26 de janeiro de 2021

Os Melhores Álbuns de 2020 - Final

 





10. Gaslighter
The Chicks




“O álbum funciona em várias frontes ao ser um comeback a altura do talento da banda, uma revitalização da sonoridade country pop, um aceno ao bom e velho country, um álbum de expiação amorosa e, também, uma declaração incontestável das posições da banda. Começo destacando a embalagem. Produzido pelas The Chicks com o onipresente Jack Antonoff, Gaslighter é um moderno, inspirado, coeso e inteligente trabalho de country pop que consegue dosar na medida os dois lados da mesma moeda. A presença de Jack e a sua experiência adquirida ao produzir nomes como Lorde, Lana Del Rey e, principalmente, a Taylor Swift é a chave mestre para que a banda possa introduzir de forma orgânica nuances de indie pop, pop rock e indie rock em um caldeirão poderoso. Em nenhum momento, porém, a sonoridade recorre a saídas fáceis para alcançar essa revitalização da sonoridade. Tudo é construído de maneira a ser a base perfeita para sustentar as ousadias que a produção se propõe a fazer. E por causa disso, o álbum nem sempre soa comercial e fácil de ser apreciado por uma grande parcela do público, mas que encontra espaço para aqueles que conseguem passar esse “problema” ao procurar algo com mais profundida. Um ótimo exemplo é a canção que abre o álbum e, também, serviu como primeiro single: Gaslighter, faixa que dá nome ao trabalho, é “um country pop/power pop produzido de forma refinada por Jack Antonoff. Com um refrão marcante, a canção é tipo de trabalho que vai conquistando aos poucos a cada nova escutada. Isso dá uma certa ofuscada no resultado final, mas é recompensado para aqueles que insistem um pouco mais”. E apesar de toda a qualidade sonora que o álbum apresenta, o seu grande ponto alto está nas histórias que as The Chicks contam.” 
Resenha


9. Notes on a Conditional Form
The 1975



“O álbum continua a saga para que o The 1975 seja a banda mais prolifera sonoramente do atual cenário mainstream, pois Notes on a Conditional Form é uma jornada de oitenta minutos de duração com vinte e duas faixas. Característica essa que sempre a banda carregou, mas aqui encontra outro nível. E é aqui que se encontra o principal problema: ao escutar na sua totalidade, o álbum faz a gente se dispersar devido a sua duração longa. Na metade do álbum você começa a pensar em outras coisas ou/e tem a sua atenção tirada. Por isso que, pela primeira vez de forma consciente, tirei uma pausa de uns quinze minutos para “descansar” para depois voltar com foco renovado para terminar de escutar o trabalho. Esse problema pode afastar várias pessoas de escutar o álbum, mas quem perseverar irá se deparar com um álbum grandioso; 

Notes on a Conditional Form é dono de outra qualidade/característica do The 1975: a profusão de gêneros explorados. Sonoramente, a melhor definição para o álbum é indie pop/rock, mas a prática é que o público é contemplado com pop, synthpop, industrial, electropop, rock, punk pop, folk, dance-pop e UK garage em um caldeirão suntuoso, refinado e carismático. Nas mãos de uma outra banda, essa mistura poderia desandar de forma irremediável, mas existe uma sinceridade orgânica e verdadeira na maneira que o The 1975 conduz a sua sonoridade. Logo nas primeiras faixas do álbum já é possível entender o que estou escrevendo. Tudo começa com a faixa padrão da banda que leva o seu nome: The 1975 é normalmente uma faixa instrumental, mas dessa vez a delicada instrumentalização é acompanhada pelo discurso da ativista ambiental Greta Thunberg. Em um discurso forte, urgente e poderoso, a jovem ajuda a abrir Notes on a Conditional Form de maneira retumbante e estranha, abrindo espaço para a suntuosidade estranha que o trabalho se desenrola. Logo em seguida surge People “uma dance punk/punk rock. Surpreende ao extremo, a canção poderia ser uma tentativa desesperada de mudar a sonoridade da banda, errando miseravelmente em todos os requisitos. Isso, felizmente, passa longe de ser a realidade, pois People é eletrizante, bem construída e orgânica faixa que resulta em um trabalho realmente orgânico para o The 1975”. Mudando radicalmente está a presença da delicada ambiental com dubstep/eletrônica Frail State of Mind. Por sua vez, a canção abre espaço para o aparecimento de um dos pontos altos do álbum: a aveludada e sentimental The Birthday Party e a sua construção elegante de folk, emo e country pop. Ao atirar para todos os lados nem sempre o alvo é acerado, mas, felizmente, a qualidade técnica é primorosa. Aplica-se esse elogio para as sensacionais composições, mesmo que o álbum saia de um lugar e parece chegar exatamente no mesmo lugar.” 
Resenha


