25 de julho de 2021

Primeira Impressão

Nurture
Porter Robinson




Abrindo a minha visão ainda mais em 2021 venho descobrindo alguns artistas que nunca achei que iria realmente apreciar tanto. Um deles é o DJ/produtor/cantor Porter Robinson. Normalmente, quando associo esse tipo de artista a nomes que alcançaram sucesso de público mundialmente ao entregaram o mais raso e descartável da música eletrônica. Para a minha total surpresa, Porter quebra qualquer das minhas expectativas ao ir contra todos os meus pré-conceitos ao entregar uma sonoridade que realmente se mostra longe de qualquer clichê, lugar comum ou saída fácil. Em Nurture, segundo álbum da sua carreira, Porter Robinson constrói um trabalho inesquecível e que conquista da primeira nota até a última batida em um estilo que normalmente é sinônimo de mediocridade.

Começo a esmiuçar o álbum por uma parte que normalmente não passa de duas ou três linhas em minhas resenhas sobre um trabalho semelhante a Nurture: as composições. Facilmente renegadas para complementos em trabalhos de outros DJ são para Porter Robinson de importância ímpar. Sofrendo de depressão como revelou em 2015, o produtor parece querer fazer do trabalho uma coleção de mensagens otimistas, radiantes e que dão esperança genuína para qualquer pessoa, lutando com problemas mentais ou apenas com os percalços da vida. Sem querer pregar a famosa positividade tóxica ou muito menos entregar guias de auto ajuda bregas e clichês, Porter, que escreveu praticamente sozinho todas as faixas, mostra que realmente existe a luz no final do túnel em composições inteligentes sintaticamente, emocionalmente envolventes e de um tino pop perspicaz que transforma cada faixa em uma verdadeira aula sobre como adicionar substância em um trabalho desse gênero. Em Look at the Sky, uma das melhores de Nurture, Porter Robinson declara de maneira inspiradora que existem como acreditar no futuro depois de tormenta:

Look at the sky, I'm still here
I'll be alive next year
I can make something good, oh
Something good

Como escrevi na sua resenha: “a mensagem positiva sobre acreditar no futuro poderia ser piegas, mas, felizmente, existe uma sinceridade tocante na letra que faz a gente realmente se sentir inspirado”. E essas mensagens estão disposta por todo o trabalho ao serem exploradas de forma realmente profunda por Porter. Apesar de todo o destaque que dou para as mensagens criadas por Porter, o que o DJ realmente se destaca é pela sua magistral produção.

Capitaneando a totalidade da produção do álbum, Porter Robinson consegue criar um gigantesco caldeirão de referências, gêneros e influências que poderiam desandar em apenas uma decisão errada. Felizmente, a mente criativa do artista consegue não apenas equilibrar tudo, mas, especialmente, dar uma fluidez orgânica deslumbrante. Parte dessa sensação é devido ao trabalho genial de instrumentalização que consegue passar uma atmosfera de completude ao não se apoiar exclusivamente em sons sintéticos para a elaboração das batidas. Ao permitir que as canções tenham e deixam bem nítidas a presença de uma complexa rede de instrumentos, criando uma estética realmente apurada, rica e inspiradora, Porter se distancia de qualquer semelhança que possa ter com a maioria do nomes do gênero dentro do mainstream. E mesmo quando alguma faixa parece recorrer a um arranjo feito a partir de recursos digitais, Porter consegue criar peças de uma beleza impressionante. Wind Tempos é um dos pontos altíssimos de Nurture e deixa bem nítido esse cuidado de produção. Quase apenas instrumental por completo, apresentando apenas três versos que se repetem algumas vezes, a faixa é uma viagem tocante e preciosa em que cada momento é apresentado uma textura nova ou a quebra de expectativa devido a adição de nuances que agrega brilhantes camadas de inspiração. Tudo isso faz com que Wind Tempos quase se torne uma trilha incidental de um filme de animação japonês para adultos. E essa característica cinematográfica permeia toda a duração do álbum, criando momentos que conectam com quem escuta em níveis diferentes. E isso ajuda a compreender melhor a imensidão sonora que Porter Robinson aplica para o trabalho.

Sonoramente, o álbum pode ser classificado simplesmente como eletrônico, mas o produtor não se estaciona apenas aí para criar o quadro geral do trabalho. É necessário entender que estamos diante de uma construção intricada de vários estilos e gêneros como, por exemplo, synthpop, EDM, ambiental, lo-fi, indie pop e folk pop que atuam separadamente para depois serem fundidos em apenas uma explosiva e requintada massa sonora, sendo recheada de desvios, surpresas, desconstruções e excitação. Logo no seu final, Nurture apresenta dois momentos de puro brilhantismo: a delicadeza da balada Blossom e a sua comovente composição sobre encontrar a beleza que reside nos finais é seguida pela crescente grandiosidade singular do single Unfold com participação do também DJ Totally Enormous Extinct Dinosaurs. Dois momentos completamente distintos e que em teoria não deveria ter tamanha simetria e fluidez, mas que escutados juntos fazem total sentido e apenas acrescentam um ao outro. E Nurture ainda consegue outro feito impressionante: mesmo escolhendo usar uma dose cavalar de efeitos em suas performances vocais, o resultado é bem melhor que o esperado devido as ótimas escolhas de como se utilizar desses recursos que possam se fundir com toda a produção de maneira espontânea que acaba sendo um recurso a mais na construção de toda a atmosfera sonora. Um bom exemplo desse casamento perfeito é o ótimo single Musician que, mesmo soado robótico vocalmente, a decisão não atrapalha em nada o ótimo resultado já que a produção “consegue dar emoção para uma canção que seriam normalmente associada a “fritação” em raves quando o mundo voltar ao normal”. Outros momentos que precisam ser citados ficam por conta da fofa e melódica synth-pop/ambient Get Your WishDo-re-mi-fa-so-la-ti-do e a sua revigorante e solar influência de pc music casado com trilhas de vídeo game, a linda homenagem para a sua mãe em Mother, a emoção tocante da melodia de Sweet Time e, por fim, e a construção em crescente da poderosa drum bass/synth-pop Something Comforting. Ao final de Nurture, Porter Robinson deixa bem claro que é muito mais que apenas um DJ/produtor de música eletrônica ao entregar uma preciosidade na sua melhor versão de um dia ensolarada depois do inverno.

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