18 de fevereiro de 2024

O Melhores Álbuns de 2023 - Final

 




Parte I
Parte II
Parte III

10. Water Made Us
Jamila Woods


"Completamente dona de si e da sua sonoridade, a cantora entrega um deleite sonoro em uma sofisticada, profunda, elegante e linda jornada por uma R&B maduro que parece que ganhar novas cores ao ser entoado pela artista. Longe de reinventar a roda e, sim, fazer a mesma rodar com uma fluidez plena, Water Made Us é aquele tipo de álbum que pode até ser longo, mas nunca faz a gente perder o interesse devido a como a gente é puxado para o seu centro artístico. Não é um furacão de sons, mas é uma brisa suave e envolvente que faz a gente levantar os pés do chão para ser levado sem pensar em voltar."

9. Gag Order
Kesha


"Gag Order é sem nenhuma dúvida o trabalho mais experimental e maduro da carreira da Kesha, mesmo não sendo o melhor de uma maneira geral. Com auxilio na produção do lendário Rick Rubin, o álbum é uma mistura de indie pop, art pop, alt pop, experimental, eletrônico e psicodélico com toques de synth-pop, country, R&B e pop rock que consegue criar uma impressionante, coesa, pungente, madura e revigorante sonoridade que mostra o verdadeiro potencial da Kesha ao ser uma artista com uma visão própria e verdadeira. Não é inovador ou de uma genialidade fora do comum, mas, sim, extremamente bem feito, criativamente honesto e inspirador. Apesar de achar a jukebox de Rainbow mais efetiva como um trabalho completo, Gag Order conquista pela maneira fluida que toda a atmosfera vai sendo costurada ao logo das treze faixas que o compõe. Sem tempo para grandes momentos fillers, o álbum é um constante e coeso fluxo de quebras de expectativas, adições de nuances, mudanças de texturas e saídas surpreendentes que vão surgindo de maneira natural sem soar nada forçado ou/e rápido demais. Existe uma velocidade em que as coisas vão acontecendo em que a produção ajuda Kesha a convidar quem escuta a entrar nessa viagem. Apesar da ótima produção, o que Gag Order realmente brilhar é a excepcional presença da cantora aliado com uma sensacional produção vocal e as devastadoras composições."

8. blómi
Susanne Sundfør



"Etérea e terreno ao mesmo tempo, o sexto trabalho da norueguesa é uma sublime, imperfeito, honesto e, por vezes, genial álbum que consegue prendar a nossa atenção e nos levar a uma viagem tocante e sensorial. A produção não está pensando em criar um trabalho que seja artisticamente impecável e, sim, emocionalmente relevante mesmo que não a gente não consiga se conectar com tudo. Como esse “passeio” na floresta que descrevi que vai ter momentos que a gente vai ficar completamente envolvido com o que está em nossa volta, outros momentos não terá a nossa atenção devido a não entender o que está acontecendo, outros serão exatamente pela falta de conhecimento que vai surgir essa conexão. Medo, compressão, surpresa, reflexão, admiração, indiferença, felicidade, melancolia, letargia e excitamento, todos esses sentimentos e sensação são a base da construção da atmosfera de blómi.

Sonoramente, o álbum é basicamente um trabalho folk que é adicionado doses de art pop, ambient, indie pop e toques de R&B que capta perfeitamente a atmosfera do álbum ao ser uma instrumentalização robusta, graciosa, contida e refrescante que é surpreendente diversa. Ao contrário que estava esperado, blómi tem uma variedade estética bem ampla que consegue dá personalidade distinta para cada canção sem fazer perder o rumo de direção base, criando uma experiência que se funde perfeitamente com a sensação que tive de ser um álbum de sensações constantes e diversas. E conduzindo de maneira brilhante está a presença angelical e deslumbrante de Susanne Sundfør. Dona de uma voz delicada e cristalina, a cantora é uma sabedoria atemporal ao saber entoar cada canção com a percepção clara e desconcertante sobre como deve ser traduzido cada uma das sensacionais composições que compõem o trabalho."