8. What's Your Pleasure? 
Jessie Ware



“Logo do começo do álbum já é fácil perceber exatamente o seu caminho e, principalmente, o motivo da sua grande qualidade: Spotlight, primeira canção lançada como single, é "uma elegante, refinada, sensual, suave e dançante nu-disco/pop que parece nos abraçar em um toque de veludo". Abrir o álbum com a canção é uma declaração de amor a disco music e, também, uma constatação de todas as qualidades que o álbum e a Jessie Ware possuem e apresentam impecavelmente durante todo o trabalho. Ouvir What's Your Pleasure? é uma experiência deliciosa ao parecer que estamos em estamos flutuando em uma nuvem que funciona como pista de dança voadora. Parece estranho a imagem, mas acredite que essa foi a minha impressão ao ouvir todo o álbum. Leve, melódico e envolvente do começo ao fim sem nunca perdendo a sua força artista ou o foco sonoro, o álbum apresenta uma coleção de canções que, mesmo tendo uma coluna vertebral forte, faz um passeio pelos estilos que pipocavam nos anos setenta e oitenta devido a disco music. Logo em seguida a Spotlight, a canção seguinte apresenta outra vertente da época: What’s Your Pleasure?, faixa que dá nome ao trabalho, é uma dançante disco/eletrônica/soul que remete claramente ao começo da música eletrônica e, claro, a sua madrinha Donna Summer. Outro exemplo primoroso de mudança sonora sem sair do eixo central é a gloriosa Soul Control em que fica claro a influência de sintetizadores e da new wave em uma divertidíssima faixa que poderia muito bem ter saído do catálogo da Kylie Minougue. Entretanto, a qualidade do álbum só é firmada devido ao imenso talento da Jessie Ware.” 
Resenha

7. Set My Heart on Fire Immediately
Perfume Genius




“Definir exatamente qual é o gênero de Set My Heart on Fire Immediately é algo bastante complicado, pois a produção exclusiva de Blake Mills cria uma salada mista com uma profusão imensa de gêneros que vão do R&B até synthpop, passando pelo baroque pop e chegando até mesmo ao industrial. A melhor definição, porém, seria generalizar e apontar o trabalho como sendo um apoteótico e rico encontro de art rock com indie pop que consegue criar uma coleção densa, profunda e multifacetada de canções que navegam lindamente entre uma construção contrastante de profano contra o sagrado. Ao escolher dar para cada canção personalidade e estilo completamente diferentes uma da outra, a produção ajuda criar um álbum imprevisível, excitante e envolvente em um nível muito pouco alcançado, pois é necessário que um álbum assim tenha envolvido na sua criação um trabalho muito cuidadoso e com uma inteligência afiada para não deixar tudo desandar. Felizmente, Blake dá para Michael Alden Hadreas, nome de batismo de Perfume Genius, o material quase perfeito para conseguir chegar a tamanho feito.” 
Resenha



6. Miss Anthropocene
Grimes




“Além de ser uma figura polêmica por si, principalmente depois de começar um relacionamento com o empresário bilionário Elon Musk, Grimes entrega em Miss Anthropocene um álbum que facilmente dividi opiniões desde a sua base até a sua finalização. O primeiro motivo é o fato do álbum ser denominado como conceitual. Segundo a cantora, o álbum é uma referência uma deusa grega com um neologismo criado por Paul J. Crutzen para designar a deusa moderna da mudança climática. Já aqui dá para perceber a pretensiosidade que Grimes dá para o trabalho. Isso é ruim? Não exatamente. O grande problema é que após ouvir o álbum não percebi nada que pudesse ligar o resultado final com esse conceito. Apenas uma faixa que pode ter alguma coisa implícita, mas mesmo assim o fio de raciocínio é igual a grossura de um fio de cabelo. Então, esse conceito é mais papo do que realmente uma coisa concreta. O contraponto, porém, é que a produção consegue criar um trabalho de uma força tão épica que esse problema é colocado embaixo de uma pedra de uma tonelada. 

