21 de novembro de 2021

Primeira Impressão

30
Adele



Consolidada com a maior artista contemporânea, a Adele finalmente faz o seu aguardadíssimo retorno com o lançamento do arrasa quarteirão 30 depois de um hiato de seis anos. Obviamente, o público vem aguardando esse comeback de forma impaciente, principalmente devido ao fato de ser o primeiro depois do divorcio da cantora do pai do seu filho. E devo dizer que quem esperava por momentos de verdadeira sofrência pura não irá se decepcionar, mas, queridos leitores, existem grandes momentos em 30 que irão surpreender e muito esse mesmo público. Na verdade, o álbum é um dos trabalhos mais complexos dos últimos tempos no instante em que a Adele e a sua produção entregam dualidades em todos os momentos em um trabalho memorável.

É necessário dizer que no frigir dos ovos, 30 não é o melhor álbum da carreira da Adele. Felizmente, o público irá contemplar uma obra extraordinária em que a cantora se mostra complemente madura artisticamente em todos os quesitos. E é por isso que a artista parece confiante para inovar sem precisar exatamente não ser a Adele. Em 21, a cantora estava disposta a colocar as feridades emocionais de maneira nua e crua. Já em 25 era sobre olhar essas mesmas feridas e pensar sobre a cicatrização e também sobre remendar rasgos causados. Apesar de lugares diferentes, os dois álbuns apresentavam uma Adele realmente sofrendo sobre os erros dos passados e ainda tentando encontrar como seguir em frente. Em 30, Adele ainda sofre e muito, mas a sua maturidade e, principalmente, a sua experiência como mãe parece dar a artista uma visão que mesmo depois da dor é necessário se levantar e seguir em frente. E, por isso, o álbum é sobre continuar a caminhada mesmo depois das feridas ainda estarem sarando. É sobre chorar, limpar as lágrimas e sair para tomar umas com as amigas. É sobre ver o final do túnel, mesmo ainda emaranhado dentro do breu. É sobre acertos de contas doloridos e esperanças sinceras. Sobre olhar para quem a fez sofrer e ter a noção que tudo ainda será tudo história no futuro. E, o mais importante, 30 é uma carta aberta para quem mais importa na vida da Adele: o seu filho. E é aqui que entra o brilhantismo do álbum.

Não existe dúvidas que a compositora Adele é simplesmente genial. Dona de uma escrita direta, limpa e devastadoramente emocional, Adele repete todas essas qualidades a quase perfeição no álbum. Entretanto, a cantora alcança um novo patamar em 30, pois consegue fazer de sentimento ainda mais pessoais momentos que conseguem de maneira única conectar com qualquer público. Crua, honesta, emocionalmente avassaladora, ácida, divertida e de uma vulnerabilidade intocável em comparação a qualquer artista contemporânea, Adele entrega o seu melhor momento como compositora ao se permitir mergulhar ainda fundos em sentimos complexos e sensíveis sem perder, porém, o tino estético que a fez como uma cronista da dor. E isso fica fácil de notar em Easy On Me. Longe de ser a melhor canção do álbum, o single “tem em seu primeiro verso um dos melhores momentos da carreira da cantora em um momento realmente avassalador e de uma beleza poética exuberante”, especialmente nas duas primeiras frases em que diz “There ain't no gold in this river/ That I've been washing my hands in forever”. E esse é apenas o começo, pois 30 ainda guarda momentos simplesmente sublimes.

É extremamente difícil você construir uma canção escrita para o seu filho sobre o seu divorcio e a fazer uma devastadora crônica sobre saber desistir de certas coisas para o seu próprio bem e dos outros. Na verdade, a cantora não apenas faz esse feito, mas também entrega o momento mais tocante da sua carreira na em My Little Love. Intercalando gravações de conversas que teve com o seu filho explicando a sua separação para o filho com uma tocante composição, Adele abre o coração de maneira tão exposta sobre suas inseguranças e medos sobre ser mãe e como as suas decisões impactam a criança que é impossível não se emocionar de maneira genuína. Não é necessário ser mãe para pode sentir as inseguranças que Adele expressa na canção, mas para as mães deve tocar ainda mais forte essa pop soul delicadamente melancólica.

Adele continua a falar para o seu filho em I Drink Wine, mas com um sentimento mais abrangente ao dissertar de maneira desconcertantemente sincera sobre as dificuldades que temos de deixar pequenas coisas interferir na nossa felicidade e do desejo de aprendemos a realmente seguir em frente depois dos tropeços. Com uma pitada de humor, mas sempre muito centrada em um desabafo real, Adele continua a mostrar toda a sua força ao entregar versos de uma potencia deslumbrante, especialmente quando diz “Sometimes, the road less traveled is a road best left behind”. E isso não é o bastante para a cantora, Apesar de ter uma discografia com momentos realmente perfeitos, Adele entrega em uma das faixas canção algo que realmente a deixa em um novo patamar artisticamente.