7. SAVED!
Reverend Kristin Michael Hayter



"Sonoramente, o álbum continua a jornada da artista em criar uma experiência que coloca o avant-garde no gospel em uma construção grandiosa, estilizada e de uma força emocional que transita entre o celestial e o profano. Entretanto, a diferença entre Sinner Get Ready (2021) e SAVED! é o caminho como se chega nesse resultado. Existe uma mudança nos gêneros adjacentes usados que foi deixado de lado os mais eruditos para dar espaço para os mais populares como, por exemplo, southern gospel (gênero do gospel feito no sul dos Estados Unidos e com origem secular). E isso dá uma sensação de maior urgência para o álbum, criando uma conexão mais humana entre a artista e quem a ouve. No álbum anterior tinha a sensação de estarmos ouvindo um sermão de uma entidade superior, mas aqui é como se fosse um sermão ao vivo vindo de uma dinâmica, carismática e com um toque de loucura. E ainda assim, a cantora não quer transformar ninguém em devoto e, sim, fazer a gente ter essa experiência catártica de fundo religioso. O resultado é menos espetacular que o álbum anterior, especialmente devido algumas decisões como a de fazer algumas canções soarem como fossem estações de rádio com instabilidade de conexão, mas ainda assim é um deslumbre desconcertante e único álbum."

6. No tempo da intolerância
Elza Soares



"Produzido por Rafael Ramos, responsável também por Planeta Fome, No Tempo da Intolerância é basicamente a amálgama do que é a sonoridade básica de Elza: uma mistura fundamental de MPB e samba com toques de rock e pop aqui e acola. E apesar de não chegar a ousadia experimental do trabalho que reinventou a carreira da cantora, a produção é o consciente o suficiente para saber que para dar a perfeita base é apenas necessário fazer um excelente arroz com feijão em que Elza possa adicionar toda a sua gigantesca personalidade e que torna qualquer canção em um espetáculo por si. Lindamente bem instrumentalizado, fluido, maduro, elegante e de uma brasilidade a flor da pelo, o álbum caminha na direção de não quer reinventar a roda e, sim, fazer a roda da discografia de Elza rodar de maneira a respeitar, louvar e glorificar a mesma. E isso é feito no instante que cada momento do álbum é preenchido pela presença de Elza.

Sim, a cantora não tinha a mesma voz dos áureos tempos, mas, sinceramente, gênios como Elza nunca perdem a força bruta da sua presença ao adicionar toda a sua bagagem para cada uma das suas performances. É quase como uma força espiritual que imunda os ouvidos de quem ouve Elza declamar com a mesma graça e paixão de quarenta ou cinquenta anos atrás. Se a voz física parece mais contida, a voz de sua ala continua a mesma devastadora. E logo nos primeiros momentos do álbum é possível sentir com a espetacular Pra Ver se Melhora. Cantando sobre a esperança quase imortal do povo brasileiro com um futuro melhor é possível sentir a clara e tocante identificação com a letra que Elza possui, pois, assim como milhões de brasileiros, a mesma também foi uma das sonhava com uma vida melhor quando tentou a sorte em um show de calouros no começo da carreira para poder comprar remédios para seus filhos. E, novamente, Elza é essa arauta do Brasil ao falar sobre problemas sociais, políticos e econômicos que a mesma viu durante a sua vida inteira."

5. Lahai
Sampha



"O segundo álbum cantor/produtor Sampha é, ao mesmo tempo, uma aventura experimental de sons e sensações e um trabalho palatável para um público que não necessariamente ouviria esse tipo de trabalho. E isso, querido leitores, é algo tão incrível e impressionante, pois Lahai não perde em nenhum segundo a sua capacidade artística impressionante.

Acredito que a razão para o artista alcançar esse lugar é nunca fazer do álbum algo que precise fazer quem escutar refletir profundamente sobre o que está sendo apresentado, mas, na verdade, a intenção é fazer a gente sentir cada batida na pele como a brisa de um fim de tarde no verão. A gente pode até pensar em como, por exemplo, o vento se forma ou como a pela capta a sensação e manda para o cérebro decodificar, mas na maioria esmagadora das vezes a gente apenas sente. E nada mais. Assim foi como escutei Lahai, deixando as sensações serem o ponto alto e não as explicações. E que experiência é poder sentar e sentir a cacofonia controlada, requintada, solar e excitante que a sonoridade criada para o álbum."

4. Raven
Kelela


"Raven se desenrola como uma teia de sensações sonora que vai passando por melancolia, sensualidade, delicadeza, profundidade, maturidade e uma beleza iluminada e envolvente. E, queridos leitores, o resultado poderia facilmente descambar para vários caminhos sem volta, mas, felizmente, a destreza da produção mante tudo no trilho com uma inteligência primorosa. Esse descaminho poderia ter até motivo, pois o álbum apresenta quinze faixa e mais de uma de duração, gerando uma grande possibilidade de o fio da meada ser perdida em algum momento. Entretanto, o cuidado que tudo é costurado é algo impressionante e a principalmente razão para atingir tamanho brilhantismo de coesão é a decisão de fazer as faixas “conversarem” entre si de maneira continua, orgânica e perfeitamente bem pensado.