Definir qual é a sonoridade de Miss Anthropocene é uma tarefa ingrata, pois a produção cria um hibrido de vários gêneros em uma grande e compacta salada mista que vai desde o folk até o k-pop. Acredito que a melhor definição que cabe aqui é uma mistura de avant pop/industrial e influências de indie rock já que existe uma queda maior para esses gêneros ao longo de todas as faixas. E mesmo assim não é possível definir com exatidão a profundidade de sons, texturas e batidas que o álbum é enxertado com uma excepcional qualidade. Ouvir todo o álbum é como entrar em um turbilhão a duzentos por hora que deixa quem ouve até meio atordoado logo no seu começo arrebatador. Fazia algum tempo que um álbum não tinha esse impacto tão pungente em mim.” 

5. Punisher
Phoebe Bridgers



“Descobrir apenas esse ano Phoebe Bridgers ao analisar o primeiro single do álbum, Garden Song, após ler em um site especializado uma resenha sobre a mesma. Sem muitas expectativas, descobri uma artista surpreendente inspirada, humana e de uma delicadeza artística tocante. Apesar de criar ótimas expectativas em torno do lançamento da cantora não acreditei de verdade que Punisher poderia ser um trabalho tão marcante como o que tive o prazer de me aventurar. Entrar no mundo de Phoebe é como ter um convite sem restrições para entrar nos pensamentos mais profundos, íntimos e secretos que uma pessoa pode possuir. A jovem de vinte e seis anos abre o seu coração como uma dobradura de papel sendo desfeita para que o público tenha acesso ao seu eu mais cru, vulnerável e desprotegido. Suas paredes construídas para proteção estão demolidas. As armadilhas que são construídas para afastar o mal estão desarmadas. Nua e exposta como um recém nascido, Phoebe Bridgers entrega composição devastadoramente reais ao expor a quem quer vê os pensamentos que qualquer um gostaria de enterrar o mais profundo para nunca ser exposta aos olhos de curiosos. Começa pela beleza triste da canção já citada, pois Garden Song "é sobre a dor de crescer e deixar o que já conhecemos na nossa juventude para trás, sendo as coisas boas e as ruins. É um processo natural que todos passam, mas é visto de uma maneira adulta, crua e desconcertantemente honesta por Phoebe que exprime de maneira única todos esse sentimento tão comum e, ao mesmo tempo, tão complicado." . Em uma canção com menos de quatro minutos, a cantora é responsável em destrinchar e dar um sentido que consegue falar com qualquer um de forma poética, única e honesta. Depois de ouvir novamente a canção acreditei que a cantora não poderia ultrapassar a imensa qualidade, mas é aí que a minha viagem ao mundo de Punisher dá uma guinada de 180° em uma direção completamente inesperada.” 
Resenha


4. SAWAYAMA
Rina Sawayama




“Dona de uma produção capitaneada por Clarence Clarity por quase todo o álbum, SAWAYAMA é como se fosse uma espécie de musical contemporâneo sobre o pop em que cada música representa uma fase e/ou gênero diferente, mas que no final das contas todo parece estar ligado fortemente por uma linha de raciocínio que parece invisível a olhos nus. Tecnicamente esplendoroso, encorpado e substancial, o álbum não acerta apenas na construção do todo, mas, principalmente, na construção individual de cada canção. Não apenas instrumentalmente, mas na adição de nuances, texturas, batidas, sabores, influências e surpresas que cria em cada faixa um espetáculo sonoro que prende quem escuta em uma espiral sem volta. E Rina não espera muito para começar a montanha-russa sonora: começando pela batida indie rock/pop rock de Dynasty que remete ao uma mistura de Avril com Aguilera em Fighter, passa para a art pop/indie/pop rock/electropop XS que parece ter saído da fase de ouro da Gwen com a GaGa do The Fame e chegando na nu-metal/ pop rock/indie pop STFU! em uma explosão sonora que nunca o Evanescence ou alguma banda emo teve o poder de entregar. O mais impressionante, porém, é que mesmo com todas essas semelhanças com sonoridades de outros, Rina Sawayama é uma popstar com uma personalidade carismática, instigante, poderosa e completamente distinta.” 
Resenha


