ponto da sua consagrada carreira que é capaz de fazer o que bem entender artisticamente, mas ainda apresenta certa surpresa notar o sucesso comercial de Mr. Morale & The Big Steppers em uma era de sucessos descartáveis e superficiais. Em questão de qualidade, o impressionante trabalho é o mais ousado sonoramente da carreira do rapper e, principalmente, o álbum que se mais aprofunda no intimo sobre quem é Kendrick Lamar.
Antes de começar as jogar os louros é necessário dizer o problema de Mr. Morale & The Big Steppers: a sua “perdida” na sua segunda parte. Divido em duas partes, a metade intitulada Mr. Morale perde levemente o gás que é criado pela parte nomeada como Big Steppers. Não é algo exatamente muito perceptível, mas cria certo ruído com a fluidez do álbum como um todo. É como se a primeira metade estivesse indo a 100km para depois abaixar para 80km, mesmo entregando momentos de pura genialidade. Acredito que o principal culpado por isso é a longa duração do álbum que dá espaço para alguns momentos de barriga ou/e tropeços. Lamar já entregou álbuns longos (To Pimp a Butterfly tinha cerca de uma hora e oitos minutos) que não tiveram esse erro. Entretanto, isso é ponto pequeno diante da grandiosidade e complexidade que Mr. Morale & The Big Steppers apresenta do começo ao seu fim, especialmente no seu conteúdo lírico.
Lamar continua a sua exploração, expiação e contemplação sobre a vida de um homem negro na nossa sociedade de maneira sempre relevante, devastadoramente honesta e lindamente bem escrita. Dessa vez, porém, o escopo de assuntos que o rapper trata é sem nenhuma dúvida o seu mais abrangente até o momento, falando sobre temas como infância, os traumas que passam de geração para geração, infidelidade, religião, cultura do cancelamento, fake news, paternidade, pressão da fama, identidade de gênero. Complexo para dizer o mínimo, Mr. Morale & The Big Steppers é de uma inteligência no momento que deixa claro que todas as letras são reflexões saídas diretamente das experiências de vida do rapper que em nenhum momento que se mostrar como o senhor da razão ou que as suas palavras sejam vistas com apenas um desabafo. O rapper quer fazer o seu público refletir com as suas próprias ideias ao levantar tópicos que normalmente não são falados dentro da cultura rap/hip hop.
Acredito que a sonoridade ouvida aqui é a mais experimental da carreira do rapper e isso diz muito devido ao fato que nenhum dos trabalhos da sua carreira foi um “passeio no parque”. Entretanto, Mr. Morale & The Big Steppers é o álbum que mais busca uma identidade que quebre até mesmo com as regras que o próprio Lamar construiu ao longo dos anos. Nem sempre isso é compensado com uma canção da mesma genialidade das ideias propostas, mas, queridos leitores, quando a produção acerta no alvo, o álbum explode para a estratosfera como é o caso de We Cry Together. Uma hip hop, poesia, jazz, experimental que é uma verdadeira conversa/briga entre um casal, mostrando todos os lados de uma relacionamento conturbado que dá um passo em direção a pura genialidade com toques inesperados de art pop devido ao uso do sample de June do Florence and the Machine. Tudo é elevado ainda mais devido a performance nua e crua de Lamar e a presença avassaladora da rapper e atriz Taylour Paige. Esse lado experimental que quase esbarra no improviso do jazz é perfeitamente ouvido na genial abertura do álbum com United in Grief com um instrumental imprevisível e sempre explosivo. Logo em seguida, o álbum entrega a incisiva N95 em que Lamar mostra como fazer uma canção trap que saia do totalmente do lugar comum para entregar uma extraordinária explosiva canção. E, obviamente, para segurar todo esse peso, Lamar continua a ser um deus do rap ao não perder força, urgência, relevância e grandeza em nenhum segundo sequer, mostrando também uma versatilidade quase ilimitada. Ao escutar o álbum vou anotando quais canções de destaque que merecem ser discutidas ou/elogiadas como destaque durante a resenha, mas dessa vez anotei praticamente o álbum inteiro merecedor desse destaque. As canções já citadas como os melhores momentos entre os melhores momentos como a nata da nata. Mr. Morale & The Big Steppers é esse tipo de álbum que merece ser destacado com um todo, pois a sua complexidade sonora, a densidade lírica e temática e o seu escopo performático precisa ser apreciado, discutido e louvado como um todo. E novamente Kendrick Lamar se mostra com um verdadeiro gênio e reclama a sua coroa de rei por direito.
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