Desde a transição entre a primeira faixa para a segunda e assim por diante, todas as faixas Raven apresentam elementos sonoros e líricos que ligam diretamente com a faixa anterior, criando uma unidade completa, intricada e fluida em que o álbum parece que estamos diante de uma grande narrativa com começo, meio e fim. Obviamente, outros álbuns conseguiram ter essa mesma sensação sem precisar desse artifício, mas o que ouvido aqui é o refinamento máximo dessa tática em que o público se sente embarcando verdadeiramente na mente de Kelela. Isso transforma a viagem em uma experiência única para quem escuta, influenciando também no fato de, apesar de longa duração, Raven nunca revela no peso do tempo sem se tornar arrastado ou/e enfadonho. E essa qualidade é aumentada ao saber que o álbum tem um time considerável de produtores que adicionam as suas marcas distintas para cada canção. Todavia, todas as faixas foram arranjadas pela Kelela, dando essa unidade espetacular para o álbum. Isso sem falar na imensa qualidade instrumental e no genial trabalho de mixagem feito. Com essa “base”, Kelela consegue explorar todo o seu potencial sem nenhum tipo de amarra."

3. NO THANK YOU
Little Simz


"Começa pelo espetacular GREY Area de 2019, passa pelo simplesmente sublime Sometimes I Might Be Introvert de 2021 e chega nesse estupendo NO THANK YOU que foi lançado no final do ano passado. E o mais extraordinário é perceber que os três apresentam personalidade diferentes, mas tem a mesma força intacta da rapper. Enquanto o primeiro apresenta uma urgência feroz, o segundo é épico, grandioso e de uma preciosidade atemporal. Agora, o novo álbum apresenta uma atmosfera intimista, profundo e reflexivo que diminui em escopo a sonoridade, mas sem nunca perder o impacto que é escutar um trabalho da Little Simz. E, queridos leitores, isso é algo realmente impressionante que precisa ser ainda mais valorizado e celebrado. Entretanto, NO THANK YOU é mais que apenas a confirmação definitiva do talento da rapper e a sua química artística impressionante com o produtor Inflo, mas também a continuidade da exploração temática e lírica das sempre impressionantes crônicas de Little Simz.

Assim como Lamar, a britânica explora uma gama de temas que vão do pessoal e sentimental até a críticas sociais e politicas de maneira tão pungente, única, urgente e sempre de uma força sempre devastadora. Em NO THANK YOU, a rapper entrega as suas composições intimistas até o momento, deixando a impressão que estamos diante de crônicas confessionais saída de reflexões da rapper. Essa característica dá para o álbum uma atmosfera única dentro da discografia da rapper, pois estabelece uma conexão direta com o seu público desde os primeiros versos como se estivéssemos em uma conversa direta e franca com Simz. E essa qualidade se une com o apuradíssimo senso estético, o resultado é uma explosão de sentimentos, emoções, descobertas, epifanias, desabafos e sempre uma sensação de estarmos ouvidos verdades desconcertantes de uma verdadeira contadora de história."

2. My 21st Century Blues
RAYE


"A indústria fonográfica pode ser cruel com seus próprios talentos, transformando uma carreira que poderia ser genial em apenas uma história de sonhos partidos e esquecimento. Esse poderia ter sido o caso da britânica Raye. Depois de anos presa em contrato com uma grande gravadora que nunca soube exatamente fazer com a cantora ao tentar a fazer algo que a mesma não se encaixava ao ir de diva pop descartável até rainha dos featuring de canções de DJs, a cantora rompeu o seu contrato e começou a sua jornada como artista independente. E, felizmente, os deuses da música sorriram para a artista ao alcançar o sucesso comercial com o hit viral de Escapism. Entretanto, a grande conquista da Raye é poder ser ela mesma e liberar todo o seu potencial. E o resultado é o seu impressionante e já clássico debut My 21st Century Blues.