3. Róisín Machine
Róisín Murphy




“Na teoria, Róisín Machine não passa de um dos álbuns em 2020 que seguiram a tendência de ressuscitar a disco music em forma de post-disco/nu-disco. Todavia, o resultado na prática é absurdamente diferente, pois a produção de Richard Barratt transforma o álbum em uma viagem transcendental ao passar por gêneros como, por exemplo, electropop, house, EDM, techno e pop alternativo. E a palavra viagem é a que melhor se encaixa na construção elaborada, intricada e surpreendente do álbum. Não acredite que devido a ter tantos gêneros na sua constituição que Róisín Machine seja uma jukebox que cada música é diferente uma da outra e que as mesmas funcionam completamente separadas. Imagine um novelo de lã multicolorido em que as cores não são separadas de forma simétrica e, sim, misturadas ao longo da extensão do fio. Ao desenrolar, o novelo vai mudando de forma fluida e gradativa de cores, mas no final tudo faz parte do mesmo emaranhado. Assim que é construído o álbum. As dez faixas vão surgindo de forma natural, ao mesmo tempo, vão mudando gradativamente de gêneros, batidas e atmosferas sem perder, porém, a coerência e coesão ou sem gerar nenhuma quebra brusca de estrutura.” 
Resenha


2. Fetch The Bolt Cutters
Fiona Apple




“Dona de uma carreira praticamente irrepreensível com quatro álbuns aclamados pela crítica, Fiona Apple chega aos quarenta anos com uma das maiores artistas da sua geração sem nunca ter alcançando um sucesso comercial gigantesco ou um acolhimento amplo pelo mainstream de forma ampla, mas criando uma fiel legião de fãs ao redor do mundo. É clichê falar que, obviamente, a cantora não precisa provar mais nada para ninguém e acredito que isso nem passe pela sua cabeça. Livre de qualquer amarra criativa ou comercial, Fiona parece estar muito mais interessada em criar a sua arte da maneira que a mente achar que deve ser feita. E é aqui que as coisas se complicam, pois Fetch The Bolt Cutters é provavelmente a melhor descrição do que a mente humana é capaz de produzir em forma de música.” 
Resenha

1. græ
Moses Sumney




“Chegando ao seu segundo álbum, o estadunidense Moses Sumney já tinha deixado uma marca no seu álbum debut chamado Aromanticism de 2017. Entretanto, græ parece fixar o cantor com um grande expoente da música ao entregar um intrigado, longo, complicado, sublime e complexo trabalho que mistura jazz, blues, experimental, rock, pop, soul e indie que consegue manter a mesma qualidade durante toda a sua longa duração. Para tentar guiar a sua imagem sonora é preciso pensar que Moses Sumney seja uma versão do Frank Ocean ainda mais experimental. Claro, os dois apresentam diferenças artísticas imensas no quadro geral, mas ao ouvir græ com essa comparação que me ajudou a dar sentido para o que estava ouvindo. Atmosférico do começo ao fim, mesmo com a mudança drástica entre as duas partes, o álbum é como aquele chiclete em tira muito popular na década passada que quanto mais a gente "degusta" vai mudando de sabor, ou seja, quanto mais adentramos no álbum mais vamos experimentando uma imensa quantidade de texturas, sabores, nuances, explosões sonoras, batidas e quebras de expectativas. E, meus amados leitores, tudo isso já acontece já nas primeiras faixas do álbum.” 
Resenha

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