To Be Loved é a magnum opus da Adele no instante que ouvimos o momento mais vulnerável de toda a carreira construída em ser vulnerável. Em cerca de seis minutos e quarenta, a cantora entoa a sua letra com resultado mais devastados emocionalmente. E aqui entramos em um mar nunca navegado, pois, ao contrário de cantar sobre a dor de um amor, a cantora tenta pegar todos os seus pedaços mal colocados ao longo dos anos para explicar todos os sentimentos silenciados resultados do seu conturbado relacionamento com o seu pai. Funcionando com uma sensação de terapia/expiação de tudo que guardou durante anos, Adele finalmente parece ter encontrando um lugar que pode em fim expressar suas dores, aflições, medos e, principalmente, a sua nova perspectiva depois de finalmente encontrar um lugar que possa realmente deixar para trás tudo de ruim e continuar a sua vida. De uma dor quase tocável, a composição de To Be Loved é apenas comparável com a magistral performance de Adele. Sem medo de se entregar emocionalmente para cada nota como se não houvesse amanhã, a cantora alcança os céus com um a força tão enorme que todo em volta parece parar para poder escutar cada segundo da sua interpretação. Assim como Meryl Streep em A Escolha de Sofia, Adele aproveita cada momento para colocar um sentimento novo na canção, indo da dor amarga até a esperança melancólica de maneira verdadeira e natural. E a canção ganha ainda mais importância ao descobrir que a cantora a mostrou para o seu pai antes que o mesmo falecesse Abril desse ano. Outro ponto importante é que a produção de Tobias Jesso Jr cria uma balada a base de piano que não soa simplista, pois consegue acompanhar toda a jornada da canção e preencher lacunas quando é preciso. Curiosamente, a canção é única sonoramente mais tradicional, pois 30 é uma aventura dentro da sonoridade da Adele.

Reunindo nomes já conhecidos e novas parcerias, a cantora entrega no álbum uma mistura de novidades tímidas, mas bem perceptivas, e uma dose de um lugar seguro e muito bem construída. De lado existe a Adele pop soul com suas baladas marcantes e, do outro, aparece uma Adele “experimental” que transita entre o jazz, um toque de electropop, uma pincelada de reggae e uma dose de pop rock. Mudanças que poderiam ser drásticas, mas que conseguem se assimilar muito bem com a persona já criada da Adele. É como se fosse um sanduíche que tem a carne no lugar do pão e o recheio feito de pão. Uma grande mudança, mas que no grande esquema das coisas não afeta profundamente. É obvio que a mudança mais acentuada é que as principais inclusões sonoras foram para que Adele possa entregar canções “festeiras”, mostrando um lado mais leve da cantora. Funciona dependendo de qual lado dessa faceta da Adele cada um que escuta irá se encontrar. No meio caso, o melhor momento nesse círculo é a irresistível batida sensual da electropop/soul Oh My God em que a cantora está pronta para voltar a ter vida social depois do fim do divórcio. Todavia, as mudanças não são apenas sonoras, mas, principalmente, de estrutura.

Existem nuances em canções que anteriormente seriam apenas grandes baladas épicas. Por exemplo, Hold On é, sim, uma balada que se diferencia devido a sua clara influência gospel, a maneira que o refrão é elaborado com uma “voz acústica” da cantora que vai sendo intercalada por uma “versão elaborada” e como a instrumentalização vai sendo incrementada ao longo da sua duração. Encorpada, edificante e com uma mensagem realmente esperançosa, a canção é uma celebração sobre realmente se sentir forte que culmina em clímax realmente poderoso. Anteriormente, a cantora já tinha quebrado expectativa com curiosa Woman Like Me que termina como uma honesta e empoderada balada indie pop/soul sobre mostrar a importância como mulher. Ambas têm a produção de Inflo, responsável pela obra de arte Sometimes I Might Be Introvert da Little Simz. Anteriormente, a cantora abre o álbum com a jazz/clássica Strangers by Nature que funciona como uma canção de ninar sobre os amores que morreram e as suas lembranças deixadas com inspiração do cancioneiro americano e da Judy Garland. Fechando 30, a artística entrega a grandiosa Love Is a Game de uma maneira apoteótica que ajuda Adele a arrematar todos os sentimentos expostos e deixar claro que tudo pode mudar, mas a cantora continua a sendo uma força artística única e já lendária.

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