Obviamente, o talento da já se mostrava mesmo com as rédeas da gravadora. No EP Euphoric Sad Songs de 2021 terminei afirmando que “o EP é uma auspiciosa e inspirado trabalho da RAYE que está alguns passos de se tornar a próxima estrela do pop”. E agora a mesma confirma isso ao entregar um álbum tão único, pessoal e revigorante que a coloca de vez no caminho certo. A liberdade conseguida pela carreira solo é vista em My 21st Century Blues no momento que a gente percebe os riscos, experimentos e quebras que a produção vai para explorar todas as possibilidades que a Raye pode entregar. E parte dessa responsabilidade é “culpa” do produto Mike Sabath que tem a sua presença por todo álbum. Acredito que o mesmo seja a cola que liga os pontos e a lixa que apara os pontos da grandiosidade sonora. Misturando pop, R&B, pop soul, pop rap, pop soul, indie pop, electropop, My 21st Century Blues é uma exercícios em buscar saídas difíceis, inesperadas e complicadas para sempre extrair o mais refinado suco de originalidade. E, queridos amigos, entregar um álbum dentro do reino do pop e ter a capacidade de ser totalmente autoral do começo ao fim é algo raro e impressionante, mas é isso que a trabalho vai se desenrolando em cada curva ou/e mudança de direção. Sempre surpreendente, revigorante e excitante, o álbum apresenta é uma verdadeira metralhadora de explosões em formas de música que faz gente ficar na beirada da cadeira esperando os próximo o momento de pura genialidade. E o ápice é a canção que fez o mundo se (re)apresentando a Raye: Escapism. “As nuances, texturas, quebras de expectativas e toques de genialidade que são adicionados na produção é algo revigorante, refrescante, eletrizante e impressionante, transformando esse hip hop/R&B com toques de eletrônico, blues e soul em verdadeiro evento de cerca de quatro minutos e meio. Na verdade, a canção é basicamente melhor que toda a carreira de várias contemporâneas de Raye em todos os sentidos. Complexa e com um toque comercial vertiginoso, Escapism é quase um hip hop opera sobre o uso do sexo e de relacionamentos passageiros para criar um muro no nosso emocional para que se possa sentir nada”. Felizmente, My 21st Century Blues não tem apenas uma canção genial, mas uma coleção delas uma seguida da outra. E todas são recheadas pelas composições mais devastadoras do recente cenário pop."

1. That! Feels Good!
Jessie Ware



"Na resenha para What's Your Pleasure? em agosto de 2020 escrive sobre o álbum: Jessie escolheu por seguir um caminho bem diferente dos seus trabalhos ao fazer do álbum uma verdadeira ode a disco music e, também, ao pop do começo dos anos oitenta. O álbum não apenas traz referências sobre o período e os gêneros, mas é na verdade um trabalho que parece ter sido feito na época”. Três anos passados, Ware poderia facilmente continuar na mesma toada para continuar a se aproveitar do própria hype. Todavia, That! Feels Good! simplesmente eleva o que deu certo a décima potência, refina tudo a quase perfeição estética, acrescenta novas e espetaculares camadas e entrega um dos melhores álbuns pop dos últimos vinte anos.

Analisando os dois álbuns lado a lado é possível facilmente notar que, apesar de saídos da mesma nascente, apresentam diferenças básicas que os transformam em obras distintas, originais, excitantes e efervescentes por seus méritos. A primeira e, acredito, a maior delas é como a produção entende a releitura/ode a disco. No álbum anterior, existia uma tendência em buscar referencias em Donna Summer ao ter uma carga de influencia de música eletrônica, dance e post-disco. Em That! Feels Good!, a produção emoldura a Diana Ross ao apoiar a sonoridade no soul, R&B, funk e no puro disco. Olhando por relance não parece grandes diferenças, mas, na prática, o resultado aqui é mais encorpado, chic, envolvente, amadurecido e romântico. E, queridos leitores, é necessário apontar que essa evolução de um álbum para outro parte já de um dos ápices mais altos da recente música pop. Então, acreditem quando digo que estamos diante de algo simplesmente estratosférico. E uma das razões para Ware alcançar esse status é a sua decisão de quem produziu o álbum.

Apenas dois nomes assinam a produção de That! Feels Good!: James Ford e Stuart Price. O primeiro foi responsável quase que sozinho por What's Your Pleasure?, sendo a base para a transformação da carreira da cantora de maneira irretocável. A sua presença não apenas mostra o amadurecimento da sonoridade da cantora como também garante um porto seguro de qualidade, entendimento e familiaridade. O segundo é toque de excitação e novidade que faz o álbum realmente encontrar o seu próprio caminho e, principalmente, buscar essa mudança dentro do que se propõe fazer. Ainda mais que Price é basicamente o nome por trás de outra arrasa quarteirão pop: Confessions on a Dance Floor. Além de outros trabalhos como nomes importantíssimos como, por exemplo, Dua Lipa, The Killers, Kylie Minogue, entre outros. Experiência, maturidade, refinamento e inteligência são trazidos a toneladas para compor That! Feels Good!. E tudo isso é incrementado pela imensa criatividade que é adicionada a todos os instantes do álbum."

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