25 de outubro de 2020

Primeira Impressão

Punisher
Phoebe Bridgers




Ouvir um álbum é como entrar em um mundo criado pela mente de uma pessoa que escolhe se abrir corajosamente para o resto da humanidade. Obviamente, a constituição de cada munda é completamente diferente uma da outra, indo do mais orgânico até o mais fabricado. E como a gente que adentra essa criação é também bastante diferente devido as expectativas próprias, experiências e a bagagem que já carregamos. Isso resulta em um leque enorme de reações, sentimentos, emoções e pensamentos que nascem para cada um em razão dessa jornada em um novo mundo. De tempos em tempos, o resultado dessa aventura é algo que parece tocar em algo que parece que não tinha sido descoberto ou que estava adormecido há muito tempo. Apesar de um ano que vem alcançando incríveis picos de genialidade, ouvir Punisher, segundo álbum da Phoebe Bridgers, é uma experiência desconcertantemente única e de uma pureza artística incomparável.

Descobrir apenas esse ano Phoebe Bridgers ao analisar o primeiro single do álbum, Garden Song, após ler em um site especializado uma resenha sobre a mesma. Sem muitas expectativas, descobri uma artista surpreendente inspirada, humana e de uma delicadeza artística tocante. Apesar de criar ótimas expectativas em torno do lançamento da cantora não acreditei de verdade que Punisher poderia ser um trabalho tão marcante como o que tive o prazer de me aventurar. Entrar no mundo de Phoebe é como ter um convite sem restrições para entrar nos pensamentos mais profundos, íntimos e secretos que uma pessoa pode possuir. A jovem de vinte e seis anos abre o seu coração como uma dobradura de papel sendo desfeita para que o público tenha acesso ao seu eu mais cru, vulnerável e desprotegido. Suas paredes construídas para proteção estão demolidas. As armadilhas que são construídas para afastar o mal estão desarmadas. Nua e exposta como um recém nascido, Phoebe Bridgers entrega composição devastadoramente reais ao expor a quem quer vê os pensamentos que qualquer um gostaria de enterrar o mais profundo para nunca ser exposta aos olhos de curiosos. Começa pela beleza triste da canção já citada, pois Garden Song  "é sobre a dor de crescer e deixar o que já conhecemos na nossa juventude para trás, sendo as coisas boas e as ruins. É um processo natural que todos passam, mas é visto de uma maneira adulta, crua e desconcertantemente honesta por Phoebe que exprime de maneira única todos esse sentimento tão comum e, ao mesmo tempo, tão complicado." . Em uma canção com menos de quatro minutos, a cantora é responsável em destrinchar e dar um sentido que consegue falar com qualquer um de forma poética, única e honesta. Depois de ouvir novamente a canção acreditei que a cantora não poderia ultrapassar a imensa qualidade, mas é aí que a minha viagem ao mundo de Punisher dá uma guinada de 180° em uma direção completamente inesperada.

Ao continuar a sua jornada pessoal e reveladora sobre si mesma, Phoebe Bridgers entrega momentos de pura catarse emocional. Exatamente dois momentos de pura e indiscutível genialidade que ajuda a entender com perfeição o deslumbramento que o álbum causa. Chinese Satellite é uma devastadora crônica sobre o poder de se sentir um ponto na multidão de bilhões sem acreditar realmente que exista um ser superior para ditar nossas vidas ou/e nos socorrer em momentos de necessidade. Esbarrando em sentimentos como solidão e esperança, a faixa é um trabalho que entra por debaixo da nossa pela e vai crescendo aos poucos a cada nova apreciação. É prazeroso e, ao mesmo tempo, espantoso ouvir uma artista em tom tão confessional como a Phoebe se mostra ao longo do álbum, mas aqui o nível é aumentado em um tema que não é tão comum. Sem levantar polêmicas desnecessárias, mas sendo fiel ao esquema de se abrir como um livro aberto, a cantora entrega um dos refrões mais poderosos de 2020: 

Took a tour to see the stars
But they weren't out tonight
So I wished hard on a Chinese satellite
I want to believe
Instead, I look at the sky and I feel nothing
You know I hate to be alone
I want to be wrong


E quando parece que não é possível surgir outro momento tão avassalador, eis que surge Moon Song. As primeiras e sonhadoras notas da canção parecem indicar uma simples balada. Na verdade, a faixa alcança essa expectativa dentro de alguns parâmetros, mas para aqueles que olham com mais cuidado terão os seus corações arrancados com apenas a força da genial composição de Phoebe. Narrando os pequenos atritos de um casal ao longo de um relacionamento que vai se transformando em uma bola de neve de rancor e amargura, a cantora entre um trabalho lírico de uma beleza devastadoramente real ao ser emocional sem ter uma grama de clichê e de uma complexidade tímida e nada pretensiosa que a transforma em uma daquelas canções inesquecíveis na nossa vida. Citar os melhores momentos da composição de destaque é praticamente impossível, mas é preciso ressaltar uma passagem icônica quando a cantora diz: "We hate Tears In Heaven/ But it's sad that his baby died". Os versos conseguem unir ao mesmo tempo o sentimento que faz um casal se sentir ligado uma ao outro como também um critica feroz ao Eric Clapton e as visões preconceituosas expostas na mídia nos últimos tempos. Mesmo que as outras canções não tenham esse nível, Punisher é recheado de momentos de pura inspiração como é o caso do segundo single Kyoto que "ao falar sobre se decepcionar com alguém que gosta, Phoebe entrega uma composição descolada, mais profunda que as aparências e cheias de ótimas passagens". Outro momento de destaque é a faixa que dá nome ao álbum: Punisher é uma conversa imaginária com o falecido cantor Elliott Smith que a cantora mostrada toda a sua admiração de uma maneira tão tocante que é capaz de levar lágrimas aos olhos. Após ouvir todas as canções é possível afirmar que se a produção tomasse outro caminho, o resultado final do álbum poderia resultar em algo totalmente diferente e, provavelmente, menos impactante.

Produzido pela própria Phoebe Bridgers ao lado de Tony Berg e Ethan Gruska, Punisher se mostra um delicado, contido e dreamy indie rock com pinceladas marcantes de folk, emo, indie pop e indie folk que não se aventurar no lado experimental, mas longe de qualquer construção obvia e massificada. Não existe arrombos sonoros e, sim, construções de uma beleza contemplativa que parecem canções de ninar em melodias ternas, simples e tocantes. Com um trabalho instrumental rico em pequenos detalhes, a produção entrega canções feitas para acompanhar a maneira que a cantora escreve suas composições e como a mesmas as entoas. Dona de uma voz tão suave um sussurrar ao pé do ouvido sem, porém, seguir uma linha estilo Billie Eilish ao lembrar uma lembrar cantoras de country/folk, Phoebe entrega performances devastadoras que até podem parecem repetidas, mas que se relevam a base principal para a construção do álbum nas pequenas nuances. A delicada melodia de Savior Complex e a performance melancólica de Phoebe ajudam a expressar as dificuldades de um relacionamento complicado e os seus altos e baixos. Ao mudar para um indie folk com forte influência de country na preciosa Graceland Too, a cantora coloca a sua marca de forma madura e delicada ao mesmo tempo que mostra certa versatilidade. Por fim, a dramática e triste I Know the End mostra uma Phoebe ainda mais madura, contida e contemplativa. Em um pouco mais de quarenta minutos, a jovem cantora nos guia em uma viagem inesquecível em emoções que parecem tocar em sentimentos tão primários, universais e poderosos. Dessa maneira, Punisher entra com louvor no disputado hall de melhores de 2020.


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