25 de fevereiro de 2022

Primeira Impressão

QVVJFA?
Baco Exu Do Blues




Pensar sobre temas como racismo não é apenas falar sobre o que está na superfície, mas, também, entender as vivencias de pessoas negras em vários aspectos como, por exemplo, o amor. Em QVVJFA? (abreviação de Quantas Vezes Você Já Foi Amado?), o rapper Baco Exu Do Blues entrega uma crônica pungente sobre amar e ser amado pela experiência do homem negro. Uma pena, porém, que a produção demore um pouco a engrenar de verdade.

Sucessor do ótimo Bluesman de 2018, QVVJFA? É o que chamo de obra menor dentro da discografia de um artista que vai encontrar o seu lugar de direito. Por isso, acredito que seja necessário começar a apontar os erros que o trabalho possui. O primeiro deles é essa sensação de slow burn que faz com que o álbum não encontre o seu apogeu até a sua parte final. Longe disso ser exatamente um pecado, pois vários álbuns tem essa mesma característica é terminam sendo um verdadeiro momento de genialidade. O problema é a sensação que estarmos diante de algo que pende para algo ainda melhor sem nunca chegar no lugar das expectativas que são construídas logo de cara com a excepcional Sinto Tanta Raiva. A canção que adiciona toques de jazz e soul e passagens inspiradas é um abre-alas perfeito que consegue dar o tom perfeitamente sobre a sonoridade e, também, lírico de todo QVVJFA?, especialmente nessas linhas do primeiro verso: “A internet lembra minha cidade: guerra de bairros/ Negros fazеndo outros negros serem cancеlados/ Cantamos sobre o que acontece, vejo que poucos mudaram/ Quantas vezes você já foi amado?”. Então, o álbum continua nessa mesma pegada, mas leva tempo para alcançar o mesmo nível. Na verdade, não é nem exatamente o mesmo nível de qualidade, mas, sim, de estruturação.

Algumas faixas do álbum soam mais como intros enriquecidas como faixas completadas. Carismáticas, bem feitas e com a mesma qualidade técnicas que as outras faixas, mas fica faltando estofo criativo de saírem do lugar de excitativas interessantes para concretizações perfeitas. Um bom exemplo disso é a boa 20 Ligações. Falando sobre se sentir amar, mas lutar para não perder a sua personalidade dentro da relação, Baco entrega uma sinceridade tocante, mas que perde certa força devido a não possibilidade de explorar melhor as ideias dessa low profile R&B/soul que termina de maneira anticlimática. Mulheres Grandes também a perder oportunidade de criar uma batida ainda mais sensual e envolvente para envelopar essa deliciosa ode amar mulheres poderosas sem pedir concessão. Esses problemas afetam sim o resultado final, mas quando QVVJFA? acerta plenamente é que encontra a sua verdadeira razão de existir.

Como dito anteriormente, o álbum é uma coleção de crônicas sobre a experiência do homem negro com o amor. Sexo, conflitos, decepções, desejos e tristezas são tópicos abordadas de maneira honesta e com uma paixão cativante. Baco não tem medo de se mostrar vulnerável enquanto busca e encontra a sua voz para poder relevar toda complexidade de sentimentos. E tudo realmente começa a fazer sentido exatamente no meio do álbum com a presença da deliciosa Samba in Paris com a ótima presença da Gloria Groove. Sensual e encantadora, a canção é uma R&B que exalta a devastadora força de se apaixonar e de se deixar levar por esse sentimento. Logo em seguida, o álbum encorpa para um lado mais sério com a presença de Sei Partir. Com participação de Muse Maya, a faixa relata o momento de um relacionamento que os dois ainda não sabem muito bem se vai rolar ou não. Os versos de Muse se mostram ainda mais interessantes quando se ligam aos problemas que mulheres negras tem se relacionarem amorosamente devido as construções culturais e sociais que mulheres negras não são para serem amadas. Apesar da ótima qualidade das canções, QVVJFA? chega no seu auge nas três canções finais.

Em 4 da Manhã em Salvador, Baco deixa de lado o amor para fazer uma crônica explosiva sobre como é ter esperanças em uma sociedade que quer matar o corpo negro de todas as maneiras possíveis. Imortais e Fatais 2 se usa do sample de Tempo de Amor do Vinícius de Moraes para construir uma belíssima e devastadora crônica sobre a solidão do homem negro. Com performances espetaculares durante todo o álbum, o rapper alcança o seu melhor momento na poderosa e avassaladora crônica social Inimigos. Existe uma clara influência dos trabalhos do Kendrick Lamar, mas Baco consegue acrescentar uma dose cavalar de personalidade na faixa devido a sua presença única, a inclusão do sample dos versos de Tenha Fé, Pois Amanhã Um Lindo Dia Vai Nascer dos Os Originais do Samba e a produção inteligentíssima. QVVJFA? não é um trabalho perfeito, mas Baco Exu Do Blues o transforma em uma obra que merece ser ouvida e, principalmente, entendida na sua mensagem.

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